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Espécies Florestais

Amieiro-ibérico: uma “nova” velha espécie das florestas ribeirinhas

É uma das árvores mais características das florestas ribeirinhas portuguesas, acompanhando os cursos de água permanentes, mas o “nosso” amieiro é, afinal, uma espécie diferente da que se encontra na Europa temperada. Conheça-o neste artigo em colaboração com Patricia María Rodríguez-González.

Os amieiros são árvores habituais nas zonas temperadas europeias, que necessitam de humidade no solo e de sol para se desenvolverem, mas há uma espécie recentemente identificada, que só existe naturalmente em Portugal e em partes de Espanha e Marrocos. Conhecido por amieiro-ibérico, é uma “nova” velha espécie emblemática das florestas ribeirinhas nacionais.

O amieiro-ibérico, de nome científico Alnus lusitanica, pertence ao género Alnus e ainda se encontra muitas vezes referido como Alnus glutinosa, que é a espécie mais comum na Europa. No entanto, um estudo publicado em 2017 e trabalhos científicos realizados em 2022 e 2024, ambos liderados por uma equipa de investigação portuguesa, sugerem que as populações nacionais de amieiro constituem uma espécie endémica distinta, o Alnus lusitanica, que cresce naturalmente apenas na Península Ibérica e norte de Marrocos.

Ambas as espécies integram a família Betulaceae – uma família botânica relativamente pequena, que conta com apenas seis géneros, mas que tem vastas áreas de distribuição no hemisfério norte. Em Portugal continental existem apenas mais duas espécies autóctones desta família além do amieiro: o bidoeiro (Betula pubescens subsp. celtiberica) e a aveleira (Corylus avellana).

A identificação do amieiro-ibérico como uma espécie com identidade genética própria é importante, principalmente para evitar que, em atividades de (re)florestação e restauro de linhas de água, seja utilizado material reprodutivo de Alnus glutinosa proveniente de outros países. A utilização de plantas de uma espécie diferente coloca em risco a genética do amieiro-ibérico, que é diferente do amieiro-comum e tem características ecológicas que sugerem tolerância a temperaturas mais altas. Adicionalmente, a importação de plantas provenientes de viveiros de outros países pode levar à disseminação da Phytophtora alni, que causa o declínio do amieiro.

Amieiro-ibérico; nova espécie identificada em Portugal

© Patricia María Rodríguez-González

O amieiro-ibérico é uma árvore de tamanho médio – pode crescer até aos 25 metros de altura –, que vive normalmente até aos 60 anos (podendo alcançar uma centena) e cuja copa cónica vai ficando mais arredondada e irregular à medida que envelhece.

É uma árvore de folhas caducas, que são alternas (a seguinte nasce um pouco acima da anterior ao longo do caule), de forma circular a obovada, com margens dentadas e nervuras que lembram uma pena (peninérveas). Nas axilas da parte inferior da folha, têm tufos de pelos amarelados. Os rebentos e folhas juvenis são habitualmente viscosos.

Amieiro: como reconhecer a espécie?

Este é uma espécie em que cada árvore tem ambos os sexos (espécie monoica) e as flores do amieiro começam o seu desenvolvimento no outono, completando-o na primavera seguinte, entre fevereiro e abril.

As flores masculinas (imagem de cima, à direita) são minúsculas e estão agrupadas numa estrutura cilíndrica comprida – um amentilho, de entre três e sete centímetros e meio. Os amentilhos surgem em conjuntos de dois a três e passam de tom dourado a uma cor purpúrea no inverno. Depois de libertarem o pólen, soltam-se das árvores.

As inflorescências femininas são mais pequenas (entre um e dois centímetros de comprimento) e aparecem em grupos de três a oito amentilhos, em forma de globo (globosa). A sua cor evolui de vermelho-púrpura (quando jovens) para verde e, mais tarde, para acastanhado. Depois de fecundadas, estas inflorescências dão origem a estruturas lenhosas (imagem do meio, à direita), que parecem pequenas pinhas e protegem os frutos.

Os frutos só começam a surgir quando o amieiro tem entre 20 e 30 anos. Desde esta idade, a frutificação passa a ser quase sempre anual. O tipo de fruto do amieiro é designado como aquénio – um nome botânico que engloba frutos achatados, secos, que não se abrem e que têm uma única semente, presa num só ponto à parede do fruto (pericarpo). Neste caso, tem ainda duas “asas” estreitas, características dos frutos a que chamam sâmara. São estas pequenas alas que lhes permitem flutuar, o que facilita a sua dispersão pela água, além de a sua disseminação ser feita também pelo vento.

