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Pasta e Papel

Da madeira à folha: o processo por detrás da produção de papel

Quando imprimimos uma folha ou lemos um livro raramente pensamos na complexidade que está por detrás de algo tão comum, como o papel. Contudo, a produção de papel é um processo industrial exigente e sofisticado, que combina engenharia e tecnologias de ponta, e envolve dezenas de profissionais com diferentes especializações. Etapa a etapa, eis o processo que transforma a madeira nas folhas de papel que usamos diariamente.

A produção de papel começa na floresta, com a plantação das árvores que darão a matéria-prima – a madeira – essencial a todo o processo. A gestão das plantações florestais pode ser vista como a etapa zero deste processo e nela está contido todo o ciclo da vida das árvores, desde a instalação dos povoamentos por sementeira ou plantação até à recolha da madeira, já com a árvore adulta.

Trata-se de um ciclo longo que, embora varie consoante o ritmo de crescimento das espécies de árvores em causa, pode implicar entre uma a três décadas de gestão florestal.

Quando a madeira chega às modernas unidades de produção de pasta para papel já vem, normalmente, segmentada em toros, limpos de ramos e folhagem, e é com eles que se inicia o desafio de converter troncos rígidos em finas folhas maleáveis, alterando a estrutura e as ligações originais da celulose, que é o principal componente da madeira e dos tecidos vegetais em geral.

Isto porque o papel é um material poroso, que se apresenta na forma de folha, composto principalmente por fibras de celulose entrelaçadas, transformadas através de processos mecânicos ou químicos, que permitem obter uma suspensão aquosa de fibras: uma pasta acastanhada que é depois lavada e refinada e que, consoante a finalidade do papel, pode ser aclarada e enriquecida com químicos que lhe dão diferentes propriedades. Para passar da pasta à produção de papel, é preciso drená-la, prensá-la e secá-la. Finalmente, é feito o corte do papel.

A produção de papel, passo a passo:

No processo de produção de papel, podemos salientar seis fases essenciais:

1. Preparação da madeira: dos toros às estilhas ou aparas ⇒ 2. Processamento para obtenção de pasta para papel  ⇒ 3. Lavagem e branqueamento da pasta ⇒ 4. Refinação e melhoramento da pasta ⇒ 5. Da pasta à folha contínua: espalhar a pasta, drená-la, secá-la e prensá-la ⇒ 6. Corte da folha de papel à medida da aplicação

Processo de produção de papel: 6 etapas

1. Preparação da madeira: dos toros às estilhas ou aparas

A madeira em toros é encaminhada para um conjunto de equipamentos que a descascam e a cortam em pequenos segmentos. O objetivo é obter madeira em estilhas ou aparas, sem a casca, que tem pouco valor para a produção de papel.

A casca não é, contudo, desperdiçada, pois é uma das matérias-primas que segue para valorização energética: para a produção de calor que é indispensável ao longo de todo o processo.

Equipamentos de serração, como por exemplo, picadoras e descascadoras rotativas são utilizados nesta fase, que não dispensa o envolvimento de engenheiros mecânicos e de técnicos de operação e manutenção.

Estilhas para produção de papel

2. Processamento para obtenção de pasta para papel

É a partir das estilhas ou aparas que se obtém a pasta, a base do papel. No entanto, estes pequenos fragmentos continuam a manter intactos os compostos da madeira, nomeadamente as fibras de celulose e a lenhina. Para produzir pasta para papel é preciso separá-los, libertando as fibras de celulose da lenhina que as mantém “coladas” e coesas, dando rigidez à madeira.

Esta separação foi um dos principais desafios da história do papel, mas a indústria moderna conseguiu dar-lhe resposta.

Existem duas vias distintas para a produção de pasta para papel, que conduzem a resultados diferentes: uma é principalmente mecânica e a outra química:

– Mecânica: cozimento a vapor, em que as estilhas ou aparas são “amolecidas”, para serem depois refinadas mecanicamente. Esta refinação, que equivale a triturar as fibras até as macerar, dá origem à pasta termomecânica (por vezes identificada como TPM, sigla do inglês Thermo Mechanical Pulp). Neste processo, a lenhina é amolecida, mas continua presente na pasta para papel e as fibras de celulose (com a lenhina agregada) ficam mais danificadas pela maceração. Assim, o papel que resulta da pasta termomecânica tem menos resistência e durabilidade. Esta via é principalmente usada na produção de papel de jornal.

