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Caminhadas

6 percursos pedestres perto de centros urbanos

E se pudesse descobrir, a poucos quilómetros da sua cidade, recantos de elevado valor natural e paisagístico? Esta é a nossa proposta: percursos pedestres em zonas florestais nas proximidades de vários centros urbanos, do Alto Douro ao Algarve. A pé e sem pressas, caminhe por trilhos repletos de história, sombra e património natural.

Caminhar é uma atividade tão antiga quanto a humanidade e vários dos ancestrais traçados entre aldeias, ermidas e locais de interesse histórico, cultural e natural mantiveram-se até aos nossos dias, dando lugar a rotas e percursos pedestres. Veja-se o caso do Caminho de Santiago.

Antiga é também a marcação de percursos pedestres, que conta com mais de dois séculos de prática e tradição na Europa. Mais recentemente, em 1969, foi fundada em França a Fédération Européenne de la Randonnée Pédestre – Associação Europeia de Caminhantes – e começaram a ser criados os percursos de Grande Rota (GR). Em Portugal, o primeiro percurso pedestre foi homologado em 1997 e estabeleceu o PR1- Rota da Serra, um percurso de pequena rota, circular, no concelho de Grândola.

Atualmente, incluídos em pequenas ou grandes rotas, há mais de 7900 quilómetros certificados pela Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal para promover uma atividade com múltiplas vantagens: “a atividade de percorrer distâncias a pé em trilhos sinalizados (pedestrianismo) permite um contacto próximo com a paisagem e pode sensibilizar as pessoas para a proteção dos recursos naturais e culturais, promovendo o bem-estar e a qualidade de vida dos que o praticam”.

Particularmente procuradas para estas caminhadas são as zonas florestais perto dos centros urbanos. É fácil perceber porquê: são áreas que conciliam o contacto com a natureza com a proximidade geográfica, podendo ser visitadas mais facilmente por quem vive nos centros urbanos, num programa de final de tarde ou fim de semana.

A popularidade das áreas florestais perto das cidades não vem de agora. O escritor Eça de Queirós, por exemplo, vincou na sua obra o fascínio que Sintra exercia sobre quem morava na Lisboa do século XIX. “Chegavam às primeiras casas de Sintra, havia já verduras na estrada, e batia-lhes no rosto o primeiro sopro forte e fresco da serra. (…) Sintra não são pedras velhas, nem coisas góticas…Sintra é isto, um pouco de água, um bocado de musgo… isto é o paraíso (…).”, pode ler-se no clássico Os Maias.

Sintra é exemplo por excelência destes recantos florestais que servem de ‘escape paisagístico’ às grandes cidades (neste caso, Lisboa), mas não é, obviamente, caso único. Precisamente para que possa aproveitar melhor as florestas perto de centros urbanos, recomendamos-lhe alguns percursos pedestres de eleição, de Norte a Sul do território. De um percurso pelo Parque Natural do Alvão, perto de Vila Real, à natureza de Monchique, a curta distância de Portimão, tome nota das sugestões para percorrer, sozinho ou com companhia, rotas repletas de história, sombra e património natural.

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Antes de se aventurar, procure informação sobre o percurso a fazer, familiarize-se com a sinalética usada e deixe a natureza tal como a encontrou. Tome especial atenção às mariolas – os pequenos montes de pedras empilhadas que se encontram cada vez mais em zonas naturais – e às razões pelas quais não se devem criar: os originais eram marcos de sinalização que serviam de guia aos pastores e que ajudam, ainda hoje, a indicar trilhos não sinalizados ou a complementar a sinalética de percursos pedestres. Ao criar novos montículos, estamos a induzir em erro os caminhantes que conhecem o seu significado. Por outro lado, a mobilização das pedras soltas é uma ameaça a várias espécies de animais, alguns dos quais em vias de extinção.

