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Biodiversidade

Biodiversidade: a importância dos organismos e das comunidades

A noção de que o número de espécies tem vindo a reduzir-se, de que há inúmeras em risco de extinção e de que é preciso salvaguardá-las fez da biodiversidade um conceito usado repetidamente. Esta palavra, que surgiu apenas em 1985, tem ganho relevância nos últimos tempos, mas será que sabemos o que significa e temos consciência da sua verdadeira importância?

Sabemos que a biodiversidade é essencial à vida humana, e que o planeta e a economia dependem da sua manutenção, mas à medida que as atividades humanas se estendem a cada vez mais territórios, continuam a reduzir-se os ambientes naturais e a variedade dos organismos neles presentes.

Embora a diminuição e a própria extinção de espécies não sejam fenómenos recentes, pois fazem parte da evolução da vida na Terra, as atividades humanas alteraram o seu ritmo natural, criando perdas mais rápidas e intensas, que têm vindo a colocar em risco um número crescente de espécies e ecossistemas. As extinções das últimas décadas são a parte mais visível desta perda de biodiversidade.

Os principais estudos, relatórios e indicadores globais sobre o tema são unânimes em relação à redução da biodiversidade e têm apresentado resultados coerentes:

A atividade humana levou à perda e à alteração dos serviços que a natureza providencia – serviços do ecossistema – e contribuiu para a redução de áreas de refúgio de espécies e da biodiversidade que nelas existia. Estas alterações foram mais rápidas nos últimos 50 anos do que em qualquer outro período da história humana, segundo o Millennium Ecosystem Assessment (MEA, 2005), que popularizou o conceito de serviços do ecossistema;

“A perda da biodiversidade não é apenas uma questão ambiental, mas também uma questão económica, social, de desenvolvimento, de segurança e de moral”, escrevem os autores do relatório do Painel Intergovernamental sobre a Biodiversidade e Serviços dos Ecossistemas (IPBES, 2019), que fez uma avaliação da biodiversidade global e serviços do ecossistema, alertando para a extensão dos impactes da perda de biodiversidade.

O tamanho das populações de mamíferos, aves, peixes, anfíbios e répteis decresceu cerca de 68% desde 1970, refere o The Living Planet Index (LPI, 2020), que avalia o estado da diversidade biológica global.

O decréscimo de espécies e de habitats emblemáticos – como é caso do lince ibérico em Portugal ou da redução de área da floresta amazónica – são as formas mais fáceis de identificar perdas de biodiversidade, mas a maior parte do que se perde é menos visível, seja porque estão em causa organismos vivos com os quais não nos relacionamos e que por vezes nem sabemos existirem (o que não os torna menos importantes), seja porque parte destas perdas são atribuídas a outras causas. Por exemplo, um deslizamento de terras ou uma cheia, muitas vezes vistos como consequência de fenómenos climatéricos extremos, estão também associados à perda do habitat e do respetivo ecossistema que antes protegia o local – no caso, o coberto vegetal que sustentava o solo e ajudava a regular o caudal dos rios.

Perda de biodiversidade tem consequências transversais para a humanidade

Além de garantir um sistema de suporte à vida, a biodiversidade é essencial para o fornecimento de alimentos, o desenvolvimento de medicamentos e a existência de vários serviços do ecossistema (ou ambientais), influenciando necessidades essenciais e as mais diversas atividades humanas.

Cerca de 80% das necessidades dos povos e 40% da economia mundial dependem dos recursos biológicos, razão mais do que suficiente para dizer que a sobrevivência dos seres humanos assenta na biodiversidade. Estima-se ainda que cerca de 20% da população mundial (1,3 mil milhões de pessoas) dependa dos recursos da floresta para subsistir. A dependência humana da diversidade biológica é também elevada na saúde, já que além da medicina natural e tradicional com base nas plantas, cerca de 25% dos produtos farmacêuticos modernos contém ingredientes derivados de plantas, a que se juntam 13% que integram microrganismos e 3% que incluem elementos animais.

Perder biodiversidade é perder ecossistemas, negócios, emprego, segurança climática e alimentar, saúde, justiça social (os mais pobres são mais vulneráveis) e comprometer um importante legado essencial às gerações futuras.

Mais de metade do PIB mundial – ou seja, do valor de todos os produtos e serviços criados no mundo a cada ano – está muito ou moderadamente dependente da natureza e dos seus serviços. A perda de biodiversidade e o colapso dos ecossistemas estão identificados como as principais ameaças que a humanidade enfrentará nos próximos 10 anos.

