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Curiosidades

Lendas e tradições das árvores, arbustos e plantas de Natal

Nem sempre damos conta, mas há muitas árvores, arbustos e plantas tradicionais de Natal, tanto as que são habitualmente associadas às decorações, como as que integram os doces da consoada. Descubra-as e conheça algumas das lendas e tradições relacionadas com as espécies que se destacam nesta quadra festiva.

Em Portugal, quando pensamos em árvores ou plantas de Natal, o pinheiro é talvez a espécie que primeiro nos surge, mas há muitas outras que dão cor e sabor a esta época festiva, desde os musgos que costumávamos ver nos presépios, aos arbustos com bagas coloridas tradicionais nas decorações da época, passando pelas espécies que nos dão os frutos de casca rija tão típicos do bolo-rei.

Que espécies de árvores, arbustos e plantas são estas que nos acompanham no Natal? E como nasceram as tradições que as tornaram símbolos natalícios e as enraizaram em tantas culturas?

Descubra as respostas e as espécies.

Abetos e espruces, mais do que pinheiros de Natal

Apesar de ser comum referirmo-nos à árvore de Natal como pinheiro de Natal e de em Portugal, por vezes, serem enfeitados pinheiros, as espécies mais comuns nesta quadra são os abetos (Abies spp.) e os espruces (Picea spp.) que não crescem naturalmente em Portugal. Entre eles, está o abeto-de-fraser (Abies fraseri), o abeto-do-Cáucaso (Abies nordmanniana) ou o espruce-da-Noruega (Picea abies).

Estas espécies têm muito em comum com os pinheiros, já que todas pertencem à família das Pináceas (Pinaceae), têm madeira resinosa, os seus frutos são cones a que chamamos pinhas, as suas folhas são finas e longas, em forma de agulha ou espinha, e na maioria dos casos mantêm-se verdes todo o ano. Também muitas delas têm copas cónicas e esta é uma das características que as torna mais apelativas no imaginário do Natal.

Consta que o marido da Rainha D. Maria II, D. Fernando de Saxe-Coburgo-Gotha, de origem germânica, foi quem trouxe para Portugal, no século XIX, a tradição de enfeitar uma árvore no Natal. Chamava-lhe “pinheiro da Pena”, porque a árvore em causa vinha do Parque da Pena, em Sintra, e já nessa altura deveria tratar-se de um pequeno abeto ou espruce – pelo que indica a recriação que tem sido feita em alguns anos a partir de uma gravura do próprio D. Fernando.

Muitas das espécies que se vendem como árvore de Natal são cultivadas em quintas especializadas, com maior tradição no Norte da Europa e EUA, de onde são nativos diferentes abetos e espruces.

Não se sabe ao certo quem começou nem quando se iniciou a tradição das árvores de Natal modernas. Uma teoria aponta que tiveram origem no século XVI, na região que é hoje a Alemanha (sendo natural, por isso, que D. Fernando conhecesse o costume). Nessa altura, os cristãos decoravam pirâmides de madeira ou árvores, na época de Natal, com velas, ramos e frutos. Esta forma em pirâmide evocaria a Santíssima Trindade e terá contribuído para a eleição das espécies que melhor ilustravam esta ideia.

Outra teoria aponta como origem uma lenda anterior, do século VIII, também na Alemanha. Diz-se que o missionário inglês São Bonifácio terá encontrado um grupo de pagãos, que preparavam um sacrifício ao deus Thor, junto a um carvalho – árvore sagrada para esta divindade. Conta-se que o Santo lhes tirou o machado que tinham e com ele cortou a árvore para evitar que idolatrassem o que considerava um falso deus. Ao contrário do que o grupo esperava, o missionário não foi castigado por Thor e, os pagãos impressionados, passaram a adorar e a enfeitar o abeto (que nasceu no lugar do carvalho ou que o Santo lhes indicou como árvore cristã – as duas versões são contadas).

