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Árvores Monumentais

Castanheiro de Guilhafonso: um monumento à castanha na Beira Interior

Símbolo da castanha na região beirã, estima-se que o gigante Castanheiro de Guilhafonso conte mais de 500 anos de história. Resultado da junção de dois castanheiros, a árvore foi recuperada há cerca de seis anos, quando corria o risco de secar. Em 2020 foi proposta para o concurso Árvore do Ano 2021.

É na pequena aldeia de Guilhafonso, no concelho da Guarda, que se encontra um dos maiores castanheiros (Castanea sativa Miller) da Europa, conhecido como Castanheiro de Guilhafonso. A árvore centenária é de tal forma imponente que são necessários pelo menos nove adultos para abraçar o seu tronco.

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©ICNF

Bem destacado na paisagem, o Castanheiro de Guilhafonso tem uma altura de 19 metros, um perímetro do tronco de 12,92 metros e um diâmetro médio da copa de 25,5 metros, segundo dados do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). Embora não seja possível calcular a sua idade com exatidão, estima-se que o colossal castanheiro tenha cerca de 528 anos, o que o torna contemporâneo da Época dos Descobrimentos.

Apesar de ser considerado por muitos o maior castanheiro da Europa – uma das razões apontadas para a sua candidatura a árvore portuguesa de 2021 – o Castanheiro de Guilhafonso não vê esse lugar reconhecido pela Comissão Europeia. O Science Hub identifica o “Castanheiro dos Cem Cavalos”, na Sicília (Itália), como o maior castanheiro do mundo. Aliás, ocupa esse mesmo lugar no Guinness World Records desde 1780. Acredita-se também que se trata do castanheiro mais antigo do mundo ainda de pé, com uma idade entre 2500 e 4000 anos.

Por seu lado, no que diz respeito à castanha, o distrito da Guarda distingue-se pela produção da Castanha dos Soutos da Lapa (D.O.P.), das variedades Longal e Martaínha. A zona delimitada compreende os concelhos de Aguiar da Beira e Trancoso, além de Armamar, Tarouca, Tabuaço, S. João da Pesqueira, Moimenta da Beira, Sernancelhe, Penedono e Lamego. Já o Castanheiro de Guilhafonso produz castanha de variedade Rebordã.

Desde 1971 que o Castanheiro de Guilhafonso, localizado entre Guarda e Pinhel, está classificado como “árvore de interesse público”. É um dos principais resistentes da era dourada da castanha na Beira Interior. Outros, como o “Castanheiro Velho” de Arrifana, também no concelho da Guarda, tiveram pior sorte. Esse castanheiro milenar, com um perímetro de tronco de 13,20 metros e um diâmetro de copa de 32 metros, secou, depois de ter sido atingido por um raio e foi, no verão de 2015, afetado por um incêndio.

Castanheiro de Guilhafonso: a história de um sobrevivente

Na década de 50, o castanheiro ocupava um papel importante na economia familiar da Beira Interior, em particular no distrito da Guarda. O número de soutos nesta região colocava-a em segundo lugar em termos de produção de castanha (alguns anos com valores de três mil toneladas de castanha) a nível nacional, a seguir ao distrito de Bragança. Um dos livros que melhor retrata esta história é “O Castanheiro e a Castanha na Tradição e na Cultura”, da autoria de Mário Cameira Serra.

Contudo, ao longo das décadas, a doença da tinta e o cancro dos castanheiros, assim como os incêndios e raios foram secando inúmeras árvores. Também a madeira do castanheiro conduziu ao abate de vários soutos – o Castanheiro de Guilhafonso terá sido vendido para abate no início da década de 70, mas tal acabou por não acontecer devido ao descontentamento geral dos habitantes locais.

Não seria esta a última vez que a sobrevivência desta portentosa árvore estaria em perigo. Em 2009, o Castanheiro de Guilhafonso estava em risco de ser desclassificado pela Autoridade Florestal Nacional (AFN), por apresentar uma elevada probabilidade de secar.

Mais uma vez, a população mobilizou-se na defesa desta árvore histórica e, poucos anos depois, a Câmara da Guarda – atual proprietária do castanheiro e da área envolvente – encomendou um estudo à Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), que apoiou a sua recuperação. Através do tratamento fitossanitário e da poda, o Castanheiro de Guilhafonso ganhou, nos anos seguintes, uma nova vida e voltou a produzir castanha em maior quantidade. No entanto, ainda longe dos números históricos de 1987: meia tonelada de castanha de variedade Rebordã.

A sua perseverança fez com que tenha sido submetida como concorrente à fase nacional do concurso Árvore do Ano 2021 promovido pela UNAC – União da Floresta Mediterrânica.

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©ICNF

A tradição que preserva a memória

O valor da castanha e do castanheiro na Beira Interior ainda é visível nos dias de hoje e não se cinge aos castanheiros centenários, como o Castanheiro de Guilhafonso. Embora não represente o mesmo em termos económicos e de subsistência das famílias do que há 50 anos, a castanha continua bem presente nas tradições em geral e na toponímia, em particular.

No distrito da Guarda, isso percebe-se facilmente pelo nome de várias localidades, como as aldeias de Castanheira (nos concelhos de Guarda, Gouveia, Manteigas e Trancoso), o Soito do Bispo (Guarda) ou o Souto (Sabugal). De lembrar que “souto” ou “soito” é o nome dado a um povoamento de castanheiros gerido com a finalidade de produzir castanhas.

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Além do Dia de São Martinho, outras tradições sobreviveram à passagem do tempo. É o caso do “Magusto da Velha”, que acontece anualmente em Aldeia Viçosa, na Guarda. A 26 de dezembro são atiradas castanhas à população diretamente da torre da Igreja, pelo menos desde 1698, ainda que já ninguém saiba o nome da “velha” que deu origem a esta celebração. Na eventualidade de se distrair a apanhar as castanhas que vão caindo no chão, pode ser vítima das famosas “cavaladas”, com alguém a saltar-lhe para as costas.

Por outro lado, mais iniciativas têm vindo a preservar a memória do passado, bem como a despertar a consciencialização para os cuidados a ter no presente e no futuro em relação ao castanheiro e cultura da castanha:

– O Museu da Castanha, em Aldeia do Bispo, tem uma exposição permanente composta por três secções: o “Ciclo da Castanha”, a coleção de arte sacra e a coleção de pintura.

– O Centro de Interpretação Vivo do Castanheiro e da Castanha, em Aguiar da Beira, resulta de um protocolo assinado em 2015, entre o município de Aguiar da Beira, a UTAD -Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, a União de Freguesias de Aguiar da Beira e Coruche e a empresa Arvofruti. O objetivo é promover a partilha de conhecimentos e informação técnicas, a fim de melhorar a produtividade dos castanheiros.

Estas iniciativas ilustram a vontade de preservar estas árvores centenárias. O símbolo dessa vontade é o Castanheiro de Guilhafonso, também conhecido como “Árvore do Povo”, que sobreviveu a várias ameaças graças à união das gentes que o rodeiam.