Comentário

João Wengorovius Meneses

Nós, o futuro e as florestas

Peter Wohlleben, em “As Lições das Árvores”, refere que “o destino das florestas e o destino da humanidade estão indissociavelmente interligados”. No BCSD Portugal, partilhamos essa convicção de que nós, o futuro e as florestas são elementos indissociáveis. Infelizmente pelas piores razões, este verão não poderia ilustrar melhor essa dependência mútua.

Portugal ardeu a um ritmo assustador este verão. Entre outras consequências – económicas, sociais e ambientais – a nossa floresta arrisca-se, assim, a dar um contributo negativo para a urgente descarbonização do país – já que, tal com aconteceu em 2017, poderá novamente emitir mais dióxido de carbono para a atmosfera do que absorver.

Ocupando 39 por cento do território de Portugal Continental (de acordo com a Carta de Uso e Ocupação do Solo 2018), as florestas são um dos principais ativos nacionais e uma fonte de recursos e serviços do ecossistema que, tal como a absorção de carbono da atmosfera, são essenciais ao equilíbrio dos seres vivos e do planeta.

 

Dos ecossistemas florestais depende a biodiversidade, os ciclos naturais que sustentam a vida, dezenas de recursos que dinamizam as economias e um modelo de desenvolvimento apoiado nos conceitos de bioeconomia circular sem o qual a sustentabilidade estará comprometida.

Comentário João Wengorovius Meneses

Vejamos, então, com maior detalhe os papéis que podem desempenhar:

  • As florestas como berço de biodiversidade e serviços críticos – Compostas por habitats que suportam inúmeros organismos vivos, as florestas são fonte de biodiversidade, de espécies e ecossistemas. Por exemplo, sem elas não haveria polinizadores – que tanta falta nos fazem, inclusive para a manutenção dos nossos sistemas agroalimentares. De acordo com o Fórum Económico Mundial, mais de metade do PIB mundial depende diretamente de recursos naturais (como matéria-prima) e a biodiversidade permanece no top dos maiores riscos globais (The Global Risks Report 2022). A par de nos fornecerem recursos, os ecossistemas também nos prestam serviços críticos, dos quais as economias e a nossa vida e qualidade de vida dependem.
  • As florestas como base de economias locais e regionais – As florestas são fonte de recursos que suportam importantes cadeias de produção e consumo, nomeadamente associadas à madeira, cortiça, resina, mel, plantas aromáticas e medicinais e, ainda, resíduos florestas e biomassa para a produção de energia. São, assim, um importante suporte de economias locais e regionais, e geradoras de emprego.
  • As florestas como fonte de inovação e inspiração – As florestas têm muito a ensinar-nos sobre como pôr a funcionar uma economia que seja bio, circular e regenerativa, com eficiência máxima no uso dos recursos. O biomimetismo, isto é, a inovação inspirada na natureza e as soluções de base natural são uma tendência crescente – e necessária para qualquer modelo de desenvolvimento sustentável. Em especial, as florestas têm várias oportunidades interessantes para as empresas interessadas na construção de modelos de negócio sustentáveis ou regenerativos.
  • As florestas como aliadas da sustentabilidade, nomeadamente, do Acordo de Paris sobre o clima – Um dos serviços críticos que as florestas nos prestam é o de sumidouro de dióxido de carbono, contribuindo assim para o combate às alterações climáticas. Sem elas, não será possível alcançarmos a neutralidade carbónica até 2050, como ambiciona o Acordo de Paris sobre o clima.

Por todos os papéis que desempenham, há cada vez mais consciência da urgência da proteção das florestas e da importância de estas voltarem a ocupar uma área maior da crosta terreste da Terra. Na equação entre nós, o futuro e as florestas, o futuro não reside seguramente em áreas florestais menores e ajardinadas, mas sim em áreas florestais mais amplas e selvagens, e assentes em espécies autóctones.

Na agenda internacional, europeia e nacional – do Acordo de Paris, às várias derivadas do Pacto Ecológico Europeu, passando pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 das Nações Unidas –, o capital natural, em particular as florestas, ocupa um lugar cada vez mais central no debate sobre as soluções disponíveis para acelerar a transição para o paradigma da sustentabilidade.

A nível europeu, a Nova Estratégia da UE para as Florestas 2030, adotada em 2021, é um referencial importante e ambicioso. Já a nível nacional, a preservação das florestas é especialmente focada na Estratégia Nacional das Florestas 2030 (ENF 2030) e no Programa de Ação para a Adaptação às Alterações Climáticas (P-3AC) – sublinhando-se, em especial, a importância do aumento da resiliência dos territórios florestais, da redução da vulnerabilidade ao risco de incêndio e da promoção de uma gestão sustentável dos territórios.

No BCSD Portugal, com vista a proporcionar ao tecido empresarial português soluções práticas para fazerem do capital natural e da biodiversidade temas centrais na gestão das suas cadeias de valor, lançámos, em 2019, o projeto act4nature Portugal. A iniciativa, lançada originalmente em França, com o objetivo de mobilizar as empresas a proteger, promover e restaurar a biodiversidade, tem como objetivo envolver as empresas em compromissos que contribuam para reverter a perda de biodiversidade a nível nacional e global. Qualquer empresa, associada ou não do BCSD Portugal, de qualquer dimensão ou sector de atividade, pode aderir. Na sequência da recente ronda de adesões, em breve serão mais de 40 as empresas signatárias do act4nature Portugal.

Atuar pela natureza é, também, um dos objetivos da Jornada 2030 que as empresas signatárias da Carta de Princípios do BCSD Portugal assumem na sua transformação para a sustentabilidade. E são hoje mais de 170 as empresas em Portugal signatárias da nossa Carta de Princípios, ou seja, que já se comprometeram em contribuir para o desenvolvimento sustentável do seu sector e do país.

A natureza, em particular as florestas, são uma peça fundamental do puzzle do futuro. Sem as florestas, o planeta perde beleza, equilíbrio e riqueza. Mas, sobretudo, sem florestas saudáveis, não haverá vida na Terra, não haverá futuro. É tão simples quanto isso.

Setembro de 2022

O Autor

Licenciado em Gestão, João Wengorovius Meneses é Secretário-Geral do Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável – BCSD Portugal.

Anteriormente, exerceu diversos cargos de gestão e liderança nos sectores público e privado, bem como no terceiro sector. Entre outras funções, foi presidente da ONGD TESE, coordenador do GABIP Mouraria – Câmara Municipal de Lisboa, diretor do Centro de Inovação da Mouraria – incubadora para indústrias criativas, Secretário de Estado da Juventude e do Desporto no XXI Governo Constitucional de Portugal, assim como general manager de um fundo de investimento para Business Angels e de uma aceleradora da Porto Business School (Universidade do Porto).

Foi, também, professor convidado em duas universidades portuguesas, durante cerca de dez anos, e articulista num jornal económico. Frequentou diversas formações para executivos no domínio da sustentabilidade, em universidades internacionais, tais como Harvard, Kellogg, Stanford, INSEAD, Cambridge e IMD. É cofundador do Festival Sónar Lisboa.