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Levadas da Madeira: caminhos de água e floresta para descobrir espécies raras

Numa região em que a floresta é Património Mundial, caminhar pelas levadas da Madeira é uma forma única de descobrir uma natureza exuberante, onde persiste a mais extensa floresta Laurissilva das ilhas atlânticas, testemunho da natureza ancestral da região.

Prologam-se por mais de 3 mil quilómetros e serpenteiam veredas íngremes, cumes montanhosos, túneis naturais que atravessam a rocha, lagoas cristalinas e vegetação exuberante, sempre ao som da água corrente. Falamos das levadas da Madeira, um conjunto de percursos que convidam a momentos únicos de comunhão com a natureza.

Principal motivo de visita para os turistas que se deslocam de férias à Ilha da Madeira, estes engenhosos sistemas de irrigação tornaram-se importantes pelas experiências que proporcionam. Ainda assim, não foram esquecidas as razões que os fizeram nascer.

A sua origem confunde-se com a do povoamento da ilha: quando os primeiros colonos chegaram à Madeira, de 1425 em diante, introduziram várias culturas agrícolas como a cana-de-açúcar ou a vinha, mas precisaram de encontrar soluções para irrigar os terrenos onde a água doce era escassa. Foi, assim, iniciada a construção de uma rede de canais para que a água pudesse circular desde a encosta norte, onde é abundante, até aos terrenos mais aráveis e povoados a sul.

Datam de há perto de seis séculos as primeiras levadas da Madeira, mas a sua construção progressiva “marcou a região desde o século XV até à atualidade, porque representa uma obra que contraria o relevo acentuado e muito irregular da ilha”. Este esforço permitiu cultivar pequenas parcelas agrícolas que, de outra forma, não poderiam ser aproveitadas, recorda-se em “Património e turismo ecocultural”.

Segundo rezam as crónicas da época, as primeiras levadas mais não eram do que canais pouco extensos escavados na rocha e com alguns segmentos feitos de grossas tábuas. A necessidade crescente de irrigar as plantações levou ao aumento da sua extensão e à utilização de técnicas mais robustas.

Hoje, a rede de levadas ultrapassa os 3 mil quilómetros, numa ilha com pouco mais de 700 quilómetros quadrados, e a sua importância não se limita à função original. Testemunho notável da história humana, as levadas da Madeira fazem parte de “um património cultural tão excecional que transcende as fronteiras nacionais e se reveste de carácter inestimável para as gerações atuais e futuras”, refere a Comissão Nacional da UNESCO no resumo da avaliação que levou à inclusão das levadas na Lista Indicativa de Portugal ao Património Mundial da UNESCO.

Caminhar por uma das levadas da Madeira é descobrir a Laurissilva, floresta endémica da Macaronésia – região formada pelos arquipélagos da Madeira, Açores, Canárias e Cabo Verde -, em percursos que levam os visitantes até aos pontos mais altos da ilha e ao encontro de inúmeras espécies raras, algumas únicas da Madeira, outras vindas dos mais remotos locais do mundo.

Dois caminhos da água e floresta

Integradas num conjunto de áreas protegidas, das quais se destaca o Parque Natural da Madeira, as levadas da Madeira preenchem os requisitos de quem procura uns dias longe do rebuliço urbano e quer conhecer uma “Madeira majestosa que escapa ao turista apressado e ao residente acomodado ao automóvel”. Da levada do Rei à levada das 25 Fontes, são vários os caminhos da água que a desvendam.

Escolha um dos 30 percursos recomendados e siga à descoberta dos muitos recantos da ilha e de uma flora e fauna ricas em espécies únicas no mundo. A floresta Laurissilva, classificada Património Mundial Natural pela Unesco desde dezembro de 1999, integra a Rede Europeia de Sítios de Importância Comunitária.

Antes de partir à aventura, informe-se se o percurso está aberto ao público e leve água, roupa e calçado adequados. A maioria dos itinerários são acessíveis a caminhantes menos experientes, mas vários têm declives acentuados, zonas humedecidas por quedas de água e longas extensões, pelo que há diferentes graus de dificuldade a ponderar.

Levada Fajã do Rodrigues

Levada Fajã dos Rodrigues

Entre as mais percorridas levadas da Madeira encontra-se a Levada Fajã do Rodrigues (PR16), um trilho de 3,9 quilómetros, também conhecido como Levada Fajã da Ama. Este percurso, traçado a uma altitude de quase 600 metros, nasce no leito da Ribeira do Inferno, que separa as terras do Seixal das de São Vicente e percorre pequenos vales até ao sítio do Rosário, onde vai irrigar os campos agrícolas de São Vicente.

Ao iniciar o percurso nas Ginjas (concelho de São Vicente), o visitante depara-se com uma floresta de pinheiros-bravos (Pinus pinaster) e eucaliptos (Eucalyptus globulus) que antecede a vegetação da floresta Laurissilva.