Travar a perda de biodiversidade deixou, assim, de ser um tema tratado apenas por especialistas ou cientistas. Entrou na agenda mediática, aproximando ciência e opinião pública, e tem hoje lugar de destaque no discurso político.

Na União Europeia, as prioridades de ação estão definidas na Estratégia de Biodiversidade da UE para 2030. Estas estão, por sua vez, em consonância com uma série de metas patentes no Pacto Ecológico Europeu – Green Deal: da neutralidade carbónica e maior eficiência de uso dos recursos, ao papel chave das florestas na mitigação dos efeitos das alterações climáticas (como armazenadoras de carbono) e na proteção da biodiversidade.

Antes disso, em 2013, já a iniciativa europeia de Mapeamento e Avaliação de Ecossistemas e de Serviços dos Ecossistemas (MAES) tinha proposto um enquadramento de avaliação que relacionava ecossistemas e sistemas socioeconómicos. Considerou-se, por um lado, o fornecimento dos serviços naturais providenciados pelos ecossistemas (serviços do ecossistema), e por outro, os fatores de mudança (sociais e económicos) que exercem pressão sobre os ecossistemas, seja pelo uso dos serviços, seja pelos impactes indiretos das atividades humanas em geral. Os ecossistemas são aqui definidos pela interação entre as comunidades de organismos vivos e o ambiente abiótico (não biológico) em que estão integradas, tendo a biodiversidade um papel essencial à manutenção das suas funções.

Enquadramento para avaliação de ecossistemas ao nível nacional e europeu, de acordo com a Ação 5 da Estratégia para a Biodiversidade da União Europeia 2020

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Fonte: MAES 

A importância das florestas e de outros hotspots de biodiversidade terrestre

Para conhecer e atuar contra a perda de biodiversidade importa compreender que nem todas as regiões ou ecossistemas têm a mesma importância em termos de diversidade biológica, já que a distribuição da vida no planeta é muito variável. Basta observar os desertos e as regiões polares para perceber que ali a biodiversidade é mais reduzida relativamente à encontrada nas florestas tropicais ou recifes de coral.

Biodiversidade global: número de espécies de plantas vasculares

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Fonte: com base no mapa apresentado no artigo “Patterns of vascular plant diversity at continental to global scale”, de Jens Mutke e Wilhelm Barthlott.

Em Portugal, por exemplo, temos uma multiplicidade de paisagens e ecossistemas que suportam grande número de habitats cuja biodiversidade é mais elevada relativamente à encontrada na Europa central e do Norte. Isto deve-se ao facto de Portugal continental e as regiões autónomas se localizarem em três regiões biogeográficas – Euro-siberiana a norte, com clima temperado; Mediterrânica em grande parte do território continental, com clima mediterrânico; e Macaronésica nos arquipélagos da Madeira e Açores (nestes casos com climas diferentes, mais amenos e húmidos).

Por seu turno, a região mediterrânica é considerada um hotspot de biodiversidade, sendo o terceiro do mundo mais rico em termos de diversidade de plantas ao albergar cerca de 10% da flora mundial – perto de 25 mil espécies, mais de metade das quais só existem nesta área do globo (as chamadas espécies endémicas).

As florestas estão entre os ecossistemas com maior riqueza biológica no planeta, pois albergam a maioria das espécies terrestres. Com mais de 60 mil espécies de árvores, as florestas mundiais também providenciam habitats para 80% das espécies de anfíbios, 75% das aves e 68% dos mamíferos.

As florestas tropicais são de entre todas as mais diversas e albergam cerca de 60% de todas as plantas vasculares (as plantas que possuem vasos por onde circula a seiva, semelhantes aos vasos sanguíneos nos animais), mas também na Europa as florestas – que cobrem cerca de 40% do território – são o maior recurso natural da região.

Estes ecossistemas estão, no entanto, sujeitos a múltiplas pressões. Além de serem fontes de bens – como madeira, fibras e alimentos – emprego e rendimento, áreas de recreio e lazer e importantes intervenientes na mitigação dos efeitos das alterações climáticas e na regulação dos ciclos hidrológico e do carbono, são também fundamentais para a conservação da biodiversidade.