A producão de papel de jornal

– Química: cozimento das estilhas de madeira num reator pressurizado – o digestor – por ação de uma mistura aquosa de compostos químicos, que consegue separar as fibras de celulose dos outros elementos da madeira, especialmente a lenhina (que se vai tornar solúvel no licor), dando origem à pasta química (por vezes identificada como CP, sigla do inglês Chemical Pulp) e ao chamado licor negro (tradicionalmente, um resíduo). Embora tenha ainda uma cor acastanhada, esta pasta é feita de fibras mais puras e intactas, que permitem maior resistência e durabilidade, qualidades que vão refletir-se num produto final mais duradouro e valorizado.

Produção de papel alta qualidade

Nesta segunda via, os compostos químicos usados podem variar consoante o processo usado – sulfito ou kraft –, mas, em qualquer dos casos, a solução química é conhecida por licor branco quando entra no digestor e por licor negro quando sai. A razão é simples, a lenhina e outros compostos foram dissolvidos e tornaram a solução inicial num líquido escuro.

Na moderna indústria da pasta para papel, o licor negro é também valorizado. Reforçando a sustentabilidade dos processos, o que antes era um resíduo foi desclassificado – passando de resíduo a subproduto, que pode ser reutilizado noutros processos. É reutilizado como combustível e pode também ser valorizado através da recuperação e reutilização da lenhina em aplicações de maior valor, que vão da cosmética aos adesivos e revestimentos.

A produção de pastas celulósicas baseia-se na ação química de uma solução que reage com a madeira e provoca a dissolução da lenhina. Os processos mais usados são o kraft (ou sulfato) e o método ao sulfito. O primeiro é um processo alcalino (com pH superior a 7) que usa soda cáustica e um sulfato de sódio para remover a lenhina, enquanto o segundo recorre a químicos ácidos ou neutros (com pH inferior ou igual a 7). A maior parte da pasta para papel é produzida pelo método kraft.

3. Lavagem e branqueamento de pasta

Considerando a pasta química, nesta etapa ela começa por ser lavada, para remover os químicos usados no digestor.

A água é, nesta fase, um dos elementos essenciais. Por isso, muitas empresas deste sector têm realizado esforços e desenvolvimentos tecnológicos para reduzir a sua utilização, que era muito elevada há algumas décadas.

Em 1996, quando foi aprovada a Diretiva comunitária 96/61/CE – relativa à prevenção e controlo integrados da poluição –, foi possível reduzir a captação de água de 100-120 metros cúbicos por tonelada (m³/t) de papel para cerca de 30-60m³/t. Em 2023, de acordo com dados da Confederação das Indústrias Europeias de Papel (CEPI) para produzir 73,933 milhões de toneladas de papel e cartão foram captados 3,326 milhões de m³, o que equivale a 45m³/t. Os dados disponibilizados pela associação portuguesa BIOND revelam um decréscimo consistente no nosso país: de 85 m³/t em 1990, para 35 m³/t em 2001 e para cerca de 20 m³ de água captada por tonelada de pasta e papel em 2023. De notar que este valor se refere à captação de água e não reflete o seu uso efetivo, uma vez que boa parte da água captada é devolvida ao processo produtivo, sendo reutilizada após tratamento.

Depois de lavada, a pasta pode ser preparada para a produção de papéis que mantenham a sua cor acastanhada, como acontece, por exemplo, com os “papéis pardos” usados para embrulho, os de embalagens ou os utilizados no interior do cartão canelado.

Para papéis de escrita e impressão, esta cor não é adequada. Por isso, a pasta celulósica é submetida ao processo de branqueamento, que pode recorrer a diferentes químicos – dióxido de cloro ou peróxido de hidrogénio, por exemplo – até se obter a brancura desejada.

Tal como o envolvimento de engenheiros químicos e técnicos de laboratório e de processo era essencial na etapa anterior para controlar temperaturas, pressões e reagentes, também aqui volta a ser indispensável. Da mesma forma, são fundamentais os conhecimentos dos engenheiros ambientais, que permitem reduzir o uso de recursos, minimizar impactes e assegurar o correto tratamento de resíduos ou a sua desclassificação em subprodutos que podem ser reaproveitados em novas aplicações.

Equipamento de produção de papel

Papel com pasta não branqueada

4. Refinação e melhoramento de pasta

Depois de branqueada, a pasta é enviada para o refinador, onde as fibras são processadas mecanicamente para que sejam promovidas as desejadas ligações entre elas. Deste entrelaçar irá depender, em grande parte, a qualidade do produto final.

Depois das fibras serem dispersas numa suspensão aquosa, a refinação “obriga” a pasta a passar entre placas metálicas, influenciando as propriedades do papel. Podem-se fazer folhas a partir de fibras não refinadas, mas a sua estrutura é irregular e o seu aspeto volumoso, opaco e pouco coeso, com muita porosidade e capacidade de absorção. Estas características não se adequam, por exemplo, às folhas dos cadernos em que escrevemos nem servem para colocar nas impressoras.

