Conhecer

Espécies Florestais

Aveleira: uma árvore tão comum como singular

Venerada desde tempos antigos pelos seus frutos, que são na verdade sementes comestíveis, a aveleira pode ser encontrada um pouco por toda a Europa e Ásia Menor, em áreas de produção e de lazer. Apesar de ser uma árvore comum para os portugueses, a aveleira tem várias características que a tornam singular. Conheça-as neste artigo em colaboração com Ana Paula Silva.

Conhecida também como avelaneira ou avelãzeira, a aveleira é uma espécie que se encontra naturalmente um pouco por toda a Europa e na Ásia Menor. É cultivada especialmente pela avelã, uma das principais culturas de frutos de casca rija do mundo, depois das amêndoas, nozes, pistácios e cajus.

De nome científico Corylus avellana, pertence ao género Corylus e à família Betulaceae, uma família pequena (com apenas seis géneros), mas cujas espécies têm áreas de distribuição e ocupação muito vastas. Em Portugal continental, além da aveleira, existem apenas mais duas espécies autóctones desta família: o amieiro (Alnus glutinosa) e o bidoeiro (Betula celtiberica).

A aveleira é uma árvore de folha caduca e porte arbustivo, ou seja, é ramificada e não tem um tronco principal único, o que lhe dá uma copa de folhas densas. Os ramos são longos e flexíveis e as raízes superficiais. Em adultas, as árvores podem atingir mais de 10 metros, embora a altura média seja de entre quatro e cinco.

Esta é uma espécie que congrega numa mesma árvore flores femininas e masculinas (o que em botânica, se designa de espécie monoica). As flores masculinas encontram-se reunidas sob a forma de cachos pendentes (amentilhos) de cor amarelada e cerca de cinco a oito centímetros de comprimento. As flores femininas são muito mais pequenas, de forma globosa e, na altura da floração, os botões apresentam estigmas vermelhos.

imagem-interior-slider_aveleira

A produção de frutos inicia-se a partir dos quatro anos de idade, tornando-se regular após os oito. O fruto é uma glande (forma semelhante a uma bolota) e tem no interior uma só semente, a avelã, que se encontra protegida por uma casca dura. Esta glande, inicialmente verde, está envolta por uma folhagem (as brácteas) de margem dentada, que protege a semente à medida que esta amadurece e se torna castanha, pelo mês de setembro.

row--vertical-align-center
imagem-interior-slider_aveleira_3
imagem-interior-slider_aveleira_8
imagem-interior-slider_aveleira_4

Amentilhos masculinos, glomérulos femininos, frutos

Além do interesse na avelã, a aveleira é usada como árvore de bordadura em espaços rurais e como espécie ornamental. Outras partes da aveleira têm igualmente procura. A casca da avelã, pelo seu poder calorífico, tem interesse como biocombustível sólido e vários órgãos têm efeito fitoterapêutico. Às folhas, casca, amentilhos e frutos são reconhecidas propriedades adstringentes, tonificantes, anti-inflamatórias, cicatrizantes e depurativas, e o óleo de avelã é usado na cosmética.

6 singularidades da Aveleira no mundo vegetal

1. A floração ocorre no inverno, entre dezembro e março, meses em que decorre também a polinização.

2. As flores femininas e masculinas não abrem na mesma altura e, na maior parte das variedades de aveleira, as masculinas abrem primeiro do que as femininas.

3. A aveleira é uma espécie em que o pólen de uma dada árvore não permite fertilizá-la a ela mesma, ou seja, é uma espécie autoincompatível: cada árvore precisa do pólen de outra para se fertilizar.

4. As árvores de uma mesma variedade também são incompatíveis entre si, o que obriga à presença de diferentes variedades de aveleira para existir fertilização. Esta polinização cruzada entre diferentes variedades implica maior planeamento no estabelecimento de pomares.

5. A aveleira está muito adaptada à polinização feita pelo vento (chamada polinização anemófila), produzindo grandes quantidades de pólen de pequenas dimensões, que é facilmente transportável;

imagem-interior-slider_aveleira_6

6. Esta é uma espécie de longevidade média, que raramente ultrapassa os 50 anos de vida.

Distribuição natural da Aveleira

Distribuição natural da aveleira (Corylus avellana)

grafico-mapa-aveleiras-europa

A aveleira é, como referido, uma espécie que se encontra difundida um pouco por toda a Europa e parte da Ásia. Na Europa, encontramo-la desde a Península Ibérica e Grécia, a sul, às costas da Noruega e Suécia, a norte, passando pelos Montes Urais, cordilheira russa que marca a transição para a Ásia, continente onde a aveleira é comum desde a Turquia ao Irão e desde as Montanhas Taurus, na Anatólia, até à Síria e ao Líbano.