6 percursos pedestres, de Vila Real ao Algarve

1. Vila Real – Percurso pedestre do Alvão: Barragens – Barreiro – Lamas de Ôlo

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A apenas 12 quilómetros a noroeste de Vila Real (e a pouco mais de uma hora de carro desde o Porto), o Percurso Pedestre do Alvão oferece um passeio único pela área do Parque Natural do Alvão, que concilia o contacto com o património natural na região – com elevado valor paisagístico –, com a visita ao património construído e cultural. Ao longo do percurso circular, que totaliza quase 13 quilómetros, é possível ver grandes espelhos de água das barragens do Alvão, aldeias emblemáticas do Parque Natural, bosques, áreas de matos, lameiros e campos agrícolas. A paisagem é, portanto, diversa e repleta de pontos de interesse para explorar, sem pressas.

A rota, incluída nos Percursos Pedestres da Biodiversidade de Vila Real, inicia-se a norte da barragem Cimeira do Alvão, no coração do Parque, onde pode procurar as lontras (Lutra lutra) que por ali habitam. A partir daí, o caminho atravessa uma área planáltica onde predominam espécies comuns das áreas baldias, como as urzes (Erica spp.) e carquejas (Chamaespartum tridentatum), que dão lugar, em alguns pontos favoráveis, a bosquetes de bidoeiros (Betula pubescens) e matas de pinheiro-silvestre (Pinus sylvestris), algumas das muitas espécies de flora identificadas no Parque (ao todo são cerca de 500 espécies). Aproveite o ponto mais alto do percurso, a 1175 metros de altitude, para avistar o monte Farinha e o santuário da Senhora da Graça. Explore também as aldeias pitorescas por onde o percurso o leva – Barreiro e Lamas de Olo –, com as suas casas de pedra, algumas delas ainda com cobertura de colmo, e a paisagem de prados e áreas agrícolas na envolvente.

Ficou rendido ao Parque Natural do Alvão? Não deixe também de visitar, numa próxima oportunidade, as emblemáticas Fisgas de Ermelo, através do percurso pedestre PR3, com início da aldeia de Ermelo. Ex libris do Parque, estas quedas de água são das maiores da Europa, com um desnível de centenas de metros. Consulte aqui o roteiro pelas Fisgas de Ermelo.

2. Porto – Grande Rota das Serras do Porto

Preparado para um longo desafio? Nesse caso, aventure-se pela Grande Rota das Serras do Porto, com cerca de 59 quilómetros e 17 horas de duração estimadas para concluir este percurso circular privilegiado pelo património biológico, paisagístico, geológico, arqueológico e construído. Caso o tempo – ou a condição física – não o permitam, tem em alternativa 17 Pequenas Rotas, interligadas entre si, que lhe permitem desvendar, aos poucos, este território.

Esta Rede de Percursos Pedestres do Parque das Serras do Porto foi apresentada em 2021, com a sinalização dos percursos – e a sinalética informativa sobre o património do Parque – em implementação ao longo do ano. Antes de se fazer ao caminho, tenha em consideração que o trabalho não está concluído e tome precauções. Na Web App da Rede de Percursos Pedestres, ainda em fase experimental, poderá aceder a informação sobre estes percursos.

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A cerca de meia hora do centro portuense, o Parque das Serras do Porto é uma bolsa de natureza na área metropolitana. Os seus cerca de seis mil hectares incluem seis serras – Santa Justa, Pias, Castiçal, Santa Iria, Flores e Banjas – ao longo de três municípios: Gondomar, Valongo e Paredes. É neste último que começa a Grande Rota das Serras do Porto, precisamente no Parque da Senhora do Salto. Aqui, onde o rio Sousa é emoldurado por altas fragas, enceta a oportunidade de explorar a flora do território das Serras. Nas margens do Sousa e afluentes, sobressaem as galerias ribeirinhas de amieiros (Alnus glutinosa), freixos (Fraxinus angustifolia) e salgueiro-preto (Salix atrocinerea), mas há também presença de carvalho-alvarinho (Quercus robur), pilriteiro (Crataegus monogyna) e loureiro (Laurus nobilis).

