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Alterações Climáticas

Florestas urbanas: as árvores ao serviço das cidades

Há cada vez mais pessoas a viver nas cidades. Estas, por sua vez, estão mais quentes como resultado do efeito das “ilhas de calor urbanas”, que tem sido intensificado pelas alterações climáticas. As florestas urbanas são uma solução para contrariar os efeitos do aquecimento global, além de melhorarem a qualidade do ar e diminuírem a ansiedade climática.

A população urbana tem vindo a aumentar nas últimas décadas e estima-se que esta tendência se mantenha, colocando pressão acrescida nas cidades e no seu desenvolvimento. A urbanização cria microclimas dentro das cidades com condições de temperatura, precipitação e vento diferentes das áreas circundantes. Com a intensificação dos efeitos das alterações climáticas, as ilhas de calor urbano têm gerado um interesse crescente, não só pelos seus efeitos na população, mas também para procurar soluções para contrariar o aquecimento que causam.

Conceito de florestas urbanas ganha relevância

Segundo o relatório Orientações sobre urbanismo e silvicultura periurbana da Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO), “as florestas urbanas podem ser definidas como redes ou sistemas que compreendem todas as áreas florestais, grupos de árvores e árvores individuais localizadas em áreas urbanas e periurbanas”. Desde matas a bosques, parques e árvores em ruas e outros recantos, todas estão incluídas nesta definição e compõem o mosaico verde das cidades.

De acordo com a mesma fonte, um dos potenciais benefícios das florestas urbanas é o de mitigar o efeito das “ilhas de calor” através da sombra e da evapotranspiração. Embora esta utilização das florestas urbanas para contrariar o aquecimento nas cidades seja recente, o conceito de “ilhas de calor urbano” não é novo. Luke Howard foi o primeiro a identificar e descrever o efeito das áreas urbanas no clima local no livro The Climate of London, publicado em 1818. Pensa-se que a expressão “ilha de calor urbano” (no original städtischen Wärmeinsel) tenha sido utilizada, pela primeira vez, pelo meteorologista alemão Albert Peppler em 1929, que descreveu o fenómeno como “uma massa de ar quente estagnada sobre a cidade”. Estes são alguns dos fatores que fazem com que a temperatura nas cidades seja mais alta do que nas zonas envolventes: 0,55 a 3,85 ºC durante o dia e 2,75 ºC durante a noite.

Com este panorama, e com o crescente desenvolvimento das cidades, que se prevê que alberguem cerca de 7 em cada 10 pessoas em 2050, combater as “ilhas de calor urbanas” torna-se premente. As florestas urbanas são, então, uma abordagem que vários países, inclusivamente Portugal, estão a implementar.

Mas estas soluções servem para muito mais do que apenas refrescar as cidades e contribuem para vários ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), incluindo o ODS 3 pela melhoria da qualidade do ar e a promoção de atividades de recreio ao ar livre que melhoram a qualidade de vida dos seus habitantes; para o ODS 13 pelo seu contributo para a mitigação e adaptação aos efeitos das alterações climáticas ou para o ODS 15 pela melhoria da qualidade do solo e da biodiversidade, entre outros.

De igual forma, unir espaços através de corredores verdes é uma aposta atual, criando redes e unindo as áreas verdes urbanas. O corredor verde de Monsanto, que integra a estrutura ecológica da cidade, é o primeiro corredor verde de Lisboa. Nos seus 2,5 quilómetros de extensão, liga o Parque Florestal de Monsanto ao Parque Eduardo VII e conta com uma rede de trilhos de cerca de 40 quilómetros. Outro exemplo nacional é um corredor verde de ligação entre o aeroporto de Lisboa e o rio Tejo, uma proposta que ganhou o concurso internacional de arquitetura Urban Garden Award 22.

Florestas urbanas são soluções necessárias

Introduzir árvores e outra vegetação nas cidades é a melhor forma de travar e reverter a tendência de aquecimento das cidades. Os benefícios destas florestas urbanas são, na maior parte dos casos, mensuráveis (pela avaliação da hidrologia urbana, aumento da biodiversidade ou poupança energética, por exemplo). Por exemplo, a vegetação citadina pode fazer a temperatura baixar em 1 ºC e as coberturas vegetais mais densas das copas das árvores podem fazê-la descer em 2 ºC adicionais, conclui um estudo norte-americano. Já outros benefícios, embora importantes, não são mensuráveis, como é o caso dos estéticos, psicológicos ou socioeconómicos.

Além de as florestas urbanas deverem ser parte integrante do planeamento das cidades e dos projetos urbanísticos, há também que ter em conta as espécies a privilegiar. Devem considerar-se não só as especificidades de cada local, mas também as necessidades e características de cada espécie (sem esquecer que as árvores crescem, tanto acima, como debaixo do solo), como alerta Cristina Alegria no estudo Floresta urbana: A árvore certa para o sítio certo. Um caso de estudo para a cidade de Castelo Branco. A dimensão e porte, o tipo de tronco, a forma da copa, o tipo de ramificação, a forma e coloração das folhas, das flores e o tipo de frutos são algumas das características que se devem ter em conta.