Sabe-se, no entanto, que a tradição de enfeitar árvores na época de Natal remonta a tempos mais antigos – mais antigos do que o próprio Natal. Está relacionada com rituais e decorações feitos nas festas pagãs do solstício de inverno, celebrada por variados povos europeus.

As pinhas das pináceas, incluindo as mais comuns em Portugal – pinheiro-manso e pinheiro-bravo – são muito valorizadas nas decorações de Natal. O mesmo acontece com pequenos frutos, como bolotas, nozes e botões de eucalipto, que podem aplicar-se em coroas ou centros de mesa. Na sua cor natural ou pintados, permitem criar pontos de destaque naturais e é fácil apanhá-los sob as árvores, em florestas, bosques ou jardins.

Pinhas e pequenos frutos usados como decorações de Natal

A lenda da estrela-de-Natal e como passou do campo para o vaso

A Euphorbia pulcherrima, conhecida em Portugal como estrela-de-Natal, é nativa do México e Guatemala. Vemo-la habitualmente como uma pequena planta de vaso, comum em interiores, mas esta é a sua versão domesticada. Enquanto planta silvestre, ela cresce como um arbusto que pode elevar-se a mais de três metros de altura e é por volta de final de novembro que as estruturas folhosas – as brácteas – que protegem as suas flores amarelas começam a mudar de cor.

Estas brácteas, que são muitas vezes confundidas com flores, podem ser brancas, amarelas, rosas, mescladas ou vermelhas e é esta última cor vibrante que lhes assegura um lugar de destaque entre as plantas de Natal.

Conta-se, no entanto, que esta associação nasceu de uma antiga lenda mexicana: a pequena Pepita estava triste por não ter como comprar uma oferenda para levar ao menino Jesus nas cerimónias religiosas da noite de Natal. A caminho da igreja, Pepita colheu umas ervas, levou-as consigo e depositou-as junto ao presépio. Como por magia, as ervas transformaram-se em belas “flores vermelhas” e foi assim que estas plantas passaram a ser chamadas “Flor de Nochebuena” (flores da noite de Natal).

A estrela-de-Natal foi levada da América Central para outras partes do mundo no século XIX. Na América ficou conhecida como Poinsettia graças a Joel Robert Poinsett, embaixador dos EUA no México e botânico amador, que se apaixonou pela planta e a levou para o seu país.

Foi já no início do século XX, também nos EUA, que se desenvolveram as técnicas de propagação e cultivo que a transformaram numa popular planta de Natal de interiores. Esta domesticação envolveu, por exemplo, engenharia genética, com a seleção de plantas pequenas, com brácteas duradouras e de cor vibrante para reprodução, e métodos capazes de induzir a alteração de cor da bráctea a tempo da época natalícia, mesmo em climas muito diferentes daqueles em que a planta vive naturalmente.

Musgos: as mais pequenas entre as plantas de Natal

A tradição de fazer o presépio popularizou-se graças a São Francisco de Assis que, em 1223, para ilustrar a origem do Natal aos habitantes de uma pequena localidade italiana, criou na floresta uma encenação do nascimento de Jesus e diante dela realizou a missa.

A sua origem é, no entanto, anterior: já existia desde o séc. IV e a “Natividade era representada pela imagem do menino Jesus, deitado no chão, acompanhado pelas figuras do boi, do jumento e dos pastores”. A difusão desta recriação difundiu-se a partir do Séc. VIII, mas foi com São Francisco de Assis que ganhou mais importância. Com o passar do tempo, muitas dos presépios em Portugal passaram a incorporar os ambientes campestres que temos pelo país e o musgo tornou-se parte integrante da decoração da paisagem.