“Alnus”, deriva de alno, o nome latim antigo para amieiro que, por sua vez, parece derivar do céltico al e lan – próximo da água. O epíteto específico “lusitanica” remete para a sua localização geográfica, a Lusitânia – antiga província anexada por Roma em 63 a.C. e que ocupava o atual território português a sul do rio Douro, a Extremadura espanhola e parte da província de Salamanca. Já o epíteto específico “glutinosa” deriva do grego gloeo – cola ou do latim glutinosus-a-um, que significa pegajoso ou viscoso, devido às suas folhas e gomos que são habitualmente pegajosos ou viscosos quando jovens.

Distribuição e habitat: diferenças e semelhanças entre o amieiro-ibérico e o comum

O amieiro-comum (Alnus glutinosa) é resistente a diferentes temperaturas e relativamente resistente à formação de geadas, assim como às baixas temperaturas que as acompanham nos climas temperados-frios. Uma humidade atmosférica elevada é essencial para completar o seu ciclo reprodutivo e as raízes estão bem-adaptadas a crescer em solos muito húmidos, conseguindo sobreviver em solos inundados melhor do que a maioria das espécies.

Este amieiro encontra-se um pouco por toda a Europa e é nativo da maior parte desta área geográfica. Pode ser encontrado desde a Escandinávia até aos países Mediterrânicos. Está presente até à parte Nordeste da Península Ibérica, mais precisamente até às margens do rio Ebro (que nasce a Norte de Espanha, na Cantábria, e desagua no Mediterrâneo, perto de Barcelona).

Pensa-se que este rio corresponde à zona de contacto – e de fronteira – entre o amieiro-comum e o amieiro-ibérico, embora esta área de divisão não se encontre ainda totalmente definida (área assinalada no mapa europeu abaixo com um ponto de interrogação). Junto ao Ebro, o amieiro-comum estará a nordeste e o amieiro-ibérico a sudoeste, não havendo ainda evidências de cruzamento (hibridação) entre as duas espécies.

O amieiro-ibérico (Alnus lusitanica), que ocorre apenas em partes de Espanha, Portugal e Marrocos, é frequente e abundante ao longo de rios portugueses, como o Cávado, Ave, Vouga e Mira, nas bacias de rios partilhados com Espanha, como o Lima, Minho, Douro e Tejo, e ao longo dos rios espanhóis Negro, Duero, Miño, Arnoria, Esva e Tambre. Em Portugal continental pode ser encontrado um pouco por todo o país, sendo mais frequente no Norte e Centro, em bosques ripícolas (ribeirinhos) que ficam próximos de cursos de água com caudal permanente ou com zonas paludosas (pantanosas), até perto dos mil metros de altitude.

O amieiro-ibérico prefere climas de tipo temperado-quente a temperado-frio, tolerando algum frio invernal e geada. Tal como o amieiro-comum, para crescer bem precisa de humidade atmosférica e de água no solo. As suas raízes estão bem-adaptadas para crescer em solos muito húmidos e consegue sobreviver inclusive em solos alagados. É uma espécie indiferente à natureza do substrato em que nasce, embora se dê melhor em solos de natureza siliciosa e em solos pouco ácidos (em detrimento dos calcários).

Distribuição natural do amieiro-ibérico e do amieiro-comum na Europa (em estudo)

Amieiro-ibérico e comum: áreas de distribuição

Fonte: “Resilience of alder in response to global change stressors” (Tese de Doutoramento so ISA, defendida em novembro de 2024), adaptado de EUFORGEN 2009, “Two new polyploid species closely related to Alnus glutinosa in Europe and North Africa – An analysis based on morphometry, karyology, flow cytometry and microsatellites” e “Distribution, diversity and genetic structure of alders (Alnus lusitanica and A. glutinosa) in Spain

Probabilidade de ocorrência do amieiro nas linhas de água de Portugal continental

Amieiro é mais comum a Norte do Tejo

Nota: A amarelo, zonas onde a probabilidade de ocorrência é mínima; a laranja, zonas onde é máxima.

Fonte: adaptado de “Memória descritiva das cartas de regiões ambientalmente homogéneas de oito espécies ribeirinhas de Portugal continental”. Note-se que o mapa foi produzido em 2014, antes da separação das espécies e identificava o Alnus glutinosa, que é agora o Alnus lusitanica.