Ao longo do percurso, as linhas e quedas de água garantem a vivacidade a árvores como o seixeiro (Salix canariensis) ou o folhado (Clethra arborea), e a arbustos como o gerânio (Geranium Palmatum), a estreleira (Argyranthemum pinnatifidum), a orquídea-da-serra (Dactylorhiza foliosa) e o ranúnculo (Ranunculus cortusifolius). Com alguma sorte, podem também ser observadas algumas espécies animais como o tentilhão (Fringilla coelebs maderensis).

Nesta caminhada, cuja duração está estimada em três horas e meia, os túneis são uma constante e as vistas deslumbrantes. Vale a pena apreciar as panorâmicas do vale de São Vicente e seguir com tempo para desfrutar das quedas de água e das lagoas que se formam ao longo do caminho.

Levada das 25 Fontes

Levada das 25 fontes
Levada das 25 fontes

A Levada das 25 Fontes (PR6) é outro dos trajetos muito procurados e é fácil perceber porquê: o seu nome faz jus ao número de fontes ou pequenas quedas de água que é possível encontrar ao longo do percurso. Ao longo do itinerário, que se estende por 4,6 quilómetros, é possível desfrutar das impressionantes vistas sobre o vale da Ribeira da Janela, dominado pelo verde da floresta Laurissilva.

Esta levada foi inaugurada em 1855, duas décadas depois do início da sua construção, e permite aos caminhantes passear entre espécies como a urze-molar (Erica arborea), a uveira-da-serra (Vaccinium padifolium) ou o raro mocano (Pittosporum coriaceum).

Ao chegar à Lagoa das 25 Fontes, formada pelas águas que descem pelo Paul da Serra e que jorram por trás da rocha que a circunda, é possível contar mais de 25 nascentes. A sua frescura e transparência dão ainda mais magia a este local, que é um excelente ponto de paragem para retemperar forças e preparar o regresso.

À descoberta do Parque Natural da Madeira

Apesar de as levadas da Madeira serem consideradas um dos seus principais ex-libris, há muito mais para descobrir no Parque Natural da Madeira. Criado em 10 de novembro de 1982, pelo Decreto Regional n.º 14/82/M, tem, entre os principais objetivos, a proteção da natureza, da biodiversidade e do equilíbrio ecológico e da paisagem.

Esta área protegida, que abrange cerca de dois terços do território da Ilha da Madeira e que inclui todos os seus concelhos, é um espaço que encerra em si diversas valências, desde o recreio e lazer à preservação das tradições rurais e do património edificado.

A maior área de Floresta Laurissilva da Madeira está concentrada na encosta norte da ilha e nalguns locais de difícil acesso da encosta a sul, entre os 700 e os 1220 m de altitude. É nas zonas interiores desta floresta que são observadas, regularmente, nove espécies de aves. Entre as mais emblemáticas encontra-se o pombo-torcaz (Columba trocaz) e o bis-bis (Regulus madeirensis), endemismos da avifauna do arquipélago, ou seja, que só existem nesta região.

Pomba Torcaz
Bis-Bis

É nesta floresta, constituída predominantemente por árvores e arbustos de folhagem persistente, com folhas verde-escuras e planas, que encontramos algumas espécies endémicas que pertencem à família das Lauráceas, tais como o barbusano (Apollonias barbujana), o loureiro (Laurus novocanariensis), o til (Ocotea foetens) e o vinhático (Persea indica).

A importância desta área, com cerca de 15 mil hectares, o equivalente a 20% do território da ilha, essencialmente na costa Norte, levou a que a Floresta Laurissilva fosse incorporada, em 1992, na rede de Reservas Biogenéticas do Conselho da Europa e constitua uma Zona de Proteção Especial (ZPE), no âmbito da Diretiva Aves.

Através dos vários percursos recomendados, além da exuberância da floresta Laurissilva, poderá também desfrutar de uma grande diversidade de paisagens e por isso também de habitats e espécies – da montanha no Maciço Montanhoso à plana e árida Ponta de São Lourenço.

A ilha da Madeira há muito que é conhecida como um “Jardim”. São muitos os recantos que carregam as marcas das histórias de outros tempos e assinalam a importância da introdução de plantas oriundas dos quatro cantos do mundo. Há algumas pouco comuns nos jardins da Ilha da Madeira, onde sobressaem exemplares raros e monumentais da colorida coralina (Erythrina lysistemon) ou da árvore-das-salsichas (Kigelia africana), assim batizada devido à forma do seu fruto.

Valores culturais a preservar numa paisagem diversa

Para além do reconhecido valor natural, o Parque Natural da Madeira acolhe também um património cultural rico e diversificado, permitindo descobrir os saberes transmitidos oralmente de geração em geração que remontam ao início do povoamento da ilha e da humanização da paisagem.

Desde as casas tradicionais, passando pelos solares com capelas, tanques de pedra, palheiros, adegas e lagares, há um vasto património rural para conhecer. No limite inferior da floresta Laurissilva estão geralmente os campos agrícolas irrigados através de levadas, com os seus caraterísticos poios ou socalcos murados, uma das mais ricas peças do património cultural da Ilha da Madeira. Estes declives acentuados, talhados em socalcos, que testemunham o engenho e a arte de muitas gerações de agricultores, são uma das imagens de marca da região e herança paisagística para as gerações futuras.