Parque Natureza de Noudar: conservação, produção e ecoturismo

Para quem vem do litoral, o mais difícil é chegar. Não só porque o Parque Natureza de Noudar está colado à fronteira com Espanha, perto de Barrancos, mas também porque desta vila até ao núcleo de receção do Parque (também chamado de Monte ou Herdade da Coitadinha) há cerca de oito quilómetros de estradão de terra batida e pedras para transpor.

No entanto, a chegada compensa a agreste travessia. À exceção do núcleo central, onde se localizam as duas casas de turismo, o restaurante e outras estruturas de apoio aos visitantes, praticamente tudo o que se avista são prados e montado.

Não se sabe ao certo qual a origem do nome Noudar. Pensa-se que poderá derivar do árabe “nadara” ou “nadare”, que significam avistar ou olhar, e é isto que apetece fazer à chegada ao Parque Natureza de Noudar: demorar o olhar pela vastidão de terra, acompanhando os castanhos ondulados das terras, os verdes das árvores que as pontuam e os pastos que o gado percorre, paciente.

No total são cerca de mil hectares, delimitados por duas linhas de água – o rio Ardila e a estreita ribeira da Murtega – onde predomina o montado, um dos mais antigos sistemas moldados pela mão humana, que concilia agricultura, floresta e pastagem.

É em torno deste sistema agrossilvopastoril que se estrutura este projeto nascido pela mão da EDIA, a Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva. Mas para conhecer a história do Parque Natureza de Noudar é preciso recuar a finais do século XX.

Parque Natureza de Noudar é um projeto de compensação ambiental

Depois de avanços e recuos, os trabalhos de construção da barragem de Alqueva avançaram nos anos 90 e em 2002 as comportas começaram a conter as águas daquele que se tornou no maior lago artificial da Europa.

Nascia um projeto estruturante para as populações e a agricultura do Alentejo interior, assim como para a sua indústria e turismo, mas a construção submergiu milhares de hectares de montado, matos mediterrânicos, galerias ribeirinhas (ripícolas) e margens rochosas (rupícolas) que eram habitat para muitas espécies florestais e animais, algumas das quais com ocorrência natural limitada à Península Ibérica (endemismos ibéricos).

Consciente destes impactes, a EDIA comprometeu-se com o desenvolvimento de um projeto que ajudasse a compensar estas perdas e foi com esse propósito que adquiriu, em 1997, a Herdade da Coitadinha onde hoje funciona o Parque Natureza de Noudar.

Embora distante do lago de Alqueva, esta herdade tinha património histórico e natural relevantes, com um castelo medieval e uma vasta área de montado de azinho bem preservada. Integrava já a rede ecológica de âmbito europeu Natura 2000, da qual consta a Zona de Proteção Especial (ZPE) Moura-Mourão-Barrancos. Estas condições eram uma boa base para a criação de um projeto de compensação ambiental.

Passadas mais de duas décadas e meia, a EDIA continua a gerir este Parque com atividades direcionadas à conservação e valorização do território, que recriam a atividade agrícola segundo as práticas e tradições da região, e promovem, em simultâneo, um tipo de turismo que respeita a natureza.

As alterações climáticas colocam novos desafios de gestão, com o aumento da temperatura e a alteração dos padrões de chuva a dilatar os períodos de seca, a pressionar a aridez do solo e a vulnerabilidade (e mortalidade) de várias espécies.

Estas pressões, que são visíveis na secura da paisagem especialmente durante o verão, ditam a necessidade de medidas de adaptação, que incluem desde a otimização das reservas e uso de água a ajustes na composição de espécies florestais, fruteiras e forrageiras, para reforçar o mosaico de espécies mais adaptadas e a sua resistência.

O Castelo de Noudar, classificado como monumento nacional, encontra-se no interior do Parque Natureza de Noudar e, além de poder visitar-se, é um local de referência para a observação do céu noturno. Pela ausência de poluição, integra a primeira reserva do mundo certificada como “Starlight Tourism Destination” – a Reserva Dark Sky Alqueva.

A fortaleza foi terminada em inícios do século XIV, já no reinado de D. Diniz, mas a sua história terá começado antes, provavelmente nos séculos X ou XI, com uma torre ou um pequeno castelo do qual se controlava a via para Beja. Na época medieval, foi um importante ponto de defesa da fronteira portuguesa, numa área várias vezes disputada pela coroa de Castela.

Da madeira à carne mertolenga

O sistema de montado ocupa grande parte do Parque Natureza de Noudar, com uma extensa área de montado de azinho, mas além das azinheiras (Quercus ilex), podem encontrar-se várias outras espécies, como o sobreiro (Quercus suber), o carrasco (Quercus coccifera) e o zambujeiro ou oliveira-brava (Olea europaea var. sylvestris).

Áreas mais pequenas de olival, azinhal, sobreiral, zambujal e pinhal contribuem para a vertente florestal, cuja gestão está certificada segundo as normas dos sistemas FSC® – Forest Stewardship Council e PEFC – Programme for the Endorsement of Forest Certification, com uma abordagem sustentável que pretende salvaguardar a “cobertura vegetal do solo, quer para efeitos de conservação do solo e da água, quer para efeitos de conservação da diversidade biológica”.