Este é um primeiro “cartão-de-visita” do que o caminhante poderá encontrar ao longo do vasto percurso. A paisagem das Serras do Porto contempla, além das galerias de vegetação ribeirinha, outros habitats de interesse, como os característicos carvalhais – que, além do referido carvalho-alvarinho, albergam também sobreiros (Quercus suber) e arbustos como a murta (Myrtus communis) ou o folhado (Viburnum tinus), entre outras espécies –, ou os matos rasteiros típicos das encostas serranas, onde proliferam tojos (Ulex minor), urzes (Erica ciliaris e Calluna vulgaris) e carqueja. Além destes habitats, coexistem nas Serras do Porto áreas definidas de eucaliptal e pinhal, essenciais para a economia da região.

3. Ovar – Trilho da Floresta

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Num percurso que lhe permite desfrutar da paisagem típica de uma mata próxima do mar, o “Trilho da Floresta” é um convite a descobrir a flora da região de Ovar.

Rume a este percurso circular com cerca de sete quilómetros (PR1 de Ovar) e aproveite a extensa mancha florestal dominada pelo pinheiro-bravo (Pinus pinaster), espécie originária do Sudoeste da Europa e Norte de África e uma das escolhidas para suster as areias das dunas de Ovar. De recordar que a fixação das dunas com recurso à arborização – não só em Ovar, mas noutros pontos do país – foi um dos marcos da engenharia florestal em Portugal. No caso de Ovar, esta intervenção iniciou-se em 1920/21, pelos Serviços Florestais.

O PR1 desenvolve-se pelo pinhal entre a EN 327 e a estrada atlântica, com passagem privilegiada por este “pulmão” do concelho, localizado no perímetro florestal das dunas de Ovar. É considerado, na região, como um local ideal para a prática de atividades desportivas ou para um simples passeio.
Para iniciar o trajeto, siga para a Casa do Guarda Florestal do Lamarão (atualmente sede do Clube de Caça e Pesca de Ovar), ao longo da EN327 (ou Avenida D. Manuel I).

4. Coimbra – Percurso pedestre Mata Nacional de Vale de Canas: Praia Fluvial Palheiros – Zorro

Um passeio curto, linear e que permite, numa só caminhada, conhecer alguns dos espécimes arbóreos mais imponentes de Portugal, aproveitar a vista sobre a Serra do Carvalho e usufruir de uma praia fluvial de areia branca nas margens do Mondego. Esta é a proposta do percurso pedestre Mata Nacional de Vale de Canas – praia fluvial Palheiros-Zorro, a apenas cerca de 10 minutos de Coimbra.

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O trajeto começa na Mata Nacional, que chegou a ser designada, no século XVI, por “Mata do Rei” (por ser propriedade da Coroa Real) que hoje está sob gestão do ICNF – Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas. Aqui o grande destaque, entre a diversidade de flora existente, são as árvores de grande porte, que prendem a atenção dos visitantes. Falamos, nomeadamente, da árvore mais alta da Europa – um eucalipto (Eucalyptus diversicolor F. Muell) de 140 anos e 73 metros de altura, uma altura aproximada à da Torre dos Clérigo – e, nas proximidades, a que é considerada a maior araucária de Queensland (Araucaria Bidwillii) de Portugal, com 54 metros de altura.

Além destas “gigantes”, há mais espécies por descobrir ao longo do percurso pela Mata, como as autóctones carvalho-alvarinho (Quercus robur), sobreiro (Quercus suber), azinheira (Quercus ilex), castanheiro (Castanea sativa), pinheiro-bravo (Pinus pinaster) e pinheiro-manso (Pinus pinea), mas também espécies como o cedro-do-Buçaco (Cupressus lusitanica), cedro-do-atlas (Cedrus atlantica) ou a tuia-gigante-americana (Thuja plicata).

Esteja também atento para encontrar alguns dos animais que habitam a Mata Nacional. Em termos de fauna, há dois endemismos ibéricos a destacar: a lagartixa-de-cauda-comprida (Chioglossa lusitanica) e a rã-ibérica (Rana iberica).

Leve o seu tempo a apreciar os recantos da Mata Nacional e, depois disso, avance em direção à praia fluvial Palheiros-Zorro. Antes de iniciar a descida para a praia, inspire-se com a vista do miradouro sobre a mata e, ao longe, a Serra do Carvalho. Depois, é altura de aproveitar as águas do rio Mondego, a areia branca e as infraestruturas de apoio da praia fluvial. Talvez possa até vislumbrar uma lontra (Lutra lutra) ou uma águia pesqueira (Pandion haliaetus), comuns na área.