Embora continuem a fazer parte do imaginário das plantas de Natal, os musgos desempenham papéis importantes nos ecossistemas, o que desaconselha que sejam cortados (no presépio, podem ser substituídos por palhas, folhas ou raminhos). Entre os papéis que desempenham, salienta-se que fixam nutrientes, incluindo o azoto necessário à fertilidade das terras, retêm carbono, travam a erosão do solo e ajudam à sua preservação após o fogo, e conseguem colonizar ambientes adversos, criando condições mais favoráveis para o futuro crescimento de outras plantas.

Embora não exista legislação específica, a apanha de musgos é desaconselhada. Além de demorarem anos a crescer, muitos estão em perigo de extinção, havendo espécies que já estão, inclusive, regionalmente extintas. Se, entretanto, já apanhou musgos para fazer o presépio, saiba que pode conservar estas plantas de um ano para o outro, secando-as (embrulhadas em papel de jornal e colocadas num local seco), ou mantendo-as regularmente húmidas num local arejado. 

Os musgos são plantas com caules e folhas, mas sem raízes nem flores, que se reproduzem por esporos e absorvem a água e os nutrientes diretamente do meio ambiente.

Classificados na grande divisão dos briófitos, os musgos são seres antigos, que datam de há cerca de 450 milhões de anos e estão entre as primeiras plantas que colonizaram a superfície terrestre, tendo sobrevivido aos ciclos glaciares e às extinções em massa do planeta.

Entre estas pequenas criaturas, alguns musgos sobrevivem em desertos e outras espécies nas gélidas condições do Ártico e Antártico. Apesar desta resiliência e da grande quantidade de espécies de musgo – estimam-se que existam entre 15 mil e 25 mil espécies – são também das plantas mais desconhecidas. Em Portugal, conhecem-se mais de 500 espécies (525 musgos, de acordo com o Atlas dos briófitos ameaçados de Portugal), das quais perto de metade tem estatuto de proteção ou não tem informação que permita estabelecê-lo.

Bagas coloridas e folhas verdes: a tradição nas decorações natalícias

Entre as plantas de Natal, o azevinho (Ilex aquifolium) é uma das que mais se destaca, com as suas drupas vermelhas que sobressaem entre as folhas verde-escuras e recortadas. No entanto, de tanto colhido, tornou-se raro e para evitar que se extinguisse foi protegido em Portugal, em 1989, sendo proibido colher azevinho silvestre.

Outra das plantas que acabou por ser muito colhida pela sua semelhança com o azevinho, foi a gilbardeira (Ruscus aculeatus), conhecida como “falso azevinho”. As autoridades europeias integraram-na na lista de espécies constantes da Diretiva Habitats – Anexo V, não podendo ser colhida na natureza.

Praticamente todas as espécies escolhidas para enfeitar coroas e grinaldas de Natal têm em comum os seus frutos globosos e coloridos, que se mantêm durante a época fria, e as folhas perenes, que permanecem verdes todo o ano. Estas características salientam-nas durante o outono e o inverno, razão por que muitas destas plantas de Natal já integravam lendas de tempos anteriores ao nascimento de Jesus e mantiveram-se em histórias da tradição cristã.

Azevinho e gilbardeira são muito associadas ao Natal

Descubra mais sobre o azevinho e a gilbardeira em “Azevinho no Natal: de onde vem a tradição?

Os zimbros (Juniperus spp.) estão entre estas árvores e arbustos que alguns associam ao Natal, pois tanto a sua folhagem como os seus frutos enquadram o imaginário das decorações da época. As raízes da sua associação ao Natal podem encontrar-se na mitologia grega e numa marcante narrativa bíblica.

Na mitologia grega, a árvore juniper está associada a Pã, deus do campo, pastagens e florestas. De acordo com o mito, Pã estava apaixonado pela ninfa Pitis, mas o seu amor era por ela repudiado, de tal forma que pediu aos deuses que a transformassem numa árvore. O desejo foi-lhe concedido e foi transformada num zimbro. No seu pesar e em memória da amada, Pã passou a usar desde então uma coroa de zimbro. As atuais coroas e grinaldas de Natal mantêm a continuidade destas coroas míticas.