Biológico é também o modo de produção aplicado no pomar e nas hortas, onde além de frutos variados e produtos hortícolas, crescem ervas aromáticas, como o alecrim, o tomilho e a alfazema. Estas áreas são essencialmente “montras” de boas práticas agrícolas.

Muitas destas e de outras espécies silvestres crescem, também, dispersas pelos pastos permanentes, por onde deambulam vários animais, em especial os bovinos de raça mertolenga.

O Parque Natureza de Noudar é produtor de carne mertolenga com Denominação de Origem (DOP) e a escolha desta raça autóctone deveu-se não só à tradição que tem nesta região, mas também porque foi nesta herdade que, ao longo do tempo, se apurou uma das quatro pelagens que caracterizam a raça: a pelagem branca, malhada de um tom castanho-avermelhado.

Em paralelo, associou-se ainda à recuperação de uma outra raça autóctone que foi comum no Alentejo, mas quase chegou à extinção: a raça bovina Garvonesa, em que o preto predomina nos corpulentos machos e o castanho-escuro, avermelhado, nas fêmeas.

Habitat para de inúmeras espécies

Quem percorre a propriedade a pé descobre recantos de relevo mais pronunciado, alguns com bosques mais densos, verdes e fechados, resquícios de uma paisagem intocada. O mesmo acontece nas margens do Ardila, enquadrada por várias espécies ripícolas, como o freixo (Fraxinus angustifolia) e a barrozeira-branca (Salix salvifolia), que são importantes elementos de preservação destas galerias húmidas.

Nelas vivem alguns animais que não esperaríamos encontrar nas terras secas interior alentejano, como é o caso da lontra (Lutra lutra). Embora seja difícil avistá-los, muitos outros mamíferos percorrem o Parque e nele habitam, desde o toirão (Mustela putorius) ao texugo (Meles meles) e sacarrabos (Herpestes ichneumon), passando pela raposa (Vulpes vulpes).

Este é também um território do lince ibérico e o Parque Natureza de Noudar tem vindo a integrar diversos projetos com vista à recuperação das populações desta espécie – Life Iberlince, POSEUR Linx2020 e POCTEP Proiberlinx, por exemplo. Apesar de não se verem linces na herdade, o trabalho transfronteiriço para salvar este endemismo ibérico da extinção tem dado frutos e o censo ibérico, feito em 2023 permitiu identificar 291 em Portugal e 1730 em Espanha. Em conjunto, mais de 2000  foram contabilizados, um número que em inícios do século XXI não chegava a 100.

Relativamente mais fáceis de avistar são as lebres-ibéricas (Lepus granatensis), os javalis (Sus scrofa) e, principalmente na época do acasalamento, os veados-vermelhos-ibéricos (Cervus elaphus). Durante a brama, no outono, os machos fazem vocalizações em busca de pretendentes – uma serenata gutural impossível de ignorar.

Mas ainda mais abundantes no Parque Natureza de Noudar são os mamíferos voadores. Quando o sol se põe é vê-los às dezenas a cruzar o céu: serão, provavelmente morcegos-pigmeus (Pipistrellus pygmaeus) ou os mais raros morcegos-de-ferradura-mourisco (Rhinolophus mehelyi), que têm uma colónia na Herdade, descoberta em 2022.

Estes são apenas alguns exemplos dos mamíferos que encontram habitat no Parque Natureza de Noudar, mas muitos outros animais, incluindo aves de rapina, aproveitam a vasta e isolada propriedade para viver e nidificar.

Vista infinita do monte para o montado

Quem quer descobrir este recanto raiano pode fazê-lo facilmente, ficando no núcleo da Herdade – o Monte da Coitadinha – que conta com duas casas de turismo, apoiadas por restaurante, com esplanada, e uma convidativa piscina de “vista infinita” para o montado.

As antigas casas da Herdade da Coitadinha foram recuperadas e são agora os espaços de alojamento. A moradia principal é hoje a Casa do Monte, com seis quartos, e a casa dos trabalhadores rurais, a Casa da Malta, dispõe de seis quartos, dois dos quais camaratas para até cinco pessoas (com WC privado, mas fora do quarto), assim como de uma sala comum e cozinha equipada.

No Pançona – nome de uma fonte junto ao rio Ardila que batizou o restaurante – podem provar-se alguns dos sabores mais apreciados da gastronomia regional, da sopa de cação ao ensopado de borrego. Para as refeições é necessária reserva e, a pedido, podem ser preparadas cestas para piqueniques.

O Pançona é também o local do pequeno-almoço, que pode tomar-se no interior ou na ampla esplanada.

Quer no restaurante como na receção, podem ainda levar-se para casa como recordação alguns dos sabores criados nas hortas biológicas ou levedados na cozinha.

Mas a melhor recordação que se leva do Parque Natureza de Noudar é a sensação de tranquilidade e proximidade com a terra. Para a sentir e guardar na memória é possível fazer visitas guiadas, caminhar por um dos cinco trilhos definidos (alguns não estão muito bem sinalizados) ou simplesmente deixar-se levar.