Ambos são árvores dependentes da luz solar: os ramos que se encontram à sombra tendem a morrer e a regeneração natural requer habitats com luz, pois as novas plantas não conseguem crescer sob as copas (e a sombra) de outras árvores.

Elevado valor ecológico, mas populações estão a diminuir

Nas florestas ripícolas, onde o amieiro é frequente, além de contribuir para a regulação térmica (as suas copas criam sombras densas), é uma espécie chave na interligação das cadeias alimentares aquáticas (rede trófica aquática). Devido às caraterísticas químicas das folhas, os macroinvertebrados aquáticos preferem-nas, face às de outras espécies, e estes seres são, por isso, mais abundantes e diversos em zonas com amieiros, contribuindo também eles como alimento de outros grupos de animais, como os peixes.

Amieiro-ibérico

Amieiro-ibérico: o que o caracteriza

O amieiro tem a capacidade de criar relações mutuamente benéficas (simbioses radiculares) com a bactéria Frankia alni que fixa azoto atmosférico (o azoto é um dos macronutrientes necessários para o crescimento das plantas). A bactéria vai viver dentro dos nódulos das raízes e, em troca dos açucares que obtém da planta, vai fornecer-lhe o fertilizante – azoto – que lhe permite crescer em solos menos férteis. Isto possibilita ainda às folhas do amieiro manterem níveis elevados de azoto e, quando caem, atuam como fertilizante do solo. O amieiro é, assim, uma espécie pioneira valiosa para melhorar a fertilidade dos solos onde cresce.

Adicionalmente, entre os papéis ecológicos que desempenha, refiram-se ainda o controlo de cheias, a estabilização de margens e a manutenção do funcionamento dos ecossistemas ribeirinhos. Como é resistente à poluição atmosférica, tem igualmente interesse ornamental, em especial em terrenos húmidos e encharcados, sendo usado em barreiras corta-vento e como barreira natural contra a erosão.

O amieiro faz parte de um dos habitats naturais da rede Natura 2000 que têm interesse prioritário de conservação.  É uma das espécies principais do habitat 91E0* – “Bosques ripícolas ou paludosos de amieiros, salgueiros ou bidoeiros”, com um papel importante na biodiversidade, prevenção da erosão e na regulação da fertilidade. Os Amiais Ripícolas constituem a variante 91E0pt1 deste habitat e os amiais paludosos a variante 91E0pt3.

Contudo, os amiais têm enfrentado diversos desafios. As suas populações têm vindo a diminuir um pouco por toda a Europa e o seu estado de conservação não é favorável – nem a nível europeu, nem na região mediterrânica. Esta indicação é dada por um levantamento do estado de conservação deste habitat (91E0*), feito na União Europeia ( EU28) no período 2013-2018 (dados disponíveis na Agência Europeia do Ambiente).

Entre as ameaças “seculares” aos amiais salientam-se:

– Alterações do uso do solo, como a drenagem de zonas húmidas para instalação de campos agrícolas, que têm substituído vastas áreas de amiais em Portugal;

– Hidrológicas, pela construção de infraestruturas – como barragens para captação de água ou drenagens – e, mais recentemente, pelo efeito de alterações climáticas sobre a hidrologia dos cursos fluviais;

– Hidromorfológicas, causadas pela alteração dos cursos de rios ou pela desconexão do rio com as suas várzeas e planícies de inundação.

– Invasões biológicas – mais recentemente, têm surgido espécies invasoras e doenças exóticas, como a infeção causada pelos organismos do complexo Phytohpthora x alni. Esta doença foi observada pela primeira vez nos anos 90, no Reino Unido, mas o conjunto de espécies de oomicetos Phytophthora alni tem vindo a expandir-se pelas bacias hidrográficas do Norte da Europa.

Sabia que o amieiro…

  • Está associado a várias mitologias europeias?

No folclore europeu, o amieiro é considerado o Rei das águas e o salgueiro (Salix spp.) a Rainha. Nalgumas lendas Nórdicas e Irlandesas, o primeiro homem foi criado a partir do amieiro e a primeira mulher a partir da sorveira (Sorbus aucuparia).

A sua madeira era considerada a melhor para fazer apitos e flautas que criavam a música que ajudava a adivinhação. No folclore celta, o amieiro está associado às fadas e há quem acredite que é numa destas árvores que se esconde o portal que dá acesso ao reino daqueles seres míticos.

