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Plantas carnívoras em Portugal para descobrir de Norte a Sul

Não é preciso fugir nem sequer recuar. Apesar do nome remeter para imagens fantásticas, as plantas carnívoras não são gigantescas nem tentaculares e não corremos o risco de integrar o seu menu. Da vulnerável erva-pinheira-orvalhada às orvalhinhas (Droseras), descubra quais são as espécies de plantas carnívoras em Portugal.

São pequenas, frágeis e da sua ementa constam essencialmente pequenos insetos. São assim as plantas carnívoras – ou insetívoras – e todas elas beneficiam de adaptações que lhes permitem capturar e digerir pequenas presas, que complementam a sua alimentação. As espécies de plantas carnívoras em Portugal não são exceção.

O complemento nutricional é essencial à sobrevivência das plantas carnívoras. Apesar de realizarem a fotossíntese, estas espécies vivem habitualmente em locais com abundância de água, nos quais grande parte dos minerais são levados pela corrente ou pelas chuvas, o que deixa os solos mais pobres em nutrientes e mais ácidos, explica a APPC – Associação Portuguesa das Plantas Carnívoras.

Face à escassez de nutrientes essenciais, as plantas carnívoras tiveram de transformar as suas folhas em minúsculas armadilhas capazes de capturar nutrientes e os insetos são a fonte mais abundante ao seu alcance.

Descritas apenas 8 plantas carnívoras em Portugal

Existem mais de 800 espécies registadas na base de dados da Sociedade Internacional de Plantas Carnívoras (International Carnivorous Plant Society), mas a APPC descreve apenas oito plantas carnívoras em Portugal, que pertencem a três famílias:
Drosophyllaceae: erva-pinheira orvalhada ou Drosophyllum lusitanicum;
Droseracenae: duas orvalhinhas – Drosera intermedia e Drosera rotundifolia;
Lentibulariaceae: cinco espécies destas famílias, que pertencem a dois géneros diferentes: Pinguicula – as de locais húmidos Pinguicula vugaris e Pinguicula lusitanica; Utricularia – as que vivem submersas Utricularia australis, Utricularia gibba e Utricularia subulata.

Vamos conhecê-las:

Erva-pinheira-orvalhada (Drosophyllum lusitanicum)

Drosophyllum lusitanicum

As gotas que vemos nas folhas de Drosophyllum lusitanicum não são de orvalho, embora o seu nome comum erva-pinheira-orvalhada assim o sugira. O nome em latim deriva também deste aspeto: drosos significa orvalho em latim e phyllum significa folha. Estas gotas são, na verdade, a substância viscosa que permite a estas plantas carnívoras capturar e digerir os insetos de que se alimentam.

“Várias glândulas ao longo da folha produzem este muco, que atrai as presas com o seu aroma adocicado”, explica a APPC. À medida que os insetos se tentam movimentar ao longo das folhas, a secreção é estimulada e acaba por envolver toda a presa. De seguida, são segregadas enzimas digestivas que ajudam a absorver as partes nutritivas do inseto e a fortalecer a planta, conhecida como a espécie mais emblemática de planta carnívora em Portugal.

A sua notoriedade nacional é simples de explicar: esta carnívora só existe em Portugal, no sul de Espanha e no norte de Marrocos (é endémica desta região) e é no nosso país que ela é mais representativa, razão por que é por vezes referida como a “Planta Carnívora Portuguesa”.

Em Portugal, a erva-pinheira-orvalhada, também conhecida como pinheiro baboso, é mais comum no litoral, em clareiras e orlas de bosques e de plantações florestais. Na primavera, é fácil distingui-la graças às suas flores amarelas.

Apesar da representatividade da espécie no nosso país, está classificada como “Vulnerável” na Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental. No Sudoeste português, uma das regiões onde estão identificados mais núcleos de erva-pinheira-orvalhada, já decorrem programas de conservação, inclusive em colaboração com produtores florestais.

A erva-pinheira-orvalhada é uma das maiores plantas carnívoras nativas, chegando a ultrapassar 40 centímetros de altura em adulta.

Orvalhinhas (Drosera intermedia e Drosera rotundifolia)

Drosera intermedia

Droseros significa orvalhada em latim e é também daí que vem o nome destas duas pequenas espécies. São mais dois exemplos de plantas carnívoras em Portugal que produzem gotas semelhantes a orvalho. Podem ser encontradas sobretudo em áreas húmidas, como margens de linhas de água, charcos, lagoas, prados encharcados ou outros locais temporariamente alagados.

A primeira orvalhinha (Drosera intermedia) tem cerca de dez centímetros e a segunda (Drosera rotundifolia) é ainda mais pequena, com cerca de sete. Ambas têm um tom rosado e folhas que lembram pequenas colheres – mais ovais no primeiro caso e mais redondas no segundo – delimitadas por finos tentáculos. A palavra rotundifolia deriva inclusivamente do latim rotundos – redondo e folius – folha. É nestes tentáculos que se localizam as glândulas que segregam as pequenas gotas viscosas usadas para atrair e apanhar as presas.