A área coberta por ecossistemas florestais é um dos indicadores incluídos no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 15 – Proteger a vida terrestre. Ou seja, proteger, restaurar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, travar e reverter a degradação dos solos e travar a perda de biodiversidade. Adicionalmente, as florestas contribuem para outros ODS:

• fornecem alimento e outros produtos florestais e serviços que ajudam a melhorar a qualidade de vida das populações e proporcionam oportunidades de trabalho, contribuindo para os ODS1 – erradicar a pobreza, ODS2 – erradicar a fome, ODS3 – saúde de qualidade e ODS8 – trabalho digno e crescimento económico;
• têm um papel importante no ciclo da água, regulando os ciclos hidrológicos e purificando a água, o que contribui para o ODS6 – água potável e saneamento;
• são fontes de produtos e serviços (regulação do clima, proteção contra deslizamentos de terra e cheias, habitats para diversos organismos) que contribuem para o ODS11 – cidades e comunidades sustentáveis;
• o seu papel de fixação de carbono é fundamental para o ODS 13 – ação climática.

Biodiversidade: a palavra que não existia até 1985

O conceito de biodiversidade é hoje amplamente usado, o que tem contribuído para uma crescente consciência sobre a sua importância, mas a palavra só existe desde 1985, quando o biólogo Walter G. Rosen a usou para condensar num só termo a expressão diversidade biológica.

Três anos mais tarde, a palavra ganhou relevo após a realização do National Forum on BioDiversity, cujas conclusões foram editadas por E. O. Wilson num volume de atas com o título Biodiversity. Mas foi só em 1992 que o conceito ganhou uma definição oficial: “a variabilidade entre organismos vivos de todas as fontes, incluindo, entre outros, ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos, e os complexos ecológicos dos quais eles fazem parte: isso inclui a diversidade dentro das espécies, entre as espécies e dos ecossistemas”.

Foi esta a definição saída da conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, em 1992, no Rio de Janeiro e foi assim que, no ano seguinte, a biodiversidade entrou na legislação portuguesa (Decreto n.º 21/93, de 21 de junho, p.3369).

De uma forma simples, pode dizer-se que a biodiversidade – ou diversidade biológica – traduz a variedade de organismos e de ambientes naturais que existem num dado território e das relações que se estabelecem entre eles. Embora o termo seja amplamente usado como sinónimo de vida na Terra, ele esteve na origem de inúmeros debates e tentativas adicionais de definição, demonstrando que apesar de entendermos o que significa biodiversidade, ela é tão complexa e abrangente que o seu significado dificilmente se condensa numa definição.

Alguns entendem ainda a biodiversidade como o número de espécies existentes numa dada área (cujo valor tem o nome de riqueza específica), mas isto acaba por ser uma simplificação, pois é apenas uma das propriedades da diversidade biológica. De facto, a biodiversidade pode ser abordada de diferentes formas:

• dentro da mesma espécie (diversidade genética);
• entre diferentes espécies (diversidade de espécies numa comunidade);
• dentro e entre comunidades biológicas e componentes não biológicos (abióticos) de um ecossistema.

E tal como existem diferentes abordagens à biodiversidade, existem também várias métricas que podem ser usadas para a sua avaliação.

Segundo DeLong (1996), a “Biodiversidade é um atributo de uma área e refere-se especificamente à variedade dentro e entre organismos vivos e seus conjuntos, comunidades bióticas e processos bióticos que ocorrem naturalmente ou que sejam modificados por humanos. A biodiversidade pode ser medida em termos de diversidade genética, e a identidade e número de diferentes tipos de espécies, conjuntos de espécies, comunidades e processos bióticos e a quantidade (abundância, biomassa, cobertura, taxa) e estrutura de cada um. Pode ser observada e medida em qualquer escala espacial desde micro-sites até manchas de habitat e a totalidade da biosfera.

Esta definição permite adaptações de acordo com o contexto em que é usada e vários autores elaboraram sobre ela, destacando-se nomeadamente a visão “tripartida” de biodiversidade, que contempla diversidade genética, diversidade de organismos e diversidade ecológica.

Seja qual for a definição ou a métrica usada, não restam dúvidas de que a biodiversidade global está a diminuir. O Living Planet Report 2020 da WWF – World Wide Fund for Nature – relaciona a perda de espécies e, consequentemente de biodiversidade, com o crescimento da população humana e o aumento do consumo e do comércio global. Acrescem a estes fatores as ameaças da poluição, a proliferação de espécies invasoras e as alterações climáticas.

E este relatório apresenta ainda, através da Bending the Curve Initiative, um conjunto de caminhos para restaurar a biodiversidade sem pôr em causa a produção de alimentos necessários à população em crescimento. Esta iniciativa traduz-se numa estratégia integrada, que requer o aumento da área e da gestão de zonas protegidas, incluindo planos de conservação e restauro ecológico, uma agricultura mais produtiva e um consumo mais sustentável.