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Espécies Florestais

Madeira de criptoméria: inovar para reforçar valor

Originária do Japão e chegada ao Arquipélago dos Açores em meados do século XIX, a criptoméria (Cryptomeria japonica) é a segunda espécie mais representada na floresta do arquipélago e a primeira na Ilha de São Miguel. Não é por isso surpresa que a madeira de criptoméria traga à região autónoma um importante contributo socioeconómico. O seu valor pode ainda reforçar-se pela aposta na inovação.

Quando o tema é a floresta açoriana, a referência à criptoméria é incontornável. A espécie ocupa cerca de 12,5 mil hectares, parte dos quais sob gestão do Governo Regional, e esta extensão reflete-se tanto na paisagem como no contributo gerado – sobretudo pela madeira de criptoméria – para o emprego e dinamização económica do arquipélago.

Este contributo traduz-se nos 1400 postos de trabalho relacionados com esta espécie florestal e nos perto de 12 milhões de euros em volume de negócios, que segundo Diretora Regional dos Recursos Florestais dos Açores, Anabela Isidoro, provêm da comercialização de madeira de criptoméria (1,8 milhões de euros da sua venda direta e 10,9 milhões da sua transformação industrial) e que têm reflexo positivo também na balança comercial açoriana.

Mesmo em contexto de pandemia, no primeiro semestre de 2020, foram exportados perto de 3 mil metros cúbicos de criptoméria para os Estados Unidos (EUA), o que representou cerca de 900 mil euros em volume de negócios. Os EUA são o seu principal destino e, segundo a responsável, foi para lá que seguiu 87% da madeira de criptoméria exportada entre 2014 e 2020.

Esta importância socioeconómica tem sido apoiada pelo investimento público na gestão das matas de criptoméria, na inovação em torno desta espécie e na sua promoção em novos sectores e mercados. A Estratégia Florestal dos Açores, publicada em 2014, traçou algumas das linhas mestras para o futuro da espécie e elas têm vindo a confirmar-se nos últimos anos: reforçar a certificação e marcação CE da madeira de criptoméria (indicador necessário para a comercialização no Espaço Económico Europeu), divulgar a marca “Criptoméria dos Açores” (inclusive em novos produtos e novos mercados) e promover a investigação e inovação em torno dos produtos florestais da região.

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Fonte: ©️ DRRF – Direção Regional dos Recursos Florestais dos Açores

A marca “Criptoméria dos Açores” foi lançada em 2014 para associar a madeira de criptoméria a novas utilizações que potenciem a sua valorização no mercado. Depois, foi também criado o Selo “Açores – Certificado pela Natureza”, agregado à Certificação da Gestão Florestal, para identificar que os produtos da floresta açoriana que o ostentam são obtidos de acordo com os critérios sociais e ambientais estabelecidos legalmente. Também este selo recorre à criptoméria como imagem de marca.

A madeira é, precisamente, o principal produto obtido destas árvores. A sua versatilidade e qualidade dão-lhe um “campo de utilização muito próprio e quase sem concorrentes”, segundo a AIMMP – Associação das Indústrias de Madeira e Mobiliário de Portugal, referindo aplicações que, além do mobiliário, incluem embalagens de madeira, lamelados e contraplacados, revestimentos e elementos de construção, inclusive de habitações.

Macia, aromática, uniforme e de tonalidade predominante rosada ou castanho-avermelhada, a madeira de criptoméria tem ainda outras utilizações, que vão desde o fabrico de colmeias a instrumentos musicais, e o Governo Regional quer ampliar estes usos como forma de aumentar o seu valor socioeconómico.

As matas de criptoméria estendem-se por mais de 12 mil hectares do território açoriano, em povoamentos puros e mistos, segundo o IFRAA1 – Inventário Florestal da Região Autónoma dos Açores, e a espécie tem maior representatividade em São Miguel, onde perfaz cerca de 35% da área florestal. A sua presença é relevante também na Terceira e no Faial. Parte significativa da criptoméria está sob gestão do Governo Regional, indica a Direção Regional dos Recursos Florestais dos Açores, nomeadamente os povoamentos que se encontram no Perímetro Florestal e nas Matas Regionais da Ilha de São Miguel.

