Valorizar

Bioeconomia

Novas embalagens de celulose moldada “made in Portugal”

Vão começar a chegar ao mercado ainda em 2024 as primeiras embalagens de celulose moldada “made in Portugal” e as únicas no mundo provenientes de fibras de Eucalytpus globulus. Esta inovação é uma alternativa aos plásticos e esferovites de origem fóssil usados, por exemplo, para acondicionar refeições prontas na restauração ou vender carne e peixe frescos nos supermercados.

Cuvetes, tabuleiros, taças e pratos são algumas das novas embalagens de celulose moldada rígida que vamos começar a levar para casa quando encomendarmos o jantar ou comprarmos frescos no supermercado.

As primeiras peças de celulose moldada começaram a sair das linhas de produção da portuguesa Navigator Fiber Solutions em outubro de 2024 e chegam ao mercado sob a marca “gKRAFT Bioshield”. Entre elas estão utensílios para refeições (pratos, por exemplo) e diferentes cuvetes e tabuleiros para acondicionar carnes, peixes e outros alimentos frescos comercializados na grande distribuição, assim como refeições prontas.

A inovação foi desenvolvida no contexto da agenda de investigação From Fossil to Forest e é mais um contributo para reduzir a pegada ecológica das embalagens de uso único que dependem de matérias-primas fósseis, como as plásticas e de esferovite. Em paralelo, dá uma nova valorização a uma matéria-prima de base florestal que temos em Portugal: a fibra de eucalipto, que tem nestas embalagens de celulose moldada uma aplicação pioneira a nível global.

Fábrica de embalagens de celulose moldada Navigator Fiber Solutions

Por detrás da inovação, apoiada por financiamento do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), está um consórcio que tem como responsável o RAIZ – Instituto de Investigação da Floresta e Papel – e que envolve nas atividades de Investigação & Desenvolvimento (I&D) a Universidade da Beira Interior e a Universidade de Coimbra.

Após três anos de pesquisa, desenvolvimento e testes piloto, estas novas embalagens de celulose moldada estão a ser produzidas numa unidade instalada no complexo industrial da Navigator Company em Cacia, Aveiro.

O arranque da operação está a ser assegurado por duas linhas de produção, que passarão a quatro até final de 2024. “Durante o primeiro trimestre de 2025, passaremos a funcionar em contínuo, 24 horas, sete dias por semana, e teremos duplicado o número de empregos criados na operação industrial, que em 2024 é de 16 postos de trabalho”, refere o diretor desta nova área de celulose moldada para embalagens rígidas, Luís Rodiles. A capacidade produtiva rondará então os 100 milhões de peças por ano.

Celulose moldada em embalagens funcionais, sustentáveis e recicláveis

O aspeto e funcionalidade das novas soluções em celulose moldada que estão já a ser produzidas é essencialmente o mesmo dos materiais de mesa descartáveis e das caixas plásticas que vemos nos lineares de frio dos supermercados. No entanto, o seu impacte ambiental é significativamente menor, uma vez que a fibra de eucalipto na sua origem é um material orgânico e biodegradável, proveniente de florestas com gestão certificada.

Da moldagem desta mesma matéria-prima podem produzir-se embalagens rígidas com diversas dimensões e formatos, destinadas a variados sectores, da cosmética à eletrónica e aos produtos de luxo.  A área alimentar, por ser uma das que mais recorre às embalagens de uso único, foi considerada prioritária.

Por estarem em contacto direto com alimentos frescos ou cozinhados, estas embalagens são das mais exigentes, sendo necessário garantir que existe entre a celulose e os alimentos uma barreira que os preserve nas melhores condições.

“Nestas embalagens destinadas a conter alimentos embalados em ambiente industrial, como é o caso da proteína crua (carne ou peixe) e das refeições prontas, é indispensável a laminação, ou seja, a aplicação de um filme protetor plástico para conferir barreira ao oxigénio, garantindo a preservação dos alimentos”, explica Luís Rodiles. “Mas queríamos que as embalagens pudessem ser totalmente recicladas”. Por isso foi desenvolvida uma nova solução, em que esta película tem uma ponta destacada, que se puxa, para separar o plástico da celulose. O primeiro segue para o contentor do plástico e a segunda para o do papel.

“Mesmo com este filme, estamos a reduzir em até 90% o uso do plástico face a uma embalagem plástica semelhante”, diz o responsável, esclarecendo que muitas das embalagens tradicionais contêm igualmente dois tipos de plásticos – o da embalagem propriamente dita e o da barreira – formando um compósito que não é reciclável e que só pode ser aproveitado para queima energética.

“Tem havido na legislação europeia um grande foco em reduzir os utensílios e as embalagens plásticas de uso único em take-away, mas tem sido dada pouca atenção às alternativas para estas embalagens de plástico que se usam às centenas de milhares todos os dias nos supermercados (a acondicionar a carne, por exemplo) e que não são nem reutilizáveis nem recicláveis.

Exemplo de embalagens de celulose moldada Navigator Fiber Solutions

Nas embalagens para alimentos embalados em ambiente industrial, é necessário colocar um revestimento protetor – uma película invisível aos nossos olhos, que evita a oxidação dos produtos frescos. No caso das novas embalagens de celulose moldada para alimentos, esta película remove-se, separando o plástico e a celulose, para que ambos possam ser reciclados (a película no plástico e a embalagem no papel). Noutro tipo de embalagens, esta película não será colocada.

A menor pegada ambiental das novas embalagens de celulose moldada não lhes retira funcionalidade e podem inclusive ser aquecidas até aos 90 graus, tanto no forno como no micro-ondas: “já foram feitos os testes internos que o confirmam e estão a decorrer ensaios em laboratórios independentes que vão permitir esta certificação”.

