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História

As primeiras florestas do mundo e a formação das árvores

As primeiras florestas do mundo até agora identificadas por paleobotânicos estão localizadas no Reino Unido e nos Estados Unidos da América. Datam de um período geológico conhecido como Devónico Médio, entre há 393 e 383 milhões de anos, em que se registou uma enorme expansão das plantas terrestres e surgiram as primeiras árvores.

De entre as primeiras florestas do mundo que se conhecem, a mais antiga, com uma idade estimada em 390 milhões de anos, fica localizada no sudoeste da Inglaterra, junto à costa de Devon e de Somerset.

Os fósseis da floresta de Somerset, como ficou conhecida, foram identificados por uma equipa de investigadores da Universidade de Cambridge e estudados por especialistas da Universidade de Cardiff. A sua descoberta foi divulgada em 2024, num artigo científico da revista “Geological Society”.

A mesma equipa de Cardiff esteve também envolvida na descoberta da segunda e terceira florestas mais antigas do mundo, ambas localizadas em pleno estado de Nova Iorque, nos EUA.

A segunda floresta mais velha terá cerca de 386 milhões de anos e foi também identificada a partir de fósseis que repousam no fundo de uma pedreira abandonada, numa localidade de nome Cairo.

A floresta de Cairo foi dada a conhecer num artigo científico, em 2019, depois de um apurado trabalho liderado por cientistas da Universidade de Binghamton, do Museu do Estado de Nova Iorque e da Universidade de Cardiff, que mapearam mais de 3000 metros quadrados de vestígios nesta zona situada no sopé das Montanhas Catskill, no Vale do rio Hudson. Ali, os investigadores encontraram as raízes fossilizadas de várias árvores que se terão estendido por cerca de 400 quilómetros.

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Somerset, no Reino Unido

Anos antes, não muito longe do local desta descoberta, fica aquela que é considerada a terceira destas primeiras florestas – a Floresta de Gilboa, que terá cerca de 385 milhões de anos e cujo espólio é dado a conhecer no Museu de Gilboa. Embora os vestígios desta floresta tivessem sido encontrados ao longo de mais de um século, só em 2007 e 2012 foram publicados na revista científica Nature artigos que descrevem a dimensão, composição e antiguidade desta floresta.

À medida que os investigadores exploram locais onde existem afloramentos rochosos de idade Devónica e estas rochas revelam a presença de fósseis de plantas, existe a possibilidade de aumentar o número destas primeiras florestas fósseis que estarão entre as mais antigas do mundo.

No entanto, o conhecimento científico atual indica que as primeiras plantas semelhantes a árvores terão surgido no período geológico do Devónico Médio, entre há 393 e 383 milhões de anos, sendo esta a referência temporal para a formação do que se podem chamar as primeiras florestas.

A maioria dos fósseis de plantas que formavam estas primeiras florestas não são facilmente reconhecíveis por alguém que que não seja especialista. Há, no entanto, parques naturais onde podem visitar-se vestígios florestais pré-históricos mais reconhecíveis – nomeadamente fósseis de troncos petrificados. São geologicamente mais recentes do que os que permitiram identificar as florestas mais antigas do mundo, como ilustram estes três exemplos:

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Floresta petrificada de Khorixas, na Namíbia, com troncos datados de há cerca de 280 milhões de anos.

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Floresta fossilizada, no Parque Nacional do Arizona, EUA, com cerca 200 milhões de anos.

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Floresta petrificada de Sigri, na Ilha de Lesvos, Grécia, com cerca de 20 milhões de anos.

As primeiras florestas do mundo e como moldaram o planeta

No Devónico Médio, a vida no planeta Terra tinha muito poucas semelhanças com o que conhecemos hoje. Por exemplo, quando se formaram estas primeiras florestas, a vida animal era dominada por seres marinhos e em terra apenas existiam pequenos artrópodes (invertebrados, como as aranhas, por exemplo). Ainda não existiam répteis nem anfíbios (muito menos mamíferos terrestres) ou espécies capazes de voar. Os dinossauros só surgiriam perto de 150 milhões de anos depois.

O surgimento de plantas de grande porte, com sistemas radiculares capazes de penetrar o solo, levaram a que estas plantas se organizassem para formar as primeiras florestas, moldando o próprio sistema terrestre:

– Pela decomposição dos seus caules, raízes e folhas contribuíram para a acumulação de matéria orgânica e para a formação do solo;

– Graças à fotossíntese, contribuíram para o aumento de oxigénio na atmosfera e para a redução dos níveis de dióxido de carbono (CO2) da atmosfera. Além disso, começaram a remover CO2 e a armazenar carbono (as reservas de carbono que ainda hoje usamos como combustíveis fósseis – petróleo, carvão e gás natural – começaram a formar-se neste período);

– Pela redução de CO2 e aumento de oxigénio na atmosfera, contribuíram para a alteração dos padrões climáticos, ajudando a arrefecer a temperatura;

– Conjugados ao longo do tempo, estes fatores contribuíram para criar microhabitats terrestres, que se tornaram mais acolhedores para novas espécies vegetais e animais, contribuindo para uma nova etapa de transição das formas de vida aquáticas, até aí dominantes, para as terrestres.

