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Solo

Biodiversidade do solo representa mais de um quarto da diversidade da vida terrestre

Mais do que apenas uma superfície, o solo é um ecossistema complexo. A biodiversidade do solo representa mais de 25% da diversidade de vida terrestre e do seu equilíbrio dependem muitas outras formas de vida. Saiba qual é a importância dos milhares de espécies que habitam o solo - em abundância e variedade - neste artigo em colaboração com a investigadora Isabel Brito.

A ideia de que o solo é apenas o substrato físico onde crescem as plantas ainda persiste. Contudo, ele é muito mais do que apenas um suporte. É no solo que a vida terrestre começa e acaba e, se este ciclo for comprometido, arriscamos perder o que se passa acima dele. Manter este ciclo significa preservar a biodiversidade do solo, promovendo o equilíbrio das diferentes formas de vida que dependem umas das outras e da estrutura do solo.

O solo é uma associação de material mineral rochoso, matéria orgânica, ar, água e organismos vivos em constante interação. A sua estrutura assenta na forma como as partículas que o constituem e os espaços vazios (os poros) se distribuem. Os de grande dimensão (macroporos) permitem a entrada de ar no solo e a drenagem, essenciais para a atividade biológica, enquanto poros menores (mesoporos e microporos) retêm água, em vários graus de disponibilidade, permitindo que chegue às raízes das plantas e a outros organismos.

Os solos são, deste modo, os principais centros organizadores dos ecossistemas terrestres: uma matriz porosa de matéria mineral e orgânica, que suporta uma complexa atividade biológica.

Os organismos vivos, especialmente os microrganismos – parte importante da biodiversidade do solo -, constituem um dos pilares fundamentais da sua fertilidade e produtividade. A atividade decompositora destes seres microscópicos permite transformar a matéria orgânica e libertar os elementos minerais de que as plantas precisam para crescer. Esta ação é fundamental para garantir a vida na Terra, mas a atividade dos microrganismos do solo está longe de se esgotar aqui.

Os solos são um importante ecossistema. A biodiversidade e as relações que se estabelecem entre os milhões de espécies que nele habitam são, por sua vez, o que mantém o equilíbrio deste ecossistema. Dele depende também a vida na sua superfície.

Os vários elementos que compõem a estrutura de determinada secção do solo e nela interagem constantemente, sobretudo a uma escala microscópica, permitem criar uma enorme diversidade de micro-habitats que proporcionam variados nichos de sobrevivência, ocupados por diferentes microrganismos.

Elementos biológicos e minerais presentes no solo

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Biodiversidade do Solo Gráfico

A imagem representa uma secção transversal de solo, de aproximadamente 20 mm de largura, como uma matriz mineral-orgânica porosa e biologicamente ativa. As setas laranja mostram componentes não vivos, enquanto as setas azuis mostram componentes biológicos. “μm” significa micrómetros (milionésima parte do metro).

Biodiversidade do solo é maior junto à superfície e em torno das raízes

Na zona mais superficial do solo há mais oxigénio e, como muitos microrganismos precisam dele para viver, a sua abundância é mais elevada nessa zona. Os microrganismos são também mais frequentes na proximidade das raízes das plantas, pois elas libertam substâncias que funcionam como substrato – alimento que lhes permite crescer. Mesmo depois de morrerem, as plantas continuam a permitir a atividade de vários microrganismos que se alimentam da sua matéria orgânica em decomposição (os microrganismos saprófitas). A partir de uma distância de muito poucos milímetros da raiz, a atividade microbiana no solo decai consideravelmente.

Os organismos que habitam o solo pertencem a dezenas de milhares de diferentes grupos taxonómicos ou taxa (Reinos, Espécies, etc.). Estima-se que um grama de solo contenha até mil milhões de bactérias, até 200 metros de hifas fúngicas (células que formam o micélio dos fungos, uma estrutura semelhante às raízes nas plantas) e uma ampla gama de organismos, incluindo nematóides, minhocas e artrópodes. Na área de um campo de futebol (cerca de 1 hectare) pode existir até uma tonelada de bactérias, a massa correspondente a duas vacas.

São números impressionantes que decorrem da dimensão microscópica destes organismos e das características do solo como suporte de vida, com a multiplicidade de micro-habitats que proporciona.

Os solos são considerados um dos habitats com maior diversidade biológica da Terra. Existem mais organismos vivos numa colher de chá de solo do que habitantes na Terra. Estes microrganismos do solo estabelecem entre eles, e também com as plantas, interações de vários tipos – mutualismo, parasitismo, cooperação, predação, competição -, que são tanto mais diversas e importantes quanto maior a biodiversidade de um dado solo.