Embalagens de celulose moldada Navigator Fiber Solutions permitem conter líquidos

Embora as embalagens não sejam concebidas para ser lavadas, resistem à humidade e podem estar temporariamente em contacto com a água sem se deteriorar.

Este tipo de características permite pensar no futuro desenvolvimento de uma gama mais ampla de soluções, que inclui copos, por exemplo, tanto para bebidas frias como para bebidas quentes. Um copo para café é, aliás, um dos formatos que está a ser desenvolvido.

As primeiras embalagens de celulose moldada a partir de Eucalyptus globulus

A celulose que se obtém a partir da madeira de Eucalyptus globulus destina-se, tradicionalmente, ao fabrico de papéis de escrita e a embalagens mais simples, como envelopes, sacos ou caixas coladas. Embora novas bioaplicações estejam a ser desenvolvidas em várias áreas, nunca até aqui a pasta desta madeira tinha sido objeto de moldagem para criar embalagens rígidas tridimensionais para acondicionar diferentes produtos, a começar pelos mais exigentes alimentos frescos e cozinhados.

Em teoria, antecipava-se que espécies florestais de fibras longas seriam as mais adequadas à fabricação de produtos moldados. Espécies como o espruce-da-Noruega (Picea abies) ou o abeto-de-Douglas (Pseudotsuga menziesii), que crescem no clima mais frio do norte europeu, têm fibras mais longas que as do Eucalyptus globulus, e desconhecia-se que a pasta proveniente das fibras de eucalipto, uma espécie florestal com fibras curtas, poderia adequar-se.

No entanto, após testes de composição fibrosa e condições de processo, a pasta de eucalipto demonstrou ter a flexibilidade e robustez requeridas – um resultado semelhante àquele, que há cerca de 70 anos, esteve na escolha desta espécie como matéria-prima da Companhia Portuguesa de Celulose.

De acordo com Luís Rodiles, a celulose proveniente de eucalipto e obtida com tecnologia kraft tem ainda a vantagem de trazer às embalagens um acabamento mais perfeito e um toque mais suave, que contribuem para a sua uniformidade e qualidade.

Eucalyptus globulus: aplicação inédita em embalagens de celulose moldada

Formada por açúcares (glicose), a celulose é o principal constituinte da parede celular das plantas e o principal componente da madeira – uma espécie de cimento que sustém as células vegetais.

A adoção da nova matéria-prima foi um dos desafios superados pelo processo de I&D, mas entre o outono de 2021 e o de 2024, muitos outros foram ultrapassados. Encontrar a tecnologia de moldagem adequada esteve entre eles.

Na Europa, a produção de soluções de celulose moldada assenta maioritariamente em tecnologias antigas, destinadas à produção de caixas de ovos ou de suportes para acondicionar eletrodomésticos. São embalagens de aspeto tosco, muito diferentes das embalagens de celulose moldada rígida ambicionadas e são feitas de materiais reciclados que não têm os requisitos adequados para conter alimentos frescos, explica Luís Rodiles.

“Após prospeção a nível internacional, encontrámos os que acreditamos serem os melhores parceiros tecnológicos a nível de termoformação, laminagem e propriedades barreira, e é com eles que temos vindo a trabalhar no desenvolvimento e implementação deste projeto”, refere.

“Criar estas embalagens de celulose moldada é meio ciência, meio arte”, diz Luis Rodiles, Molded Fiber Business Diretor, referindo-se também aos desafios inerentes ao design das embalagens. Ninguém em Portugal tinha experiência de desenho industrial para moldagem de celulose: “Os designers portugueses estavam habituados a desenhar para plásticos, mas a celulose tem uma resposta diferente. Houve um processo de aperfeiçoamento evidente, que permite termos hoje embalagens com grande qualidade e perfeição.”

Produzir em Portugal e exportar em vez de importar

As fibras que são usadas na Ásia para moldagem provêm sobretudo de cana-de-açúcar, uma matéria-prima cuja sustentabilidade é pouco escrutinada (tanto a nível ambiental, como social, na vertente da mão-de- obra) e cujos produtos finais chegam ao destino sem certificações.

“A China, por exemplo, já produz e exporta para a Europa inúmeros utensílios de mesa – o chamado tableware – e embalagens de take-away moldados a partir do bagaço da cana-de-açúcar, mas não há, por parte de quem importa, controlo sobre o compliance dos produtos com a regulação da União Europeia a nível dos químicos utilizados para conferir propriedades barreira, e muito menos sobre eventuais contaminações com produtos utilizados no cultivo da cana-de-açúcar, nomeadamente os pesticidas. E sabemos que a planta absorve estes químicos”, refere o responsável, acrescentando que, com a pasta de eucalipto, todo o processo é controlado e obtém-se uma alternativa limpa.

Embalagens de celulose moldada são alternativa aos plásticos

Outro benefício das embalagens de celulose moldada feitas em Portugal sublinhado pelo responsável relaciona-se com as emissões de gases com efeito de estufa decorrentes do transporte, que assim são evitadas: “Cada contentor que vem da Ásia para a Europa gera o equivalente a quase tonelada e meia de CO2”.

As novas embalagens “made in Portugal” vão começar por servir o mercado português e o espanhol. São estes os mercados iniciais da Navigator Fiber Solutions, embora vários outros países europeus já tenham demonstrado interesse nestas soluções. “Poderemos exportar para outros destinos no futuro, mas privilegiaremos mercados geograficamente próximos da produção”.