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Em relação às plantas, a transição das algas aquáticas para as pequenas espécies terrestres tinha começado muito antes e as plantas vasculares (com um sistema análogo ao dos vasos sanguíneos, para transportar os nutrientes e a água ao longo da estrutura da planta) diversificaram-se logo no início do Devónico, e com mais intensidade a meio deste período, explica Carlos Aguiar, no livro a “Evolução das Plantas”.

A raiz e a fisionomia de plantas de porte herbáceo evoluíram para um porte arbóreo durante o Devónico Médio. As primeiras plantas com porte de árvore reproduziam-se por esporos (como os fetos), não tendo ainda as sementes que mais tarde (na transição do Devónico Médio para o Superior) caracterizaram a maior diversificação das plantas e as primeiras gimnospérmicas (árvores sem flores verdadeiras, que se reproduzem por sementes).

Com um aspeto semelhante a fetos arbóreos ou finas palmeiras, as antecessoras das árvores modernas ainda não tinham troncos rígidos como os atuais (seriam ocos ou preenchidos por tecidos maleáveis). Algumas começaram a desenvolver raízes lenhosas de longa duração (com múltiplos níveis de divisão e pequenas raízes perpendiculares de curta duração).

Estes sistemas radiculares tiveram um importante papel na transformação das interações entre as plantas e os solos, explica Chris Berry, cientista da Universidade de Cardiff envolvido na descoberta destas primeiras florestas do mundo, revelando que tiveram, por isso, um papel crucial para a coevolução das florestas e da atmosfera.

As antecessoras das árvores nas primeiras florestas do mundo

Os registos analisados na costa britânica de Devon e Somerset indicam que esta floresta era constituída por “árvores” Calamophyton, género da ordem dos Pseudosporochnales que, pelo seu aspeto, lembrariam palmeiras, mas que tinham ainda muitas diferenças face às árvores que hoje conhecemos, com o tronco oco e fino e caules desprovidos de folhas. Destes caules nasceriam outros mais pequenos, que eram os responsáveis pela fotossíntese. Estas antecessoras das árvores cresceriam a uma modesta altura de dois a quatro metros (dimensão que não corresponde aos cinco metros que atualmente se consideram como altura mínima para uma árvore).

Na floresta de Cairo, EUA, outros dos vestígios identificados serão de espécies do género Archaeopteris (ordem Archaeopteridales), que teriam já um caule lenhoso e ramos com folhas verdes achatadas. Estas estarão entre as primeiras árvores com uma anatomia e fisionomia mais semelhante às das modernas. Tinham sistemas radiculares complexos que cresciam à medida que as plantas de desenvolviam, com muitas secções ramificadas. Segundo explica Carlos Aguiar, as Archaeopteris evoluíram durante o período Devónico Médio e tiveram uma enorme expressão entre há 372 a 359 milhões de anos, tendo-se extinguido no período geológico seguinte, o Carbonífero.

Segundo descreveu o investigador Chris Berry, a floresta de Cairo, no Estado de Nova Iorque, seria “uma floresta bastante aberta, com árvores de aspeto semelhante às coníferas, com um porte pequeno a moderado, e com plantas semelhantes a fetos de tamanho possivelmente mais pequeno a crescer entre elas, individualmente e em grupos”. Muitos fósseis de peixes foram também recuperados do local, levando os cientistas a acreditar que a antiga floresta poderia ter sido dizimada por inundações.

Nas florestas de Cairo e de Gilboa, nos EUA, foram identificados exemplares de Cladoxilópsidos (Cladoxylopsyda), da mesma ordem dos Pseudosporochnales, também semelhantes a fetos arbóreos ou palmeiras, com um tronco ou caule longo coroado por ramos caducos. O género Wattieza estaria presente e a reconstituição indica que estas árvores já se elevariam pelo menos aos oito metros.

Nesta floresta de Cairo foi também identificado um vestígio que pode ter pertencido aos Licopodiófitos ou Licófitos (Lycopodiidae), um dos mais antigo grupos de entre as plantas vasculares sem sementes, que se desenvolveu em superfícies semicobertas de água e terá sido o primeiro a ganhar raízes. Embora sem qualquer relação familiar, os licófitos arbóreos teriam também semelhanças visuais com a ordem dos Pseudosporochnales, com um caule fino e alto, encimado por uma coroa ramificada.

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Este mesmo grupo de plantas arborescentes foi um dos encontrados noutra das primeiras florestas, em Svalbard, arquipélago norueguês localizado no Oceano Ártico (onde se encontra a maior banco de sementes do mundo). Os vestígios indicam que seria uma floresta tropical que esteve de pé há cerca de 380 milhões de anos.