As áreas geográficas tradicionais de produção de avelã situam-se em zonas com invernos amenos e verões frescos – entre as latitudes 40° e 45° Norte – junto a grandes massas de água como os mares Negro, Cáspio e Mediterrânico. No entanto, a elevada diversidade genética encontrada nesta espécie tem permitido o seu cultivo em diferentes condições climáticas e viabilizou a expansão desta cultura para locais como os Estados Unidos da América, Canadá, Chile, África do Sul e Austrália.

Ainda assim, a instalação de pomares deve ter em conta que esta espécie prefere regiões com climas moderados e que tanto a insuficiência de frio como as temperaturas demasiado baixas na primavera podem condicionar o seu crescimento. Com efeito, a aveleira prefere regiões abrigadas dos ventos frios no inverno, sem geadas na primavera, com verões que começam relativamente quentes, onde a precipitação é regular e a humidade do ar elevada durante todo o período de crescimento. Estas condições verificam-se em diversas zonas do norte da Península Ibérica.

Com uma temperatura média entre 13ºC e 16ºC e mais de 700 milímetros anuais de precipitação, a Turquia é considerada como tendo as condições ideais para o cultivo de avelãs.

Uma cultura com longa tradição no centro norte de Portugal

Com longa tradição nas regiões de Trás-os-Montes e Beiras, a rusticidade da aveleira permite uma boa adaptação às nossas condições de clima e solo, assim como uma cultura com custos de instalação e produção reduzidos. Com podas simplificadas, reduzido número de tratamentos e uma colheita que pode ser inteiramente mecanizável, esta cultura permite obter um fruto seco de fácil conservação e transporte, que apoia rendimentos e dinâmicas rurais. O seu cultivo pode ser integrado num mosaico paisagístico diverso, contribuindo para a atividade cinegética, florestal e de preservação do ambiente e dos recursos naturais.

A escolha das variedades de aveleira é, no entanto, uma questão fundamental, pois uma má opção interfere diretamente com a produtividade e, consequentemente, com a viabilidade económica da exploração. Além da utilização de variedades compatíveis entre si, há vários outros parâmetros a equacionar, como o fim a que se destina a produção – frutos de mesa, indústria transformadora ou ambas -, as características da variedade (o vigor, a produtividade, o número de rebentos que emite), as características do fruto (tamanho, percentagem média de frutos e rendimento de descasque (rendimento do miolo, tendo em conta a sua proporção relativamente ao peso total do fruto) e a necessidade de polinizadores.

aveleira-infografia

As variedades (cultivares) mais utilizadas em avelanais modernos em Portugal combinam opções indicadas para o consumo imediato da avelã ao natural (variedades de mesa) ou que permitem tanto o seu consumo imediato como a transformação (dupla aptidão). Por exemplo, a variedade italiana Tonda di Giffoni, a espanhola Segorbe ou a portuguesa Grada de Viseu têm dupla aptidão, enquanto a francesa Fertile de Coutard é mais usada para a produção de avelãs com finalidade industrial.

Novos conhecimentos e estratégias para mitigar efeitos das alterações climáticas

Trabalhos científicos recentes demonstraram que os efeitos das alterações climáticas irão influenciar o cultivo da aveleira – em Portugal e no mundo -, e alertaram para que é fundamental estudar e definir estratégias de mitigação.

Por exemplo, trabalhos realizados na Eslovénia e na Turquia antecipam desafios significativos para esta cultura na região mediterrânica, uma vez que, com temperaturas mais altas e precipitações mais reduzidas e concentradas no tempo, haverá uma redução na duração do ciclo vegetativo da aveleira.

Entre as estratégias de mitigação, de referir, por exemplo, a aplicação de caulino e de outros bioestimulantes com efeito na redução da transpiração da planta e algum efeito de reflexão do excesso de luz. Alguns autores referem que, além de reduzir a necessidade em água, a aplicação de caulino diminui o ataque de certas pragas. Em paralelo, tem-se verificado que a aplicação de produtos com propriedades antitranspirantes, como o caulino, ou bioestimulantes, como o silício, pode ser benéfica na redução do impacte negativo dos stresses hídrico e térmico no metabolismo das plantas.