Este é um percurso relativamente pequeno, de 3,2 quilómetros a descer, se optar por fazer apenas o passeio linear entre a mata e a praia fluvial (ou o dobro, se optar pelo regresso ao local de partida), inserido no Guia de Percursos Pedestres da Região de Coimbra, apresentado em 2021.

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Nas imediações de Coimbra (a cerca de meia hora, em direção ao Norte), outro recanto merece uma visita demorada. Falamos da Mata Nacional do Buçaco, referência nacional pela sua relevância ecológica, raridade e singularidade. Descubra o Trilho da Floresta Relíquia e aprecie um local que mantém as características de uma floresta primitiva que terá existido nas montanhas do centro de Portugal.

5. Setúbal – Caminho do Atlântico

Quando o tema são percursos pedestres na natureza, o Parque Natural da Arrábida é uma presença incontornável. Entre a serra e o mar, há caminhos rurais e a costa para calcorrear a poucos quilómetros da cidade de Setúbal (e a menos de uma hora de Lisboa).

É por aqui que passa um dos troços do “Caminho do Atlântico” (GR11- E9), uma Grande Rota transeuropeia que se inicia em São Petersburgo (Rússia) e termina no cabo de São Vicente. Apesar de encontrar vários pontos de grande beleza costeira e outros interesses naturais e culturais ao longo de toda a Grande Rota, a nossa sugestão é que dedique tempo a explorar este troço do Parque Natural da Arrábida.

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Percorra, neste trilho, o vale verdejante de Terras do Risco e a cordilheira da Serra da Arrábida, marcada por abundante fauna e vegetação, num contraste entre o azul do mar e o verde de espécies como o zimbro (Juniperus phoenicea), o carrasco (Quercus coccifera) ou o medronheiro (Arbutus unedo).

O percurso segue ainda pela Mata da Amieira, perímetro florestal que exerce uma função protetora contra a erosão e avanço das dunas para o interior. Aqui, encontra as florestas dunares de pinheiro-manso e pinheiro-bravo.

Contornando a costa banhada pelo Atlântico, aproveite para fazer pequenas pausas e contemplar o mar, neste traçado com vários pontos de acesso no concelho de Sesimbra. A sinalização de alguns dos troços do percurso foi anunciada em 2021.

6. Portimão – Trilho dos Moinhos

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À saída de Monchique, a cerca de meia hora de carro da cidade de Portimão, uma árvore com idade estimada de 150 anos e mais de 40 metros de altura chama a atenção. Trata-se de uma araucária-de-Norfolk (Araucaria heterophylla), classificada como Árvore de Interesse Público e um dos principais pontos de interesse no “Trilho dos Moinhos”. Além desta árvore de grande porte, originária da pequena ilha de Norfolk na Austrália, há muito mais para descobrir ao longo deste que é um dos principais percursos pedestres da região.

Após passagem por uma mata de eucalipto (Eucalyptus spp.), os bosques de sobro e medronho adensam-se, num percurso que vai descendo até Barranco dos Pisões, um dos mais apreciados espaços verdes da região. Um grande plátano (Platanus hybrida Brot.) centenário, classificado como árvore de Interesse Público desde 1947 (processo KNJ1/078) guarda a entrada desta área de lazer, onde a sua frondosa galeria ribeirinha é marcada por amieiros, freixos e salgueiros (Salix spp.).

Aproveite a caminhada para conhecer melhor a região algarvia longe da costa e perto de apetecíveis zonas verdes, de riqueza botânica, faunística e mesmo cultural – com destaque para os vários moinhos (que dão nome ao Trilho) e para o Convento de Nossa Senhora do Desterro, fundado em 1631, que se ergue sobre Monchique, envolto num bosque de sobro.

Para conhecer, basta percorrer este percurso circular de 9,4 km, que integra o projeto Veredas de Monchique. O trilho inicia-se no centro da vila de Monchique.