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Inovação amplia uso da madeira de criptoméria a novas áreas da construção civil

Exemplo dessa aposta é o projeto “Promoção de madeira de criptoméria na construção. Novos produtos, oportunidades e mercados”, promovido, entre 2018 e 2020, pela Azorina – Sociedade de Gestão Ambiental e Conservação da Natureza – e que teve como parceiro o SerQ | Centro de Inovação e Competências da Floresta. “O projeto foi desenvolvido numa abordagem de aumento da competitividade da madeira de criptoméria como componente de produtos para a construção”, explica o SerQ ao Florestas.pt. Para tal, a investigação incidiu em duas frentes:

Inovação em termos de material: testou-se, com sucesso, a possibilidade de aumentar a densidade da madeira de criptoméria por ação de pressão de calor, de modo a ampliar o seu uso potencial em novas aplicações. Um exemplo é a sua a incorporação em produtos de revestimento de pisos ou de paredes interiores, que até agora não eram possíveis pela baixa densidade da madeira de criptoméria. Foi ainda estudada a possibilidade da classificação visual ou mecânica desta madeira para fins estruturais.

Inovação em termos de produto: testou-se a incorporação da madeira de criptoméria em novos produtos para a construção, como vigas (chamadas vigas i-joist), lamelados colados (em combinação com madeiras resistentes, como eucalipto e acácia) e placas para aplicação em pavimentos em combinação com betão.

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Fonte: ©️ DRRF – Direção Regional dos Recursos Florestais dos Açores

Os resultados do projeto foram apresentados num webinar técnico em setembro de 2020, embora, de acordo com o SerQ, o verdadeiro impacte do projeto só possa “ser avaliado de forma objetiva, no curto ou médio prazo, pelas ações futuras que venham a ser concretizadas pelos agentes do mercado”, nomeadamente pela adoção destes resultados por parte da indústria, tornando as novas aplicações em soluções finais, que cheguem ao mercado nacional ou internacional da construção.

Ainda assim, o centro de inovação realça o “potencial de crescimento de valor” da madeira de criptoméria através da “adoção de novas tecnologias e da aposta em produtos diferenciadores, com uma marca Açores suportada em valores de sustentabilidade”.

Além da Azorina e SerQ, também o LNEG – Laboratório Nacional de Engenharia Civil contribuiu com novos conhecimentos, que ajudaram a caracterizar a madeira de criptoméria, para permitir ultrapassar algumas das condicionantes que limitavam a sua aplicação, como as menores resistência e densidade comparativamente a outras madeiras, como o pinho-bravo (Pinus pinaster) ou o espruce (Picea abies).

Mas nem só os projetos com vista a ampliar aplicações no sector da construção civil têm vindo a reforçar o valor da criptoméria.

Das pranchas de surf aos óleos essenciais

No fabrico de pranchas de surf, que recorre tradicionalmente a materiais derivados do petróleo, a madeira de criptoméria está na base de uma alternativa mais sustentável. Com esta madeira e vários outros materiais orgânicos, como as resinas verdes, por exemplo, o surfista português Gonçalo Belmonte conseguiu desenvolver pranchas mais ecológicas. A ideia nasceu há mais de 15 anos e tem vindo a ser melhorada com o teste de diversos materiais na tentativa de ultrapassar alguns constrangimentos típicos das pranchas de madeira, nomeadamente o seu maior peso, que é sinónimo de menor desempenho. A solução foi encontrada com a aplicação de uma tecnologia de compósitos e as novas pranchas ganharam mundo com a criação da marca Breklim.

Produzidas em Portugal Continental (Alenquer), as Breklim usam madeira de criptoméria vinda diretamente da Serra da Troqueira, em São Miguel, e têm deslizado por diferentes oceanos. Por exemplo, foi numa destas pranchas que, em 2017, se fez a primeira travessia Açores – Continente em kitesurf, com mais de uma semana em alto mar e de 1500 quilómetros percorridos.

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Fonte: ©️ DRRF – Direção Regional dos Recursos Florestais dos Açores

Além da madeira de criptoméria também os desperdícios orgânicos das atividades florestais em torno da espécie encontram novo potencial, como identifica o projeto “Valorização de Sobrantes Florestais – Produção, Caracterização e Qualificação do Óleo Essencial de Cryptomeria japonica D. Don” (2019).

Após testes de produtividade numa destilaria industrial, este projeto confirmou que “a ilha de São Miguel, só por si, tem uma capacidade produtiva de cerca de 30 toneladas por ano” deste óleo essencial, usando para o efeito subprodutos da exploração florestal, como ramas e bicadas. Estes óleos essenciais têm aplicações em áreas que vão da cosmética aos biocidas e permitem a valorização de partes da árvore que são, na maioria, descartadas como desperdícios.

O volume destes sobrantes de criptoméria é elevado nos Açores, refere o mesmo estudo, mas são necessários trabalhos adicionais de caracterização do óleo essencial de criptoméria – quanto à composição química, sua variação e toxicologia, por exemplo – para que o potencial desta área possa consolidar-se. O projeto prevê, assim, novas etapas, entre as quais aprofundar a viabilidade deste óleo essencial como biocida capaz de combater os insetos que transmitem os vírus do Dengue e do Zica.

