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Biodiversidade

Diversidade genética florestal: qual a importância e como se avalia?

A diversidade genética de uma espécie resulta dos processos evolutivos que a influenciaram ao longo de milhares de anos, em diferentes locais e condições ambientais. Desta diversidade traçada pelo passado depende também a sua futura capacidade adaptativa. Conhecer a diversidade genética de uma população, que constitui a matéria-prima dos programas de melhoramento genético florestal, é uma tarefa complexa e demorada, que Carla Faria nos ajuda a compreender.

Reconhecida como a componente chave para a sobrevivência das espécies a longo prazo, a diversidade genética é o património base da sustentabilidade, porque equivale à matéria-prima essencial da adaptação, evolução e sobrevivência das espécies e dos indivíduos que as integram.

A diversidade genética determina a capacidade adaptativa de qualquer espécie, possibilitando a sua evolução num ambiente em constante alteração. Esta capacidade de adaptação é especialmente importante no presente, já que as espécies e as suas populações estão sujeitas a novos stresses, que resultam, por exemplo, da perda de habitat, de novas pragas e doenças, da poluição e de várias pressões decorrentes das alterações climáticas.

A diversidade genética de uma espécie resulta dos processos evolutivos que a foram moldando ao longo de várias gerações: das migrações, da deriva genética (alteração das frequências alélicas ao longo das gerações, devido ao acaso), das mutações, da seleção natural, entre outros processos. De uma forma simplificada, a diversidade genética de uma espécie compreende a variabilidade entre as suas populações (diversidade interpopulacional) e a variabilidade existente entre os indivíduos (neste caso, árvores) dentro destas populações (diversidade intrapopulacional).

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A constituição genética de uma árvore (genótipo) encerra o potencial preexistente para o seu desenvolvimento, mas os fatores genéticos determinam tendências, cuja concretização depende da interação com o ambiente envolvente da árvore. Assim, genética e ambiente conjugam-se para determinar as características e desempenho de cada árvore (isto é, o seu fenótipo).

Mas a evolução dos grupos de árvores que constituem as populações de uma mesma espécie não depende só do seu património genético e do ambiente onde se encontram. São também influenciadas por ações humanas (antropogénicas). Estas ações resultam da fragmentação dos ecossistemas florestais, da alteração das condições locais ou de práticas silvícolas, como por exemplo a sua propagação por semente – seminal – ou vegetativa – a partir de uma parte da planta mãe.

A diversidade genética é uma das componentes menos falada da biodiversidade. Esta diversidade existe dentro e entre os indivíduos, as suas famílias, populações, comunidades e ecossistemas. Conheça o conceito de biodiversidade que, embora muito divulgado, nem sempre é bem compreendido.

Sabe-se que as populações de uma mesma espécie, mas de diferentes origens geográficas (diferentes proveniências), podem ter desempenhos diferenciados quando são instaladas e se desenvolvem numa mesma área, diferindo em características como o crescimento, a produtividade e a adaptabilidade. Estes resultados ditam a necessidade de conhecer os padrões de variação de características-chave dentro de cada espécie, pois eles são determinantes para potenciar e conservar esses recursos, assim como para selecionar como progenitoras as árvores (independentemente da sua proveniência) com as características mais desejadas – sejam elas, por exemplo, a melhor adaptabilidade à seca, a capacidade de resistir a pragas e doenças específicas ou a maior produtividade.

 

A maioria das espécies florestais tem uma distribuição natural que abrange uma ampla gama de condições geográficas e ambientais. Veja-se o exemplo do sobreiro (Quercus suber), que está presente em cerca de 2,2 milhões de hectares, distribuídos pela Argélia, Espanha, França, Itália, Marrocos, Portugal e Tunísia (cerca de 1,5 milhões de hectares na Europa e 700 mil no Norte de África). Com base nas diferentes proveniências e no conhecimento dos seus recursos genéticos, podem delinear-se programas de melhoramento genético para potenciar características desejáveis em populações de sobreiro.

Avaliar a diversidade genética florestal: ensaios de proveniência e descendência

Uma forma clássica de caracterizar os níveis e padrões de diversidade genética de populações florestais com diferentes origens geográficas é instalar plantações experimentais. Para que os resultados destas plantações sejam válidos e significativos é necessário garantir (através de delineamento experimental) que todas as populações de árvores de diferentes origens estarão sujeitas às mesmas condições e intervenções ao longo da vida, removendo o peso que a influência ambiental teria no seu desenvolvimento. Só assim é possível conhecer a sua constituição genética – o seu genótipo.

