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Espécies Florestais

Ulmeiro: uma espécie de jardim com longa história agroflorestal

O ulmeiro é uma árvore de copa frondosa, que pode elevar-se a mais de 30 metros. Nativa da flora portuguesa e de quase todo o hemisfério Norte, pode ser vista em alguns jardins, embora faça parte da nossa paisagem rural, sendo uma das árvores tradicionalmente eleitas para a chamada “vinha do enforcado”.

Também conhecido como negrilho, ulmo, olmo, mosqueiro ou lamaceiro, o ulmeiro é uma espécie típica de margens de cursos de água e ao longo dos séculos foi plantada em sebes e orlas de hortas, campos agrícolas e prados naturais. Hoje é principalmente valorizada como espécie ornamental e pela sua madeira.

O ulmeiro (Ulmus minor) – também referido como Ulmus procera – é uma espécie que pode ser encontrada um pouco por todo o território de Portugal continental, em solos aluviais (formados por sedimentos transportados pela água, ou seja, perto de linhas de água). Em alguns locais, surge em moitas arborescentes, resultantes de rebentos das raízes, acreditando-se que estes exemplares de dimensão mais pequena correspondem a uma variedade cultivada, introduzida como suporte de vinhas.

Outrora bastante presente, atualmente, o número de ulmeiros tem-se reduzido, devido à mortalidade provocada por uma praga muito agressiva: a grafiose do ulmeiro.

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O ulmeiro pertence à família das ulmáceas (Ulmeaceae), que tem em Portugal apenas mais uma espécie: o Ulmus glabra, também conhecido por lamagueiro ou ulmeiro-da-montanha, que é uma árvore mais rara no nosso país, só presente em alguns bosques ribeirinhos da região Norte do país. De notar que, há alguns anos, esta família incluía outra espécie nativa, comum em arruamentos e jardins, o lódão (Celtis australis), que à luz de novos conhecimentos passou a integrar a família Cannabaceae.

No nome científico da espécie, o termo Ulmus deriva da designação latina dada pelos romanos às árvores deste género, que possivelmente deriva do celta elm ou ulm = olmo. Pensa-se que epíteto latino minor, que significa “menor”, se deva às suas folhas, que são mais pequenas face a outras espécies de Ulmus.

A família das ulmáceas caracteriza-se pelos seus frutos – sâmaras arredondadas e achatadas, com a semente no meio, rodeada por uma asa membranosa – e pelas suas folhas, assimétricas na base do limbo, sendo os ulmeiros as espécies que apresentam esta característica de forma mais evidente. Nesta espécie de folha caduca (caducifólia), as folhas são verde-escuras, ovaladas, com a ponta (ápice) aguda e as margens serrilhadas, marcadas por cerca de 15 pares de nervuras.

O ulmeiro é uma espécie monoica hermafrodita, ou seja, tem flores femininas e masculinas na mesma árvore. As flores, pequenas e de cor esverdeada ou avermelhada, organizam-se em densos cachos (inflorescências) e precedem as novas folhas, surgindo no final do inverno ou início da primavera.

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Tanto para a polinização, como para a dispersão da semente, o ulmeiro depende da ajuda do vento. Esta ajuda é essencial porque esta é uma espécie autoincompatível, que necessita de polinização cruzada (ou seja, cada árvore precisa do pólen de outros ulmeiros para fertilizar as suas flores).

Ulmeiro é comum por toda a Europa, mas trava luta pela sobrevivência

Nativo da maioria dos países europeus, o ulmeiro desenvolve-se melhor nos países do sul da Europa, embora possa encontrar-se desde o Mar Báltico (a Norte) até ao Norte de África e Médio Oriente – Argélia e Irão por exemplo (a Sul).

Distribuição do ulmeiro (Ulmus minor)

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Fonte: Adaptado do “Guia da Flora de Portugal Continental, Tomo I, Parte I”, de André Carapeto, Paulo Pereira e Miguel Porto.

Em Portugal não existem dados (de inventário) sobre a distribuição do ulmeiro: a espécie existe de forma dispersa de norte a sul de Portugal continental, de acordo com o mapa de distribuição do Flora-on – Flora de Portugal interativa, enquanto o ICNF – Instituto da Conservação da Natureza e Florestas indica que não está presente no Alentejo nem no Algarve. Já o Guia da Flora de Portugal da Flora de Portugal Continental revela que o ulmeiro se encontra por grande parte do território (ver mapa de Portugal), sendo mais frequente em bosques ribeirinhos (também chamados bosques ripícolas) e sebes em zonas de montanha (áreas verdes escuras no mapa de Portugal).