Para além da mineralização da matéria orgânica, ou seja, da decomposição das substâncias orgânicas em minerais, os microrganismos do solo desempenham uma série de importantes funções. Fungos e bactérias revestem as paredes dos poros, ajudando à agregação de partículas que estabilizam a sua estrutura. A atividade microbiana permite a libertação de elementos que ficam fortemente ligados às partículas do solo, como por exemplo vitaminas e aminoácidos, que são importantes para o crescimento das plantas.

De entre os importantes contributos da atividade bacteriana está a fixação do azoto atmosférico. Quando se associam com a raiz de plantas leguminosas (favas, grão-de-bico, trevos, luzerna), os organismos fixam este nutriente essencial ao crescimento das plantas, mas o seu contributo pode passar ainda pela produção de substâncias com interesse para a medicina, como é o caso de antibióticos, e pela degradação de compostos estranhos aos seus organismos, a exemplo de poluentes ou pesticidas.

O resultado das interações que se estabelecem entre certos microrganismos (como a predação, por exemplo) e entre eles e as raízes das plantas (como seja o mutualismo das micorrizas arbusculares) pode contribuir também para a bioproteção natural das culturas agrícolas, florestais e agroflorestais.

Travar a perda de biodiversidade do solo está entre os grandes desafios da sua gestão

A diversidade e abundância de microrganismos presentes no solo e das interações que se estabelecem – entre eles e deles com as plantas – alteram-se naturalmente, mas alteram-se com mais intensidade pela ação humana e pelos usos que fazemos do solo, causando desequilíbrios difíceis de restaurar.

Quanto mais intensivo for o uso do solo, maiores tendem a ser as alterações e desequilíbrios: quando se constrói uma estrada, por exemplo, o solo é compactado e impermeabilizado, transformando-se profundamente, mas também quando se mobiliza a terra para criar um campo agrícola ou se aplicam fertilizantes e pesticidas estamos a alterar o ecossistema solo, diminuindo a diversidade e quantidade de espécies (incluindo plantas, fungos e bactérias) nele presentes. Por esta via diminuem as possibilidades de interação, assim como a redundância e complementaridade de ação entre os organismos do sistema, perdendo-se parte das suas funções naturais. Como resultado, o ecossistema torna-se mais frágil e menos resiliente.

No atual contexto de alterações climáticas, em que a frequência de eventos extremos é maior, assim como a possibilidade de incidência de novas pragas e doenças, a perda de resiliência do sistema solo é ainda mais preocupante. A par da diminuição das perdas de solo devido à erosão, o aumento do seu teor em matéria orgânica, a melhoria das condições de drenagem e a redução da perda de biodiversidade são os maiores desafios na gestão e conservação do solo.

Existe atualmente vasto conhecimento sobre a diversidade dos microrganismos do solo, as várias funções que podem desempenhar e as interações que podem estabelecer, mas sabemos menos sobre como potenciar este precioso recurso, conciliando a sua função ecológica e produtiva. A primeira é essencial à vida, mas da segunda dependem também os bens que sustentam a vida e a sociedade humana, incluindo a alimentação de uma população mundial em crescimento.

Nos últimos anos tem-se assistido ao desenvolvimento de diversos produtos destinados a introduzir ou reforçar alguns tipos de microrganismos do solo – os chamados inóculos. A utilização destes inóculos comerciais deve, no entanto, ser criteriosa porque a sua aplicação massiva pode provocar desequilíbrios (não intencionais) no ecossistema solo. Dificilmente estes produtos terão exatamente os mesmos microrganismos que existiam naturalmente no solo, em quantidade, diversidade e adaptabilidade.

Num contexto de intensificação sustentável dos sistemas produtivos – em que se pretende produzir mais e com maior eficiência na forma como se usam os fatores produtivos, incluindo os recursos naturais – é fundamental que se mantenha a lógica ecológica da produção, com boas-práticas que favoreçam a presença dos microrganismos nativos do solo e potenciem a sua ação. A aposta na conservação da biodiversidade do solo será sempre ganhadora, uma vez que amplia as interações e resiliência deste ecossistema.

*Artigo em colaboração

Isabel Brito

Isabel Brito é professora no Departamento de Biologia da Universidade de Évora (Escola de Ciências e Tecnologia) e membro do MED – Mediterranean Institute for Agriculture, Environment and Development. Desde há mais de 20 anos, faz investigação sobre micorrizas arbusculares em contexto de agricultura de conservação, na região mediterrânica. O seu estudo tem incidido na adequação das práticas culturais (mobilização do solo, controle de infestantes, uso de culturas de cobertura) de modo a potenciar os benefícios decorrentes da micorrização por fungos nativos e sua diversidade funcional, na proteção de plantas contra stresses bióticos e abióticos.

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