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Madeira

Características anatómicas da madeira: qual é a importância de as conhecer?

A madeira não é uma massa homogénea, mas uma composição de diversos elementos celulares cuja forma, tamanho, número e disposição variam muito de espécie para espécie. As aplicações tão variadas da madeira resultam destas diferentes propriedades, que são consequência da sua composição e estrutura interna, ou seja, das suas características anatómicas.

O estudo das características anatómicas da madeira permite obter informações importantes sobre a sua estrutura, revelando as particularidades do material lenhoso (lenho) das diferentes espécies de árvores, que nos permitem ter uma tão grande diversidade de madeiras.

Este conhecimento pode ser aplicado a várias áreas de trabalho, nomeadamente à indústria da madeira, pois dá aos profissionais que transformam e trabalham este material indicações úteis sobre várias das propriedades da sua matéria-prima, ajudando-os a saber os tipos de corte, tratamentos, laboração, acabamentos e utilizações finais a que melhor (ou pior) se prestam as madeiras das diferentes espécies.

O aspeto da madeira varia de acordo com a face observada, uma vez que se trata de um material heterogéneo constituído por células dispostas e organizadas em diferentes direções. No estudo anatómico do lenho são utilizados três tipos de planos de corte:

  • Transversal – perpendicular ao eixo da árvore;
  • Radial – paralelo aos raios e perpendicular aos anéis de crescimento;
  • Tangencial – perpendicular aos raios e tangente aos anéis de crescimento.
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Algumas características anatómicas da madeira são visíveis a olho nu ou com a ajuda de uma lupa, enquanto outras se distinguem apenas ao microscópio, através de cortes muito finos, nas três direções (transversal, tangencial e radial). Ao conjugar abordagens macro e microscópicas e os diferentes tipos de cortes, é possível descrever as características da madeira de cada espécie, ajudando a conhecer o seu potencial (e limitações) de utilização.

O corte transversal permite ver os anéis de crescimento e a transição do cerne (parte interior do tronco, normalmente mais escura) para o borne (zona exterior, mais próxima da casca e geralmente mais clara). Nestes toros, com cerca de 50 centímetros de diâmetro, é visível a zona de transição de cerne para borne. No pinheiro-bravo distinguem-se as camadas de crescimento, enquanto no eucalipto estas camadas são pouco distintas.

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À esquerda, pinheiro-bravo (Pinus pinaster) com cerca de 80 anos. À direita, eucalipto (Eucalyptus globulus) com cerca de 35 anos.

Para obter um conhecimento aprofundado das propriedades deste material natural heterogéneo, a tese “Criação de uma xiloteca electrónica (e-xiloteca) tropical e sua utilização para identificação e caracterização de madeiras com fins científicos e económicos”, recomenda que, para além das características macroscópicas (como a cor, desenho, brilho, grão, textura, fio e veio) e microscópicas da madeira (como a distribuição, percentagem de tecidos e dimensões das células), é necessário considerar também:

  • As propriedades físicas, como a densidade e retração;
  • As propriedades mecânicas, como a compressão e flexão;
  • A composição química das suas células, nomeadamente o teor de extrativos, em que se podem conhecer as resinas ou ceras, óleos e compostos aromáticos presentes nas madeiras.

A importância das características anatómicas da madeira para quem a trabalha

Vejamos então alguns exemplos do que os profissionais, que transformam e trabalham a madeira, conseguem perceber ao conhecerem as características anatómicas da madeira. Os exemplos têm por base os ensinamentos deixados por um dos grandes nomes históricos do estudo das madeiras em Portugal, Albino de Carvalho, na sua obra “Madeiras Portuguesas: estrutura anatómica, propriedades e utilizações”:

– Grão

Depende do tamanho dos elementos fibrosos (nas madeiras de resinosas) ou dos poros (nas espécies folhosas). Assim, as madeiras podem ter um grão mais fino, como acontece na criptoméria, ou mais grosseiro, como é o caso do carvalho-negral, onde se podem ver poros de grande dimensão na zona de crescimento de primavera.

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Criptomeria, neste caso criptoméria-rosa (Cryptomeria japonica): macrofotografia do lenho (plano transversal) e aspeto da madeira (plano longitudinal).

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Carvalho-negral (Quercus pyrenaica): macrofotografia do lenho (plano transversal) e aspeto da madeira (plano longitudinal)

– Textura

Está relacionada com a intensidade da transição entre as camadas de crescimento anuais e a sua proporção. Voltando ao exemplo anterior, a criptoméria tem uma textura uniforme, com camadas estreitas e madeira relativamente homogénea, enquanto o carvalho tem uma textura desigual, com camadas de crescimento bem distintas e raios lenhosos.

