Conhecer

Alterações Climáticas

Qual o contributo das florestas ribeirinhas mediterrânicas na retenção de carbono?

As florestas ribeirinhas são importantes sumidouros de carbono na mitigação dos efeitos das alterações climáticas. Um trabalho do Centro de Estudos Florestais, do Instituto Superior de Agronomia, publicado na edição de março da revista Forests, concluiu que os ecossistemas ribeirinhos armazenam quantidades de carbono comparáveis às das florestas de produção portuguesas, como pinhais, eucaliptais e montados.

Os ecossistemas ribeirinhos têm um papel importante na mitigação dos efeitos das alterações climáticas. Sendo zonas com vegetação diversificada, com taxas de desenvolvimento favorecidas pelo acesso à água, as florestas ribeirinhas têm uma capacidade relevante de fixar carbono. No entanto, a sua complexidade tem dificultado a quantificação dos valores de carbono, que é essencial para a sua valorização.

Compreender qual a dimensão deste reservatório foi um dos objetivos que levou uma equipa de investigadores do CEF – Centro de Estudos Florestais, Universidade de Lisboa, a desenvolver um estudo de quantificação do stock de carbono da parte área (ou seja, a que se encontra acima do solo, não considerando as raízes) de três espécies arbóreas de uma floresta ribeirinha portuguesa. O trabalho foi realizado ao longo de três quilómetros da Ribeira do Alcolobre – um afluente do Rio Tejo – e considerou as espécies de árvores mais abundantes na zona: amieiro (Alnus glutinosa (L.) Gaertner), acácia mimosa (Acacia dealbata) e salgueiro (Salix salviifolia Brot.).

Pela conjugação de dados recolhidos no terreno (como a dimensão e o tipo de árvore), com a informação recolhida através de um drone (usando técnicas de deteção remota aplicadas a imagens multiespectrais), foi possível compreender que:

Cada hectare de floresta ribeirinha analisada retinha cerca de 120 a 200 toneladas de carbono.
Estes valores são semelhantes aos obtidos em Portugal noutros ecossistemas florestais. Por exemplo, são armazenadas cerca de 200 toneladas de carbono por cada hectare de floresta de eucalipto (Eucalyptus globulus Labill), 150 toneladas de carbono por cada hectare de pinheiro manso (Pinus pinea) e 33 toneladas por hectare em montado de sobreiro (Quercus suber L.).

O maior contributo para o armazenamento de carbono nas florestas ribeirinhas mediterrânicas reside no tronco e ramos das árvores.
Tronco e ramos, ou seja, biomassa lenhosa, armazenavam 79% do carbono. A restante vegetação – ervas, arbustos, folhas caídas e parcialmente decompostas (folhada) – retinha 12% e o solo 9%.
Os dados ilustram como os stocks de carbono diferem entre o solo, a folhada e a biomassa aérea, que inclui os troncos e ramos das árvores, assim como a vegetação sob coberto (ervas e arbustos).

As zonas de acácias davam o maior contributo para armazenar carbono, seguidas pelas áreas de amieiros e salgueiros.
As diferenças encontradas entre estas espécies estão relacionadas com a sua capacidade de crescimento e de acumulação de biomassa no tronco e ramos. Em termos de carbono armazenado por hectare, as parcelas dominadas por acácia mimosa (Acacia dealbata), contribuíram com cerca de 250 toneladas, as parcelas de amieiro (Alnus glutinosa (L.) Gaertner) com cerca de 160 toneladas e as áreas de salgueiro (Salix salviifolia Brot.) com 73 toneladas.

As florestas ribeirinhas, também chamadas de florestas ripárias, são constituídas pelas comunidades de árvores, arbustos e restante vegetação existentes nas margens dos rios e ribeiras. São zonas de transição entre o meio aquático e o meio terrestre. Além de servirem como abrigo e fonte de alimento para animais, filtram sedimentos e poluentes, melhoram a qualidade da água, estabilizam as margens com as suas raízes e regularizam as cheias. Estas zonas oferecem também outros serviços – fruição da paisagem – que têm sido valorizados de forma crescente, com a construção de passadiços, praias fluviais e outras zonas de lazer.

As parcelas dominadas por acácia mimosa (Acacia dealbata), com muitas árvores de pequena dimensão – uma média de 6102 árvores por hectare, com diâmetros de 11 cm – contribuíam com cerca de 250 toneladas de carbono armazenado por hectare. Esta espécie tem capacidade de crescer em densidades elevadas e sob grande competição Esta característica contribui para elevar o armazenamento de carbono, embora a mimosa seja uma espécie invasora e a sua presença esteja associada à degradação do ecossistema.

As parcelas de amieiro (Alnus glutinosa (L.) Gaertner) – com uma média de 743 árvores por hectare, cada uma com cerca de 26 cm de diâmetro – contribuíam com cerca de 160 toneladas de carbono armazenado por hectare. Refira-se que estas foram as árvores com a maior contribuição para a fixação de carbono na biomassa.