A caracterização da biodiversidade local pode permitir também a recuperação de variedades específicas de dada região e de culturas tradicionais mais adaptadas a recursos naturais limitados, como solos mais pobres e carência de água. Isto só é possível pelo aumento do conhecimento sobre os mecanismos de adaptação ambiental da planta ao stress biótico (pragas e doenças, por exemplo) e stress abiótico (alterações de temperatura ou de disponibilidade de água, por exemplo) e sobre a sua resiliência.

O objetivo será sempre o de evitar o desaparecimento de áreas e variedades de espécies – nomeadamente da aveleira – já que a referida perda terá consequências ambientais e sociais significativas em países da orla mediterrânica, com riscos para o equilíbrio e biodiversidade destes ecossistemas e penalizações para quem se dedica à produção de avelãs.

imagem-interior-slider_aveleira_5

As aveleiras constituem o subtipo 9160pt2 do habitat 9160 da rede Natura 2000 – aveleirais Omphalodo nitidae-Coryletum avellanae. São considerados bosques secundários de carvalhais (a vegetação que tipicamente nasce em zonas de carvalhais que se perdem devido à ação humana), exclusivos do sector Galaico-Português (norte litoral) e com uma área de distribuição atual reduzida. Podem ser encontradas aveleiras silvestres em vários locais de interesse botânico, como a Mata Nacional da Margaraça, município de Arganil, a Lagoa de Óbidos e os bosques ripícolas da ribeira das Jardas/de Barcarena, na serra da Carregueira, concelho de Sintra.

Sabia que:

    • A designação Corylus vem do grego korys, que significa capacete ou capuz, e pensa-se que a designação inglesa de avelã, hazelnut, derive da expressão anglo-saxônica haesel, que significa gorro, numa referência à forma da avelã e às brácteas, as folhas peludas que envolvem o fruto. Estas folhas protetoras parecem estar na origem do outro nome pelo qual as avelãs são conhecidas, filbert, derivado do alemão vollbart que significa barba. Já avellana estará relacionado com a antiga cidade romana de Avella, no sul de Itália, uma zona tradicional de produção de avelã.
    • A presença de flavonoides e taninos nas folhas, casca, frutos e flores masculinas da aveleira levaram, desde tempos antigos, à sua procura para usos medicinais.
    • Tradicionalmente, as folhas da aveleira eram usadas para alimentar o gado e a madeira para criar cercas e aros de barris. As suas raízes com veios são usadas em trabalhos de embutidos.
    • As avelãs silvestres são mais pequenas, menores e mais saborosas do que as cultivadas. Elas são parte importante da dieta de muitos roedores, enquanto as folhas da aveleira, para além de enriquecerem o solo, são fonte de alimento para as larvas de alguns insetos.
    • Além das variedades de aveleira plantadas para produção de fruto ou para formação de sebes, também existem aveleiras ornamentais. Os seus frutos são comestíveis e o que melhor as distingue são as suas folhas púrpura. Estas aveleiras ornamentais pertencem a uma outra espécie, Corylus maxima.
*Artigo em colaboração

Ana Paula Silva

Ana Paula Calvão Moreira da Silva é Professora Associada com Agregação desde 2007 na UTAD – Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, com Doutoramento em Ciências Agrárias – Arboricultura, pela mesma Universidade. Com um h-index: 17, publicou 80 artigos em revistas especializadas. Publicou também cinco livros e vários capítulos de livros. Recebeu dois prémios/distinções. Tem dirigido e participado com investigadora em diversos projetos de investigação. Atua nas áreas das Ciências Agronómicas com ênfase em agricultura, silvicultura e pescas, e biotecnologia agrária e alimentar. No seu currículo Ciência Vitae os termos que contextualizam a sua produção científica, tecnológica e artístico-cultural são: Frutos secos; Produção; Cerejeira; Prunus avium; Corylus avellana; Prunus dulcis; Qualidade dos Frutos. Desempenhou vários cargos de gestão com relevância para Pró-reitora para a qualidade e ensino e Presidente da Escola das Ciências Agrárias e Veterinárias. Atualmente é diretora do Doutoramento em Ciências Agronómicas e Florestais e Vice-diretora do Doutoramento Agri -Chains.
Ciência Vitae | ORCID