Especificações produção de papel

Antes de seguir para a máquina que vai dar origem à folha, a pasta é aperfeiçoada, pela adição de cargas minerais e outros aditivos químicos ou revestimentos que melhoram as respetivas propriedades físicas, químicas ou mecânicas, facilitando o processo de produção de papel e conferindo as características ambicionadas ao produto final, como uma maior suavidade, brilho ou opacidade.

As cargas minerais são dos componentes químicos principais nesta fase – e o segundo componente do papel a seguir às fibras de celulose. As suas funções passam por dar opacidade ao papel e assegurar que a sua forma se mantém. O carbonato de cálcio é um exemplo – pode constituir cerca 20% a 30% da massa do papel – mas há outros, a exemplo de caulino, talco, sulfato de cálcio (gesso) ou dióxido de titânio. Todos eles são “pós” brancos, que trazem brancura e opacidade às folhas e melhoram a sua aptidão para impressão, tornando as superfícies do papel mais lisas e com maior capacidade de absorção da tinta.

Os amidos são o terceiro maior componente das folhas de papel e servem para dar coesão interna à folha, reforçar a retenção e a resistência mecânica, além de servirem como agentes de colagem das fibras e melhorarem a velocidade de secagem das folhas. Além deles, existem ainda aditivos como resinas, pigmentos ou agentes hidrofóbicos para repelir a água.

No que diz respeito aos profissionais envolvidos nesta fase, os engenheiros de materiais estão entre os intervenientes-chave e, juntamente com químicos e técnicos de laboratório, ajustam fórmulas para que a pasta permita obter papéis com as propriedades e características desejadas, que vão variando em função das necessidades dos consumidores.

5. Da pasta à folha contínua: espalhar a pasta, drená-la, secá-la e prensá-la

Depois de preparada, a pasta segue para o equipamento que a transforma em papel, conhecido como a máquina de Fourdrinier.

Nas modernas unidades de produção de papel, estas máquinas são equipamentos automatizados, velozes e de alta precisão, que podem medir mais de 100 metros e pesar várias centenas de toneladas, mas que seguem os princípios essenciais das primeiras máquinas de produção de folhas contínuas, inventadas na viragem para o século XIX e conhecidas como máquinas de Fourdrinier: espalhar a pasta, drená-la, secá-la, e prensá-la para criar uma folha contínua.

Nesta máquina, o processo começa com a receção da pasta. Através de sensores de pressão e velocidade, a pasta é distribuída numa camada homogénea sobre uma tela móvel e finamente perfurada, que se move rapidamente, promovendo a remoção da maioria da água presente na pasta. As fibras que se mantêm à superfície começam a entrelaçar-se e são movimentadas e orientadas automaticamente para formarem uma camada uniforme e resistente.

Este papel ainda grosseiro e húmido é depois enviado para a prensagem, passando entre rolos e prensas hidráulicas, que voltam a remover a água ainda presente e ajudam a criar uma estrutura mais fina e texturada, mais semelhante àquela que terá o produto final.

A etapa seguinte é a da secagem, apoiada por cilindros aquecidos que deixam o papel com o nível de humidade adequado, sem danificar a estrutura das fibras. Neste processo, os feltros de secagem mantêm a folha junto aos cilindros, com a tensão necessária para evitar rugas ou rasgos, e diferentes grupos de cilindros alternam entre as partes superior e inferior da folha para a secarem uniformemente.

A temperatura e o tempo de contacto entre o papel e o calor são controlados automaticamente para evitar danos, como a ondulação ou o encolher das fibras. Da mesma forma, sensores e câmaras térmicas atuam em tempo real, medindo e ajustando as outras variáveis deste delicado processo, como a humidade e os fluxos de vapor.

Equipamento avançado de produção de papel

As modernas máquinas de produção de papel beneficiam de sistemas avançados, combinando mecânica, química, eletrónica, informática e automação. As equipas que as operam e monitorizam são, por isso, multidisciplinares, com técnicos e operadores especializadas nestas várias vertentes, que incluem desde a engenharia de sistemas à gestão de processos, operações e qualidade.

As folhas secas e contínuas, que lembram um infindável lençol, passam por novos rolos que as comprimem, alisando-as e dando-lhes a espessura final. Podem, ainda nesta fase, ser aplicados revestimentos e tratamentos superficiais para melhorar a resistência do papel ou o seu futuro desempenho de impressão.