Drosera rotundifolia

No nosso país, a Drosera intermedia está mais representada no litoral atlântico, enquanto a Drosera rotundifolia é mais comum a norte, nas zonas de montanha. No verão (julho e agosto), estas duas orvalhinhas ganham pequenas flores brancas.

A família Droseracenae a que pertencem estas espécies autóctones é composta por uma extensa lista de plantas, na maioria carnívoras e que têm a mesma secreção viscosa para capturar as suas presas. A Drosophyllum lusitanicum era até há pouco considerada parte desta mesma família, mas a existência de várias características distintivas – as suas folhas não têm movimento e crescem em forma de roseta, por exemplo – levou à sua individualização numa família diferente.

Pinguicula vulgaris e Pinguicula lusitanica

Pinguicula vulgaris

O seu nome derivado do latim pinguis, que significa gordura, pois estas espécies têm na parte superior das folhas minúsculos tentáculos que produzem um líquido viscoso que dá às folhas um aspeto engordurado. Quando os insetos pousam, atraídos pelo odor a cogumelos putrefactos produzido pela planta, este líquido funciona como uma cola, que os prende. As plantas quando sentem os insetos presos, enrolam as folhas para os envolverem melhor e conseguirem decompor.

A Pinguicula vulgaris tem cerca de 12 centímetros e a lusitanica menos de metade (perto de cinco). Ambas habitam em locais muito húmidos, alagados e pantanosos. São plantas de caule curto e com folhas dispostas em roseta. Durante o inverno, esta roseta é tudo o que fica visível, já que entram numa espécie de hibernação que as protege do frio.

Pinguicula lusitanica (© Jardim Botânico da UTAD)

No verão (junho e julho), do centro das rosetas emerge uma haste com uma flor única. A P. vulgaris tem a flor mais escura, de tonalidade violeta e com interior esbranquiçado; a floração da espécie P. lusitanica começa mais cedo, em abril, e mantém-se até agosto, com uma flor bastaste mais clara – branca rosada ou lilás pálido.

Apesar do nome, a Pinguicula vulgaris é rara em Portugal, existindo apenas uma população conhecida no Norte, enquanto a Pinguicula lusitanica pode encontrar-se de norte a sul. Embora chamada de lusitanica, ela existe noutras regiões europeias além de Portugal, como Espanha, França e ilhas britânicas.

Ambas pertencem à família das Lentibulariaceae, que conta com mais de 70 espécies, entre as quais estão também três outras plantas carnívoras em Portugal do género Utricularia.

Utricularia australis, Utricularia gibba e Utricularia subulata

Utricularia australis

Estas espécies usam uma estratégia diferente para capturar insetos, através de aspiração, considerada pela APPC “a maneira mais avançada que qualquer outra”. As plantas usam órgãos com formato semelhante a bexigas que esvaziam para criar vácuo e sugar para o interior os pequenos insetos. O seu nome – Utricularia – deriva do latim utricularius, que significa pequena bexiga. Perto da abertura destes pequenos sacos existem pelos sensitivos que servem de gatilhos para a planta aspirar a sua presa. Os insetos ficam presos no interior desta estrutura, sendo digeridos e absorvidos pela planta.

A Utricularia australis e a U. gibba (cujo nome deriva do latim gibbus, que significa bossa) são plantas aquáticas que vivem submersas, tornando-se mais visíveis no verão quando estão em floração. Vivem em suspensão, com ramos longos e folhas finas com o aspecto de raízes nas quais se podem encontrar as bexigas. A U.australis tem flores entre junho e setembro, que se apresentam em conjuntos de 4 a 10 flores num caule de cerca de 20 cm. As flores são pequenas, amarelas e com uma pequena coloração vermelha. As flores amarelas da U. gibba apresentam uma pequena bossa, caules mais pequenos e em menor quantidade que a espécie anterior (1 a 3 flores por haste).

Utricularia gibba

Embora viva no mesmo tipo de habitat, a Utricularia subulata cresce no solo, ficando as pequenas folhas à superfície da água e as bexigas debaixo de terra. Também floresce no verão, com pequenas flores amarelas. Pensa-se que possa já estar extinta no nosso país, pois não há evidência de registos.

A Utricularia australis é comum em muitos locais do mundo (foi encontrada na Austrália) e em Portugal pode ser vista do Minho ao Baixo Alentejo, embora dispersa e com poucas populações. Esta escassez faz com que esteja classificada na Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental como uma espécie “Vulnerável”. Como vive submersa em charcos, pequenos lagos e turfeiras, as ameaças que a colocam em risco vêm também do meio aquático, como é o caso da poluição, de plantas exóticas aquáticas e da expansão do lagostim-vermelho-do-Louisiana.