Apesar dos constrangimentos identificados, o interesse despertado pela comunicação feita em torno do potencial do óleo essencial levou à instalação de duas unidades privadas de produção de óleos essenciais, em S. Miguel e no Pico.

Estes são apenas dois exemplos de valorização da criptoméria em novos sectores, objetivo que o Governo Regional dos Açores tem vindo a apoiar também com outras medidas, como é o caso da certificação da gestão da floresta que tem sob sua gestão.

Contributos para melhorar a biodiversidade e outros serviços do ecossistema

Munido de um plano de gestão direcionado aos 3,7 mil hectares de espaços florestais do Perímetro Florestal e das Matas Regionais da ilha de São Miguel sob a sua alçada – todos eles abrangidos pela Certificação da Gestão Florestal -, o executivo tem vindo a trabalhar para um melhor equilíbrio entre os contributos económicos, sociais e ambientais desta floresta, onde existem mais de 2 mil hectares de criptoméria.

A meta de redução e substituição de 20% dos povoamentos onde a criptoméria é espécie única ou dominante por outras espécies ou por povoamentos mistos está já a decorrer e, em paralelo, substituem-se os povoamentos de criptoméria mais envelhecidos. Pretende-se, assim, aumentar a biodiversidade e valor paisagístico desta floresta, com plantação de espécies nativas e exóticas ecologicamente ajustadas à região e com povoamentos de criptoméria mais jovens e saudáveis, que se traduzem em melhorias nos serviços do ecossistema e em madeira de criptoméria de melhor qualidade.

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Em 2019, nos povoamentos florestais sob gestão do Governo Regional, o volume de material lenhoso de criptoméria extraído saldou-se em mais de 20,1 mil metros cúbicos, quantidade superior à registada nos anos anteriores: cerca de 19,7 mil em 2018 e de 18 mil em 2017. Este é o maior contributo para a meta de 32 mil metros cúbicos, definida para a extração global das espécies lenhosas, com base no cenário previsto de implementação do Plano de Gestão Florestal. Prevê-se que esta meta possa vir a ser alcançada ou até ultrapassada pelos trabalhos de reconversão de áreas produtivas e o rejuvenescimento de povoamentos.

Em virtude destes trabalhos, “verifica-se já alguma regeneração natural de espécies autóctones no sub-bosque de povoamentos de criptoméria e tem-se constatado que, após o corte e replantação de povoamentos, se o controlo de espécies invasoras for eficaz, a regeneração natural destas espécies é bastante significativa, o que é extremamente importante nas áreas que estão a ser reconvertidas para o restauro de áreas naturais e corredores ecológicos”, assinala o Relatório de Monitorização das Áreas Certificadas (2019).

Refira-se que a perda de biodiversidade nas áreas criptoméria, nomeadamente nas de mais elevada densidade, tem sido apontada como fonte de pressão para os ecossistemas. No entanto, estudos conduzidos em povoamentos de baixa densidade indicam “níveis de biodiversidade semelhantes a formações naturais da mesma altitude”, refere “Espécies florestais das ilhas IV”, uma edição com a coautoria de Eduardo Dias, um nome de referência na botânica e ecologia dos Açores.

As receitas que provêm da exploração do Perímetro Florestal e das Matas Regionais da ilha de São Miguel, entre as quais as da venda de madeira de criptoméria, são proporcionalmente divididas entre o Governo Regional dos Açores e as Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia locais.

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Fonte: ©️ DRRF – Direção Regional dos Recursos Florestais dos Açores

Além de melhorar a biodiversidade, as intervenções a decorrer, nomeadamente o rejuvenescimento dos povoamentos, poderão ainda melhorar o contributo da criptoméria noutros serviços do ecossistema, como a retenção de carbono e a proteção do solo.

Dada a sua representatividade, a criptoméria é a mais importante espécie florestal para o armazenamento de carbono na região e os povoamentos assumem também relevantes funções na proteção do solo, em especial num contexto como o dos Açores, com ventos fortes, humidade e chuva intensa, solos com grandes declives e de natureza solta.

Recorde-se que o processo de Certificação da Gestão Florestal da floresta pública nos Açores arrancou em 2014 (com 90,41 hectares do Núcleo Florestal da Achadinha) e prosseguiu no ano seguinte até abranger toda a extensão dos espaços florestais geridos pelo executivo, que além dos povoamentos para produção – onde domina a criptoméria -, integram vegetação natural, povoamentos espontâneos de espécies exóticas, Reservas Florestais de Recreio e Viveiros Florestais, pastagens baldias (arrendadas a agricultores) e infraestruturas base, como caminhos e construções.