As áreas de salgueiro (Salix salviifolia Brot.) – com densidades elevadas de cerca de 6500 árvores por hectare e diâmetro médio de 7 cm – foram as que menos contribuíram para o armazenamento: 73 toneladas de carbono armazenado por hectare. Nas zonas onde crescem, a vegetação e o solo apresentavam, no entanto, maiores contribuições para a fixação de carbono.

Os resultados mostraram que a maior parte do carbono retido se encontra nas árvores, numa percentagem muito superior à que existe na vegetação e no solo; que existem diferenças entre as espécies de árvores analisadas quanto à sua capacidade de armazenar carbono; e que as florestas ribeirinhas fixam quantidades de carbono comparáveis às das florestas plantadas para produção.

Os reservatórios de carbono aumentam com a idade da floresta, a fase de desenvolvimento do ecossistema (sucessão ecológica) e a densidade e composição da vegetação. Além da variação entre espécies, também as condições ambientais, nomeadamente climáticas, e as intervenções humanas contribuem para a existência de variações nos stocks. Por exemplo, quando há mais precipitação, as plantas crescem mais e os valores de carbono fixados são mais elevados; quando a temperatura sobe, as plantas fecham os estomas para diminuir a perda da água por transpiração, crescem menos e fixam menos carbono. Outros fatores, como o gradiente de inundação ou a complexidade dos canais, também influenciam os stocks. Da mesma forma, as alterações no uso do solo e as intervenções de regulação de caudais influenciam as dinâmicas de armazenamento de carbono: a desflorestação e intensificação agrícola tendem a aumentar as emissões e a reduzir o carbono armazenado nas áreas ribeirinhas.

Valorizar o stock de carbono nas florestas ribeirinhas mediterrânicas

Este estudo, que deu lugar ao artigo publicado na revista Forests “Estimativa de stocks de carbono numa floresta ribeirinha mediterrânica: um caso de estudo combinando dados de campo e imagens recolhidas por drones”, permitiu ultrapassar alguns dos desafios que têm dificultado a compreensão do contributo e valorização das florestas ribeirinhas mediterrânicas na retenção de carbono.

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À esquerda: mapa da Europa Ocidental mostra o lado português da bacia do Tejo (a cinzento) e a localização da área de estudo (triângulo azul) no curso deste rio (linha a preto). Ao meio: localização de 15 zonas circulares de amostragem (pontos encarnados) na área ribeirinha contemplada no estudo. À direita: exemplo de amieiro, acácia e salgueiro em três zonas de amostragem.
Fonte: Carbon Stock Estimations in a Mediterranean Riparian Forest: A Case Study Combining Field Data and UAV Imagery (2020)

Uma parte destes desafios está relacionada com a dificuldade em realizar medições de carbono. Ao combinar dados recolhidos no campo com técnicas de deteção remota aplicadas a imagens multiespectrais recolhidas por um drone, foi possível classificar as espécies dominantes ao longo da área de estudo e estimar stocks de carbono, dando resposta às questões centrais: Qual o reservatório global de carbono numa floresta ripária mediterrânica? Qual a contribuição da cada uma das diferentes espécies dominantes para a biomassa aérea? E qual a contribuição dos diferentes compartimentos do ecossistema (árvores, vegetação, solo) para o reservatório ribeirinho global?

Com a metodologia usada, em que as estimativas de biomassa obtidas no local foram associadas a classes de vegetação derivadas dos dados de deteção remota, foi possível elaborar um mapa de biomassa das diferentes espécies com a localização dos stocks de carbono ao longo da zona ribeirinha. Embora sendo uma aproximação conservadora, uma vez que nem toda a área foi associada a uma das classes de vegetação em estudo, o modelo permitiu identificar zonas de intervenção prioritárias para melhorar a acumulação de carbono.

Neste sentido, o método pode servir como base para valorizar o serviço de fixação de carbono – importante para a mitigação dos efeitos das alterações climáticas – providenciado pelas florestas ribeirinhas; e o trabalho fornece as bases para estudos futuros de estimativa, cartografia e monitorização do sequestro de carbono, à escala regional, em galerias ribeirinhas semelhantes. osos seus resultados permitem também a valorização dos serviços prestados por estes ecossistemas ribeirinhos e a sua quantificação como capital natural. A integração deste valor nos processos de planeamento e execução das atividades é um pilar central nos modelos de gestão florestal sustentável.

Refira-se que o estudo foi realizado num afluente do Tejo onde é comum haver cheias no início do inverno e períodos de seca na primavera e verão. A zona, onde se encontra um bosque de amieiros (Alnus glutinosa (L.) Gaertner) classificado como habitat prioritário da Rede Natura 2000 (habitat 91E0, Florestas aluviais de Alnus glutinosa e Fraxinus excelsior) está identificada como tendo alto valor de conservação e é gerida pela The Navigator Company. Integra uma propriedade com diferentes usos e ocupações florestais onde existe também uma área dominada pela borrazeira branca ou salgueiro branco (Salix salviifolia Brot.) e outra invadida por acácia mimosa (Acacia dealbata Link). A recolha de dados foi feita em 15 pontos de amostragem ao longo de três quilómetros, como mostra a imagem ao lado e este vídeo.

Imagem de topo da autoria de Nuno Rico. Todos os direitos reservados.