Diz-se também que a tinta verde obtida a partir das flores está associada à coloração da vestimenta das fadas (e, mais tarde, que era usada também para tingir e camuflar as roupas de “bandidos”, como o Robin dos Bosques). Estes últimos mitos terão um fundo de verdade, pois a casca e os raminhos do amieiro contêm taninos, usados na indústria de curtumes e para obter pigmentos usados para tingir lã, algodão e seda. Por exemplo, a casca fornece, ainda hoje, uma substância alaranjada que, combinada com substâncias ferrosas, dá uma cor negra muito usada em chapelaria.

O amieiro que cresce em Portugal é uma nova espécie
  • Faz parte da história de Veneza?

Pela sua relação especial com a água, a madeira de amieiro é-lhe resistente e consegue manter a sua durabilidade mesmo estando submersa. No século XII, os habitantes do arquipélago Veneziano procuravam estabilizar e expandir a sua área construída e notaram que a madeira de amieiro seria vantajosa para construir comportas. Quando a madeira fica submersa, os químicos presentes nas paredes das suas células impedem a dispersão das bactérias, permitindo-lhe manter a sua força e estrutura, sem apodrecer. Os engenheiros venezianos usaram nove pilares de amieiro por metro quadrado, enterrados na lama, abaixo do limite mínimo das marés, para servirem de suporte às pranchas de larício e pedras que constituem as fundações de vários edifícios e pontes, incluindo a famosa Ponte di Rialto.

Ainda hoje, são pilares de amieiro que suportam a chamada “Cidade Flutuante” de Veneza e esta madeira foi usada também noutros suportes aquáticos, pontões, pilares de pontes e pequenos barcos em Veneza e também nos canais de Amsterdão.

A madeira de amieiro foi usada em Veneza
  • Foi batizado como a árvore que sangra?

Outra das peculiaridades do amieiro está relacionada com a madeira e com o facto de se tornar avermelhada em contacto com o ar. Assim, quando se tira um pedaço de casca, a madeira branca fica avermelhada, sendo por isso chamada de “árvore que sangra”.

A madeira de amieiro é fonte de carvão de boa qualidade, facilmente transformado em pó. Pólvora feita com carvão de amieiro permitia disparar balas (incluindo balas de canhão) mais longe e mais depressa. Granadas e minas feitas com esta pólvora explodiam de forma mais destrutiva do que outras feitas com carvão de fontes diferentes. Ainda hoje, o carvão de amieiro é preferido para fabricar pólvora.

A sua madeira é fácil de trabalhar e aceita tratamentos superficiais, o que a torna adequada para imitar madeiras de qualidade superior, como o ébano, acaju, nogueira ou cerejeira.

Amieiro é a madeira dos Caretos de Lazarim

Pode ser usada para obter folheados e pranchas para móveis, se bem que não seja habitual ter árvores de grandes diâmetros – e a sua qualidade presta-se à marcenaria – móveis, brinquedos e utensílios domésticos como colheres e vasos, entre outros – e ao calçado de madeira. Foi usada tradicionalmente no fabrico de tamancos e socos –  por exemplo, num dos mais antigos tamancos de madeira de que há registo, encontrado em Amsterdão e que data de cerca de 1230.

É ainda a matéria-prima usada nas tradicionais máscaras dos Caretos de Lazarim e é umas das madeiras escolhidas para defumar peixe. Tem também caraterísticas acústicas valorizadas, sendo usada na construção de guitarras.

  • Tem propriedades medicinais?

A casca e as folhas têm sido tradicionalmente usadas como antissético e anti-inflamatório, catártico (que acelera a defecação), antipirético ou adstringente (contrai os tecidos e orifícios, diminuindo as secreções). As folhas são também usadas por montanhistas, dentro das meias, com a página superior em contacto com a palma dos pés, para aliviar o cansaço e evitar escoriações.

* Artigo em colaboração com Patricia María Rodríguez-González

Patricia María Rodríguez-González é professora no Instituto Superior de Agronomia, Universidade de Lisboa e Investigadora no grupo ForProtect do CEF – Centro de Estudos Florestais e do Laboratório Associado TERRA. Trabalha nas áreas de Ecologia de florestas paludosas e ripárias; ecologia funcional e de comunidades; dendroecologia e ecohidrologia; e restauro fluvial.