A instalação destes ensaios é uma tarefa árdua, que exige conhecimento, tempo e recursos. A fase do desenvolvimento, na qual se expressa a característica que interessa melhorar, determina a possibilidade de se instalar estes ensaios em estufas (em ambiente controlado), em viveiro (ambiente semi-controlado) ou, mais frequentemente, em campo (ao longo de vários anos).

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Ensaio de descendências de Quercus suber © Carla Faria

Os chamados ensaios de proveniência (com instalação simultânea de árvores da mesma espécie, mas de diferentes origens geográficas) permitem avaliar a amplitude de respostas da espécie para as características que se pretendam avaliar, aferindo como variam estas características em função da sua área de distribuição natural. Esta informação permite identificar as regiões de proveniência onde se poderão recolher materiais de reprodução mais relevantes para os objetivos propostos.

É comum que os materiais florestais de diferentes proveniências manifestem variação em características adaptativas associadas à sobrevivência – como por exemplo a data da formação dos novos rebentos e o início do seu despontar (para formar novos ramos), bem como o nível de tolerância ao frio ou à secura, características que se refletem no crescimento das plantas.

Na prática, este conhecimento fornece informação para a escolha da origem geográfica dos materiais de reprodução (sementes ou partes de plantas, por exemplo) que serão usados em ações de arborização e reflorestação (a mais curto prazo) ou para iniciar um programa de melhoramento genético (a mais longo prazo).

Por exemplo, ensaios de proveniências estabelecidos nos anos 80 permitiram concluir que o comportamento das proveniências de Eucalyptus globulus do hemisfério norte (Portugal, Espanha e Califórnia) manifestavam uma maior resistência ao frio comparativamente com as populações provenientes da área de distribuição natural da espécie (Austrália). Estes ensaios, dados a conhecer na tese de doutoramento “Estudo da variabilidade geográfica em Eucalyptus globulus Labill”, confirmaram a adaptação das populações exóticas às novas áreas e permitiram uma melhor clareza, suportada pelo conhecimento relativo ao processo de seleção adotado no programa de melhoramento desta espécie.

Paralelamente, outro tipo de ensaios – os ensaios de descendências –, avaliam o desempenho dos descentes de cruzamentos entre progenitores selecionados. Estes trabalhos permitem estimar o grau de controlo genético das características (ou heritabilidade) que se pretendem melhorar, avaliar as diferenças genéticas entre diferentes famílias e o valor genético dos progenitores de uma família, ou seja, o seu valor reprodutivo.

No caso da espécie sobreiro, os resultados ainda preliminares obtidos aos 14 anos de idade em dois ensaios de descendência identificaram a existência de uma variabilidade genética ampla e significativa nas características relacionadas com o crescimento das árvores. Paralelamente, obtiveram-se também estimativas de heritabilidade para estas características que indicam a existência de um forte controlo genético, o que evidencia a adequação destas características para a seleção e para o melhoramento da espécie sobreiro.

Em espécies nas quais as características tecnológicas da madeira determinam o seu uso final, é muito importante aferir o seu controlo genético, mas também quantificar a correlação existente entre as várias características que determinam a qualidade da madeira. Análises realizadas em amostras retiradas de árvores com 16 anos, pertencentes a 46 famílias de pinheiro-bravo (Pinus pinaster), indicaram, por exemplo, que há um controlo genético moderado nas características associadas à resistência e à elasticidade da madeira. Assim, num processo de seleção, a escolha das famílias com valores mais elevados poderá conduzir a um ganho genético relevante. Paralelamente, aferiu-se que estas características mecânicas da madeira estão correlacionadas com outros fatores: têm correlação positiva com a densidade dos anéis de crescimento e correlação negativa com um parâmetro químico, o teor de lenhina.

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Ensaio de proveniências de Quercus suber © Carla Faria

Em conclusão, nos programas de melhoramento genético para as diferentes espécies florestais têm de ser identificadas e definidas quais são as características com maior importância no futuro e é com base nesses pressupostos que devem definir-se as estratégias de melhoramento a prosseguir.