Maquinaria tradicional de produção de papel

A máquina de Fourdrinier é assim conhecida em homenagem aos dois irmãos britânicos Henry e Sealy Fourdrinier que, no início do século XIX, contrataram o engenheiro Bryan Donkin para aperfeiçoar um dos modelos iniciais destas máquinas contínuas de produção de papel. O primeiro protótipo era francês, inventado por Nicholas-Louis Robert, em 1798, mas foi a versão financiada pelos Fourdrinier que se tornou a referência. Em meados do século XIX, Bryan Donkin tinha construído e vendido mais de 190 destas máquinas, que passaram a laborar na Europa e também na Índia e EUA.

6. Corte da folha de papel à medida da aplicação

À saída da máquina de produção de papel, a folha contínua é enrolada em bobinas gigantes. É nesta configuração que o papel segue para corte, em máquinas que o fracionam em rolos ou segmentos e folhas de diferentes dimensões.

No corte pode recorrer-se de diferentes equipamentos consoante as características dos papéis e as utilizações a que estão destinados. Por exemplo:

– Cortadores de bobinas com lâminas selecionadas em função das diferentes gramagens dos papéis;

– Prensas e guilhotinas hidráulicas indicadas especificamente para cartões e para papéis com acabamentos específicos, como os envelopes;

– Máquinas de lâminas rotativas que seccionam as folhas planas em formatos diversos, como os mais comuns A4 e A3.

– Máquinas laser para cortes e recortes que exigem alta precisão.

Produção de papel: etapa final de corte

Também neste processo, as tecnologias têm permitido inovar, com soluções computorizadas e automatizadas, dirigidas a esta fase final do processo produção de papel e com maquinaria de alta precisão para outras áreas específicas, como a da impressão digital, em que o corte é também necessário. O trabalho não dispensa a intervenção humana, pois mesmo as linhas automáticas de corte de precisão e velocidade precisam de ser programadas e supervisionadas.

Sabia que uma única árvore de eucalipto pode dar origem a mais de 18 mil folhas A4? Eis as contas:

A produção de papel A4 para impressão e escrita

– Tomando como exemplo a espécie mais valorizada em Portugal para produzir papel – o eucalipto –, o tronco de uma árvore adulta tem, em média, entre 125 e 175 quilogramas de madeira seca.

– No processo de produção, mais precisamente no cozimento que transforma a madeira em pasta, o rendimento médio é de 50%. Assim, cada quilograma de madeira seca permite obter meio quilo de pasta para papel. Um só tronco permite, por isso, produzir entre 62,5 e 87,5 quilogramas de pasta (uma média de 75 quilogramas).

– Considerando que uma resma de folhas A4 de 75 gramas (500 folhas) pesa cerca de 2,3 quilogramas e tem 90% de fibras de celulose, cada resma necessita de cerca de 2,07 quilogramas de pasta. Assim os 75 kg de pasta permitem produzir 36,2 resmas de papel, ou seja, mais de 18 mil folhas.

Este valor variar consoante a espécie de árvore em causa e mesmo diferentes espécies ou híbridos de eucaliptos (Eucalyptus spp.) podem implicar ajustes. A variação dependerá também do processo produtivo (dois químicos e um mecânico) e do tipo de papel em causa. Um papel com maior gramagem e qualidade, como o usado na impressão de revistas, requer maior quantidade de fibras, enquanto um papel menos durável, como o de jornal, implicará menor quantidade.

Mais de 14 mil empregos diretos na indústria da pasta e papel

Desde a floresta à folha de papel, são muitas outras as profissões envolvidas neste processo, que nos permite ler um livro, tirar notas ou imprimir um documento.

Nesta cadeia de valor intervêm ainda os engenheiros e operadores que planeiam, gerem e executam todas as operações de gestão florestal, os motoristas que fazem o transporte da madeira para as fábricas, as equipas de embalagem, armazém e logística, o pessoal que assegura o aprovisionamento dos materiais e o que é responsável pela gestão e as vendas.

Só a indústria de pasta e papel emprega diretamente mais de 14 mil pessoas em Portugal (tinha 14,8 mil pessoas ao serviço em 2023).

Indiretamente gera muitos outros postos de emprego, tanto os que se situam a jusante, no sector da silvicultura e exploração florestal, como os que estão a montante, em todas as cadeias de valor que utilizam o papel, desde as gráficas à edição à embalagem e papelaria passando pela etiquetagem e rotulagem que estão presentes em praticamente todos os produtos.

Não pensamos na complexidade da produção de papel

Quando lemos um livro ou imprimimos um documento, raramente pensamos neste processo tão complexo e especializado, que começa na floresta.