– Fio

Deriva do arranjo longitudinal das fibras (relativamente ao eixo do tronco) e há madeiras com fio regular -reto ou quase reto, e outras com fio irregular – ondulado, cruzado, espiralado ou torcido.

Conhecer o tipo de fio permite antecipar como a madeira se comportará no desenrolamento (quando se desenrolam os toros para obter pranchas ou folhas de madeira) ou na serragem, pois fios irregulares dificultam estes trabalhos.

Por exemplo, o eucalipto comum em Portugal, se for cultivado em condições adversas de stress hídrico (carência de água) e em local isolado, tem tendência para formar fio espiralado, frequentemente cruzado e ondulado, o que torna a sua serragem e desenrolamento difíceis, dando origem a fendas e rachas na madeira.

Já a nogueira (Juglans regia) tem predominância de apresentar um fio direito, que facilita este tipo de trabalhos de transformação tecnológica.

– Veio

É o conjunto dos efeitos observáveis nas tábuas e folhas de madeira, depois de terem sido objeto de algum acabamento, nomeadamente após terem sido lixadas ou aplainadas. São considerados o desenho, relacionado com as camadas de crescimento, e a figura, associada a singularidades como diferenças de cor e brilho ou irregularidades do fio. Por exemplo:

  • O eucalipto tem um veio radial listado e marmoreado, com bandas longitudinais de brilho diferente, associadas ao ondulado das fibras;
  • A criptoméria apresenta um veio medianamente riscado, conferido pelas camadas de crescimento;
  • O carvalho-negral tem um veio radial espelhado, com camadas anuais distintas.
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Veio ou desenho da madeira de eucalipto numa superfície tangencial

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Veio ou desenho da madeira de nogueira numa superfície radial

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Veio ou desenho da madeira de criptoméria numa superfície radial

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Veio ou desenho da madeira de carvalho-negral numa superfície radial

– Canais de resina e porosidade

Considerando as diferentes composições celulares do lenho das resinosas e das folhosas, a análise anatómica permite identificar também:

  • A presença e dimensão dos canais de resina, nas resinosas;
  • O tipo de porosidade (em anel, difusa e semidifusa) e a dimensão dos poros, nas folhosas.
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A importância económica da exploração, comercialização e utilização de madeira, a par da grande diversidade de espécies e propriedades, têm levado à necessidade, cada vez maior, da sua identificação anatómica e caracterização tecnológica.

Características anatómicas são úteis à ciência, comércio e gestão florestal

Além de ajudar a compreender as propriedades da madeira e de antecipar qual será o seu comportamento quando submetida a diferentes tipos de operações e as utilizações a que melhor se adapta, o conhecimento das características anatómicas da madeira gera informação relevante para muitas outras áreas de atuação. Entre elas, salienta-se:

Taxonomia e dendrocronologia: as características anatómicas da madeira de determinada espécie dão a conhecer especificidades importantes para a sua identificação, da mesma forma que certos padrões anatómicos ajudam na identificação de famílias e géneros botânicos ou mesmo na pesquisa de parentescos evolutivos. Este mesmo conhecimento permite identificar espécies ou grupos taxonómicos a partir de registos fósseis, por meio da análise das suas estruturas celulares. Na dendrocronologia, método científico de datação da idade de uma árvore, o estudo das diferentes características dos anéis de crescimento revela não apenas a longevidade das árvores, mas também outras informações relevantes sobre as condições em que viveram e as pressões que enfrentaram.

Comércio de madeira e proteção de espécies classificadas: a identificação das espécies cujas madeiras são transacionadas ajuda a combater o comércio ilegal de espécies raras ou com um estatuto de proteção que proíba o seu corte e comercialização. Da mesma forma, ajuda a garantir que as madeiras transacionadas são as declaradas e não provêm de espécies com aparência semelhante, evitando, por exemplo, que madeiras mais comuns sejam vendidas como madeiras nobres, de valor comercial mais elevado.

A identificação da madeira através da sua anatomia é muito utilizada, por exemplo, para controlo e fiscalização do comércio de madeiras provenientes de abate indiscriminado de árvores.

– Gestão florestal: o conhecimento sobre as alterações estruturais que afetam a formação e crescimento da madeira, as quais podem estar relacionadas com condições ambientais e fatores de stress, sejam eles organismos que atacam a madeira (pragas e doenças) ou alterações nos padrões climatéricos, permite adaptar as práticas de gestão a cada espécie e aos desafios que enfrenta.

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Além da indústria que transforma e trabalha a madeira e destas três áreas, a identificação das propriedades e a caracterização anatómica da madeira são importantes em várias outras, como na certificação de madeiras, na construção civil, na conservação e restauro, na arqueologia, no ensino e na investigação. A divulgação destas características à sociedade é igualmente relevante para o reconhecimento do papel, complexidade e versatilidade que têm as madeiras.