No cristianismo, o zimbro ganha relevo, como árvore protetora, na história da fuga a Herodes: após o nascimento de Jesus, o Rei Herodes ordenou que, em Belém, se matassem todos os bebés do sexo masculino numa tentativa de assassinar Jesus. Um anjo avisou José para que fugissem para o Egito e, durante esta fuga, foram perseguidos por soldados, tendo escapado por pouco, ao esconder-se entre os ramos de um zimbro.

Quando falamos de zimbro, podemos referir-nos a cerca de 60 espécies de árvores e arbustos do género Juniperus e muitas mais variedades de cultivo – cerca de 400. Em Portugal temos sete zimbros nativos.

Todas estas espécies de zimbro são perenes – mantêm-se verdes todo o ano – e os seus frutos permanecem na árvore durante muito tempo, num processo de amadurecimento que pode prolongar-se, em algumas espécies, por mais de dois anos. É neste lento processo de maturação que a cor dos frutos se transforma, de verdes para vermelhos e alaranjados ou azuis, conforme a espécie. Os frutos, chamados gálbulas e semelhantes a pinhas em miniatura, são mais conhecidos como “bagas de zimbro” e habitualmente colhem-se entre setembro e dezembro. As folhas diferem consoante a espécie, tendo nuns casos a forma de escamas, semelhantes às dos ciprestes, e noutros a forma de agulhas pontiagudas.

Várias espécies de zimbro estão integradas em habitats naturais de interesse comunitário para a conservação, constantes do Anexo I da Diretiva Habitats, pelo que devem ser protegidas e não colhidas.

Numa época em que se celebra o nascimento, a conciliação e a renovação, em vez de colhidas, várias destas plantas de Natal podem ser plantadas e a sua frutificação de inverno continuará a dar cor ao Natal – em casa, em canteiros ou em jardins.

As árvores dos frutos que coroam a consoada

Nogueira (Juglans regia), amendoeira (Prunus dulcis), pinheiro-manso (Pinus pinea) e aveleira (Corylus avellana) são as quatro árvores que nos dão os mais conhecidos frutos de casca rija com tradição na consoada portuguesa. Todas elas são espécies plantadas há milhares de anos e os seus frutos são colhidos no outono, o que naturalmente os integrou na alimentação durante os meses de inverno.

Na ceia de Natal, nozes, amêndoas, pinhões e avelãs são consumidos ao natural e integram muita da doçaria tradicional, incluindo numerosas receitas do tradicional bolo-rei – e do mais recente bolo-rainha –, ambos enfeitados com estes nobres frutos.

A tradição não é recente. Nas festas com que os romanos celebravam o solstício de inverno e a fertilidade das próximas colheitas, conhecidas como festas da Saturnália (em honra de Saturno) já era costume haver um bolo ou torta, com uma fava escondida (a fava simboliza a fertilidade) que era dividido entre senhores e escravos. Aquele a quem calhasse a fava seria coroado rei por um dia.

Desconhece-se exatamente qual seria a receita original, mas a tradição foi perpetuada pelos cristãos, nomeadamente em França, onde, no século XVIII se preparava o “gâteau des Rois”, um bolo em forma de coroa, tipo brioche, aromatizado com flor de laranjeira, coberto de açúcar e de frutos, que evocavam as oferendas dos reis magos a Jesus.

Em 1875 o bolo-rei foi introduzido em Portugal pelo pasteleiro francês de uma das mais conceituadas lojas lisboetas – a Confeitaria Nacional, que seguiu uma receita de massa leveda, com frutos secos e cristalizados, proveniente do sul do Loire. A fava, que hoje não integra a receita, continuava a existir na altura e essa será a maior diferença para o bolo-rei atual, que se mantêm recheado e coroado por frutos secos e cristalizados.