Relativamente resistente ao frio e ao calor, tolera todo o tipo de solos, exceto os salinos, preferindo os mais ricos e profundos. Considerada como uma árvore ripícola, é comum encontrá-la, na região mediterrânica, nas margens de pequenos cursos de água e em solos húmidos, junto a freixos (Fraxinus spp.) e salgueiros-brancos (Salix alba).

Embora tenha ampla distribuição geográfica e seja uma espécie resistente e tolerante a diferentes condições ambientais (incluindo à poluição citadina), a história recente do ulmeiro (século XX) foi marcada por duas epidemias destrutivas, causadas por fungos agressivos: o Ophiostoma ulmi, na década de 1920, e o Ophiostoma novo-ulmi, na década de 1970, ambos causa da grafiose do ulmeiro ou doença do olmo holandês (DED – Dutch Elm Disease).

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Entretanto, dois programas de melhoramento genético surgiram na Holanda e em Itália com o objetivo de desenvolver variedades de cultivo (cultivares) resistentes à doença do olmo holandês (DED). Conseguiram fazê-lo através do cruzamento com materiais parentais asiáticos e a maioria dos híbridos daí resultantes foi plantada em substituição dos antigos ulmeiros de jardim. O uso generalizado destes cultivares abriu a possibilidade de cruzamentos com os ulmeiros silvestres, principalmente quando plantados próximo a áreas naturais e florestais.

Na sequência da elevada incidência das pragas, tem-se verificado a perda de muitos ulmeiros, com especial incidência nas árvores introduzidas e cultivadas em áreas urbanas e rurais com variabilidade genética relativamente baixa.

Tem sido feita uma vigilância regular à conservação de populações pequenas e marginais nas bordas de suas distribuições naturais, com o objetivo de minimizar o risco de redução significativa da base genética. E apesar dos ulmeiros em habitats florestais serem maiores e mais suscetíveis à doença, observou-se que ulmeiros jovens nesse ambiente têm uma maior resistência à doença.

A Lista Vermelha da IUCN  – União Internacional para a Conservação da Natureza considerou que os dados sobre a população, distribuição, tendências e ameaças que se colocam ao ulmeiro eram insuficientes (Data Deficient – DD, em 2017) para determinar se a espécie estaria em perigo de extinção, em estado vulnerável ou não corria risco significativo.

Da madeira resistente à vinha do enforcado

Capaz de viver até aos 600 anos e de atingir dimensões majestosas, o ulmeiro tem elevada importância tanto nas cidades, como espécie ornamental e de sombra, como nas áreas rurais, onde, além de ser um elemento tradicional da paisagem, tem sido valorizada para delimitar terrenos, como corta-vento em campos de cultivo e como fornecedora de madeira.

A madeira de ulmeiro é de boa qualidade: resistente, flexível e fácil de polir. Por isso, para além do uso como lenha, é valorizada em carpintaria e marcenaria, sendo matéria-prima para a indústria da construção civil e de utensílios (pavimentos, escadas e utensílios de cozinha, por exemplo).

Em paralelo, possui uma resistência excecional à deterioração causada pela água, incluindo a água salgada. Este benefício elegeu-a para o fabrico de estacas subaquáticas e para a construção naval. Por exemplo, a madeira de ulmeiro foi usada nos pilares da velha Ponte de Londres, que durou cerca de 600 anos. A espécie era também plantada nos cemitérios da Grécia Antiga, sendo usada para fabricar caixões até aos dias de hoje.

Mas há outra aplicação do ulmeiro que se destacou ao longo da história: nas regiões do Mediterrâneo, esta era uma das árvores tradicionalmente utilizada como suporte vivo para o crescimento das videiras. Com origem na viticultura etrusca (povos que se fixaram península itálica, entre sensivelmente 1200 a 600 a.C.), estas práticas foram adotadas pelos Romanos por toda a Europa.

Não é por acaso que a forma de instalação de vinha mais famosa e ancestral na região portuguesa dos vinhos verdes é a uveira, ou a vinha de enforcado: junto a uma árvore plantam-se de uma a quatro videiras que se deixam crescer livremente. Com o crescimento, as videiras entrelaçam-se e sobem pelos ramos da árvore que lhes serve de suporte (estas árvores são muito podadas para dar maior relevo à videira).

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As videiras que “enforcam” a árvore podem atingir enormes proporções. Não exigem espaço nem adubação próprios, satisfazem-se muitas vezes com podas ano sim, ano não, e cada pé pode produzir vários cestos de uvas. Este é um sistema alternativo à cultura da vinha tradicional – um sistema agroflorestal ecologicamente vantajoso, mas em vias de extinção.