Para obter estimativas corretas sobre os parâmetros genéticos é também fundamental que haja um controlo rigoroso das condições ambientais dos ensaios. As famílias que são testadas resultam geralmente de uma seleção prévia baseada no desempenho (fenótipo) dos seus progenitores. Nestes ensaios de campo, o efeito ambiental é controlado pelo delineamento experimental que deverá atender às condições do local (solo, clima, topografia, exposição solar) e à representatividade e repetibilidade das famílias e (ou) indivíduos testados.

A dificuldade de manter uma rede de ensaios em Portugal

A instalação e manutenção de ensaios genéticos de espécies florestais são duas fases de um processo longo e complexo, considerando as escalas territorial, temporal e financeira implicadas: um ensaio implica atuar em diferentes zonas territoriais durante décadas (o tempo que as árvores demoram a atingir a maturidade), o que não permite uma resposta célere e exige financiamento contínuo.

Em 1998, através de um programa colaborativo que beneficiou de financiamento europeu (Ação Concertada FAIR 1 CT95-0202), foi possível implantar uma rede de ensaios de proveniências e de descendências de sobreiro, com a inclusão de proveniências e de famílias de todos os países pertencentes à sua área de distribuição natural. O estabelecimento desta rede, que começou com a instalação de cinco ensaios em Portugal, só foi possível com a participação e a cooperação de entidades públicas e privadas dos diferentes países.

É importante referir que, no caso português, persistem apenas três dos cinco ensaios iniciais devido a insucessos no processo de instalação e de manutenção. Os dados obtidos nestes ensaios, atualmente com 24 anos, não permitem ainda informação conclusiva sobre o objetivo mais importante da fileira: a produção de cortiça para rolhas naturais, cuja qualidade só pode ser aferida em pranchas de cortiça retiradas dos sobreiros aos 35 a 40 anos de idade.

Ao contrário do que sucede noutros países europeus, em Portugal os meios de apoio e de financiamento não são garantidos pela Administração Pública, o que torna mais árdua a tarefa de instalar, manter e caracterizar estes campos experimentais, que podem ocupar individualmente até uma dezena de hectares, durante várias dezenas de anos. O financiamento está dependente do sucesso de candidaturas realizadas a nível nacional e europeu, com uma duração muito mais curta (um a três anos) do que o crescimento das espécies florestais.

Dificuldades similares são encontradas em outras espécies florestais de ciclo de vida longo e para as quais as caraterísticas mais valorizadas são propriedades tecnológicos da madeira: a avaliação destas propriedades em árvores de idade jovem nem sempre permite estabelecer uma estimativa direta do que vai acontecer na idade adulta.

Refira-se que, em Portugal, estão a decorrer ensaios de proveniências e de descendências de espécies florestais integrados no “Programa Operacional da Administração Pública para a Conservação e Melhoramento dos Recursos Genéticos Florestais (PROGEN)”, abrangendo espécies como o sobreiro, pinheiro-bravo, pinheiro-manso (Pinus pinea) e castanheiro (Castanea sativa). No entanto, o acompanhamento, a monitorização e a gestão dos ensaios tem sido feita por diversas entidades. Por exemplo, em alguns ensaios de sobreiro, esta responsabilidade tem sido assumida pela Academia, especificamente pelo ISA – Instituto Superior de Agronomia, com a cooperação de entidades privadas e dos Serviços Regionais de Agricultura, que disponibilizaram as suas propriedades.

Têm sido integradas metodologias moleculares e outras abordagens analíticas de caracterização do desempenho (por exemplo através da captação de imagens com drones) na avaliação e gestão de ensaios de campo de redes nacionais e internacionais. Estas novas tecnologias vêm facilitar a recolha de informação, de forma a agilizar o moroso processo de caracterização do valor genético dos indivíduos, que limita a velocidade necessária para modificar características ou produtos desejáveis das árvores através dos programas de melhoramento genético florestais

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Vista aérea, Google Earth, dos ensaios genéticos de Quercus suber, por Carla Faria

Artigo em colaboração

Carla Faria

Carla Faria foi técnica superior no ISA – Instituto Superior de Agronomia, onde participou no desenvolvimento de metodologias de propagação de espécies florestais ribeirinhas e autóctones. Integrou também projetos de avaliação da variabilidade genética, utilizando a genética quantitativa como ferramenta. Atualmente, é técnica superior no ICNF – Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, desenvolvendo as suas atividades maioritariamente na gestão do processo de seleção dos materiais de base e na aplicação da legislação relativa à produção e comercialização de materiais florestais de reprodução.