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Árvores Monumentais

O pinheiro marítimo que lembra uma serpente

Chamam-lhe pinheiro marítimo, mas é na verdade um pinheiro-bravo (Pinus pinaster Aiton) igual a tantos outros. Por nascerem junto ao oceano, estes pinheiros foram “dobrados” pela teimosia dos ventos e sal marinhos, que os forçaram a crescer junto ao solo, em emaranhados ondulantes que lembram serpentes.

A forma tentacular deste pinheiro marítimo, tão diferente dos outros pinheiros-bravos do interior, é responsável pelo seu valor cultural, histórico, artístico e paisagístico, tornando-o numa atração turística e educativa. Vários exemplares e bosques destes pinheiros foram, por isso, considerados árvores monumentais e de interesse em Portugal. Foi o caso do Pinheiro Serpente, localizado na Mata Nacional de Leiria (no talhão 231, parcela A), assim chamado pela sua bizarra forma e classificado em 1997 como árvore de “interesse público”.

De acordo com a caracterização feita pela lista de árvores emblemáticas do Pinhal do Rei, terá cerca de 100 anos e 10 metros de altura, mas “não é, obviamente, pela altura que se destaca!”. O que torna realmente espantoso este pinheiro marítimo são as “várias pernadas que se estendem pelo solo, ocupando uma área de cerca de 260 m2”, refere a ficha do ICNF que o descreve, lembrando que os seus troncos e ramos fazem lembrar uma gigantesca serpente, “cuja forma caprichosa se deve à ação do vento”.

São, precisamente, os ventos dominantes que moldam o crescimento horizontal destas árvores, ao dobrar ou quebrar os ramos que se elevam a maior altura. Esta modelação serve simultaneamente como defesa para o pinheiro marítimo e para outras plantas, que encontram junto do solo uma menor pressão do vento. Este tipo de ação modeladora é comum em todo o litoral português, sobretudo nas zonas mais ventosas, resultando na típica forma rasteira e arredondada de diversas espécies que crescem nesses locais (desde a sabina-da-praia a estevas ou tojos, só para citar alguns exemplos).

Para ver o Pinheiro Serpente ao vivo, basta seguir as coordenadas 39° 46.880’N · 9° 00.981’W. Enquanto não segue viagem, poderá conhecer este pinheiro marítimo pelas fotografias de Raquel Pires Lopes, da Universidade de Aveiro – Research Centre on Didactics and Technology in the Education of Trainers: uma investigadora apaixonada pelas árvores das nossas florestas e cidades.

Pinheiro marítimo ou pinheiro-bravo? Estes exemplares de pinheiros rastejantes do litoral são pinheiros-bravos (espécie Pinus pinaster). No entanto, a sua localização geográfica proporcionou-lhes algumas características distintivas de outros pinheiros-bravos que estão mais longe do mar. Daí que possam também ser chamados de pinheiro marítimo – nome que abrange diferentes exemplares de Pinus pinaster costeiros, mesmo os que apresentam um crescimento vertical tradicional. De lembrar que os pinheiros marítimos predominantemente horizontais são mais vulneráveis à ação humana (estão sujeitos a ser pisados por visitantes desatentos, por exemplo ).

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© Raquel Pires Lopes, FollowMyTree

Outros exemplares de pinheiro marítimo podem ser vistos, entrelaçados e serpenteantes, em zonas arenosas e próximas das praias, em especial na região centro – junto à Praia de Pedrogão, por exemplo, onde existem também árvores classificadas pelo ICNF. Este fenómeno ocorre em várias partes do mundo, como na Polónia e na Suécia (nas imagens), já que o pinheiro-bravo é uma espécie dispersa pelo globo.

Polónia
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Suécia
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Pinheiro marítimo: a fixação das dunas que mudou a paisagem

Em Portugal, a presença do pinheiro marítimo junto ao litoral decorre da estratégia iniciada, há mais de século, de travar os avanços das areias costeiras através da plantação de arbustos e árvores, sendo o pinheiro-bravo usado, na altura, como uma “espécie barreira”.

A costa marítima era constituída por vastas extensões de areias (dunas móveis) que se movimentavam ao sabor do vento. A invasão de terrenos agrícolas, estradas e a obstrução da foz dos rios por estas areia causava graves prejuízos para as populações em redor. Em resposta, foram feitas algumas tentativas de arborizações nas dunas do pinhal de Leiria, no final do século XVIII, assim como sementeiras nos areais de Aveiro e Ovar, que acabaram por se revelar infrutíferas.

A fixação sistemática das dunas litorais através da arborização deve-se a José Bonifácio de Andrada e Silva, que estabelece as regras a seguir nestas intervenções, na sua obra de 1815. Foram feitas algumas sementeiras de pinhal nas dunas a partir de 1850, mas só quando foi nomeada uma comissão, em 1896, para elaborar o projeto de arborização das dunas móveis, é que as iniciativas se intensificam e começam a dar resultado. O projeto abrangia uma área de 40,6 mil hectares.

Em 1815, no primeiro livro português de Silvicultura, “Memória sobre a necessidade e utilidade do plantio de novos bosques em Portugal”, José Bonifácio de Andrada e Silva apela à plantação de novas áreas (por sementeira) sobretudo no litoral. Salienta a necessidade de controlar as areias “que vão entupindo e arruinando nossos rios e barras, e esterilizando progressivamente terrenos outrora productivos”.

A fixação e a arborização sistemática das dunas litorais foram iniciadas no começo do século XIX, numa localidade da Figueira da Foz (Couto de Lavos) e terminaram já no século XX (década de 30), naquela que terá sido uma das mais extensas obras de engenharia florestal nacionais no tempo e no espaço. Foi um trabalho de mais de 100 anos e mais de 23,3 mil hectares de dunas arborizadas, desde Camarido (no litoral norte, em Caminha) a Vila Real de Santo António (no sotavento algarvio, junto à fronteira). Uma intervenção que mudou a paisagem e levou o verde a uma costa onde ele não existia:

– Até 1896: 2891,24 hectares;

– De 1897 a 1927: 8045,78 hectares;

– De 1927 a 1936: 12413,31 hectares.

A presença de floresta nestes solos arenosos, contribuiu decisivamente para a sua fixação ao impedir a erosão eólica a que estão sujeitos. Estas intervenções contribuíram ainda para o enriquecimento orgânico dos sistemas dunares, permitindo a instalação de outras espécies, mais exigentes do que o pinheiro-bravo.

As dunas com florestas de pinheiros – Pinus pinea ou Pinus pinaster subsp. atlantica – são hoje um habitat prioritário para conservação (habitat 2270) no âmbito da Diretiva Habitats.