Atualmente, a espécie é especialmente cultivada pela sua beleza e sombra. Este valor ornamental reforça-se porque o ulmeiro é bastante resistente às perturbações causadas pela atividade humana (característica das chamadas espécies ruderais).

Sabia que os ulmeiros…

– Fazem parte de um habitat classificado da Rede Natura 2000?

Os ulmeiros integram o habitat natural 91F0, em florestas designadas de “mistas sub-higrófilas”, que juntam ao Ulmus minor o carvalho roble (Quercus robur) e o freixo (Fraxinus angustifolia), localizadas nas margens dos grandes rios, principalmente do Mondego e do Vouga.

– São das espécies mais comuns em Amsterdão?

Amsterdão é conhecida como a cidade europeia do ulmeiro. Estima-se que das cerca de 400 mil árvores de Amsterdão, 75 mil sejam ulmeiros, uma para cada dez cidadãos. Esta terá provavelmente sido uma das primeiras cidades onde as árvores foram plantadas sistematicamente, ao longo dos canais e das ruas, para amenizar o ambiente.

– Também têm aplicações para as suas folhas e casca?

As folhas são nutritivas, tanto que, antigamente, eram amplamente consumidas pelos animais, sobretudo por vacas e porcos. Da mesma forma, as folhas jovens podem ser saboreadas por humanos, frescas em saladas, cozinhadas ou secas para infusões. Tradicionalmente, a sua casca usava-se no tratamento de diarreias e enterites, assim como em dermatologia, em eczemas, dermatoses escamosas e pruridos. As estrias da casca chegaram a ser usadas para fazer farinha, destinada ao pão, para combater a fome no início do século XIX na Irlanda e Noruega.

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© Cristina Martinho

– Têm inspirado grandes nomes das artes, desde a pintura à literatura?

O ulmeiro é estimado como símbolo de comunicação, de cordialidade e de excelência de relações. É mencionado no Antigo Testamento, está presente na mitologia grega e celta e serviu de inspiração a vários poetas, escritores e pintores.

Na literatura, conheça o que escreveram Luís de Camões, José Saramago e Miguel Torga:

Excerto d´Os Lusíadas – CANTO IX, estrofe 59, de Luís de Camões

Abre a romã, mostrando a rubicunda

Cor, com que tu, rubi, teu preço perdes;

Entre os braços do ulmeiro está a jucunda

Vide, c’uns cachos roxos e outros verdes;

E vós, se na vossa árvore fecunda,

Peras piramidais, viver quiserdes,

Entregai-vos ao dano que, co’os bicos,

Em vós fazem os pássaros inicos.

Poema “A um negrilho”, Diário VII, Miguel Torga

Na terra onde nasci há um só poeta.

Os meus versos são folhas dos seus ramos.

Quando chego de longe e conversamos,

É ele que me revela o mundo visitado.

Desce a noite do céu, ergue-se a madrugada,

E a luz do sol aceso ou apagado

É nos seus olhos que se vê pousada.

Esse poeta és tu, mestre da inquietação

Serena!

Tu, imortal avena

Que harmonizas o vento e adormeces o imenso

Redil de estrelas ao luar maninho.

Tu, gigante a sonhar, bosque suspenso

Onde os pássaros e o tempo fazem ninho!

Excerto do livro “A jangada de Pedra”, de José Saramago

“Quando Joana Carda riscou o chão com a vara de negrilho, todos os cães de Cerbère começaram a ladrar, lançando em pânico e terror os habitantes […] Sabia que a vara era de negrilho, eu de árvores conheço pouco, disseram-me depois que negrilho é o mesmo que ulmeiro, sendo ulmeiro o mesmo que olmo, nenhum deles com poderes sobrenaturais, mesmo variando os nomes, mas, para o caso, estou que um pau de fósforo teria causado o mesmo efeito…”

Uma das pinturas mais associadas ao ulmeiro é o “Estudo do tronco do ulmeiro”, do inglês John Constable (1776-1837). É tão realista que parece uma fotografia. Aliás, o pintor era um apaixonado por esta espécie, que aparece em várias das suas obras.

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 “Estudo do tronco do ulmeiro”, John Constable

* Artigo em colaboração com Cristina Martinho

Cristina Martinho é, em 2024, finalista de Arquitetura Paisagista, no ISA – Instituto Superior de Agronomia, e esta é a sua segunda licenciatura, uma vez que já tinha concluído o curso de Tecnologias da Saúde e iniciado a sua experiência profissional. A sua colaboração com o Florestas.pt realizou-se no âmbito dos estágios de verão alumnISA. A foto com que se inicia este artigo é também da sua autoria.