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Esta (re)introdução de vegetação pode ser feita de várias formas, desde a expansão de parques e plantação de arvoredo nas ruas, à instalação de jardins nos telhados ou mesmo de “telhados verdes”, especialmente concebidos para a plantação de árvores.

Florestas urbanas em Portugal e no mundo: da teoria à prática

Estão a ser dados passos importantes para a implementação de florestas urbanas e no reforço dos espaços verdes como medidas de mitigação. O nosso país demonstra o seu interesse nesta adaptação ao ser um dos 18 países que já assinaram o Acordo Cidade Verde, um acordo europeu pró-ambiente que pretende incitar a adesão voluntária de cidades europeias. É também o país que mais cidades tem envolvidas: em 89 cidades participantes até ao momento, 27 são portuguesas – Amadora, Braga, Cascais, Guimarães, Matosinhos, Oeiras, Ponta Delgada, Porto, Torres Vedras, Viseu e Évora são apenas algumas.

A visão é a de transformar as cidades, tornando-as mais verdes, limpas e saudáveis até 2030, acelerando a entrega de resultados como proposto pelo Pacto Ecológico Europeu. Os cinco grandes desafios ambientais a responder são:

  • Melhorar a qualidade do ar;
  • Fazer progressos no sentido de melhorar a qualidade da água e utilizá-la de forma mais eficiente;
  • Apostar na conservação e no melhoramento da biodiversidade urbana, aumentando em extensão e qualidade as suas áreas verdes;
  • Melhorar a gestão de resíduos para caminhar ao encontro da economia circular, com uma aposta na reutilização, reparação e reciclagem;
  • Reduzir a poluição sonora urbana.

Como explica o comissário para o Meio Ambiente, Oceanos e Pescas, Virginijus Sinkevičius, “com 70% dos europeus a viver em áreas urbanas, as cidades são essenciais para garantir um futuro saudável e ajudar-nos a alcançar as nossas metas de proteção do clima e da natureza. O Acordo Cidade Verde ajuda a enfrentar os desafios ambientais de forma holística e a implementar o Pacto Ecológico Europeu ao nível urbano. Contamos com o trabalho dedicado das lideranças municipais com consciência ambiental, o que é fundamental para que tanto a nossa geração quanto as futuras tenham mais qualidade de vida”.

 

 

 

De Norte a Sul, exemplos das florestas urbanas surgidas recentemente são:

Porto

A Rede de Biospots do Porto é um conjunto de áreas de floresta urbana, sobretudo com espécies autóctones. Com 14 áreas ao longo dos eixos de circulação principais e uma área de 17 hectares, até agora foram plantadas mais de 1900 das 10 mil árvores e arbustos nativos previstos.

Campo Grande, Lisboa

O relvado de 315 metros quadrados na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL) deu, em 2021, lugar a uma pequena floresta, plantada seguindo o método Miyawaki. Integrado no Laboratório Vivo para a Sustentabilidade da FCUL, na zona verde estão mais de 600 plantas autóctones.

Areeiro, Lisboa

Nascem duas pequenas florestas no Parque Urbano do Casal Vistoso, usando também o método Miyawaki. Em janeiro de 2023 arrancou a primeira fase da plantação em 600 metros quadrados dos 2500 cedidos pela Câmara Municipal de Lisboa. Foram plantadas mais de 1700 árvores, plantas e arbustos de 32 espécies.

Alandroal, Évora

Para mitigar os efeitos das alterações climáticas no Alentejo, o projeto Além Risco (Financiado pelo EEAGrants) pretende plantar 50 mil árvores, preferencialmente espécies autóctones, nos aglomerados urbanos do Alentejo Central.

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Saiba como em 40 anos, a Serra do Monsanto, em Lisboa, deixou de ser uma zona de hortas e produção de cereais e se tornou no maior dos parques florestais da região de Lisboa.

Conheça alguns exemplos de florestas urbanas por todo o mundo:

Pocket parks

Estes espaços compactos resultam da transformação de espaços urbanos vazios ou sem uso em pequenos oásis verdes no meio da cidade. Do México ao Brasil, dos Estados Unidos à Austrália e a Hong Kong, os pocket parks apresentam-se como uma solução para trazer a natureza às cidades. Estas pequenas florestas podem ser construídas em baldios ou lotes urbanos por desenvolver, mas também podem surgir como alternativa ao alcatrão.

Bruxelas, Bélgica

Seguindo as diretrizes do plano Good Living, Bruxelas pretende criar vários “corredores verdes” pela cidade, além de estar a avançar com a plantação de florestas urbanas. Segundo as diretrizes deste projeto, 10% a 15% da área de cada rua da cidade será reservada à plantação de árvores e vegetação, percentagem que pode ser ajustada, dependendo do resultado de estudos de impacte ambiental.

Nottingham, Inglaterra

O designer Thomas Heatherwick repensou a cidade de Nottingham a partir de um “novo coração verde”. O plano começou a sair do papel em 2022 e continuará a ser implementado em 2023. Este projeto poderá servir de guia para outras cidades.

Paris, França

Os Campos Elísios preparam-se para uma remodelação ao reduzir o espaço agora dedicado aos automóveis, transformando-o em mais área verde (num total de um hectare e meio, com mais de cem árvores), a tempo dos Jogos Olímpicos de 2024.

Grécia, Atenas

O Ellinikon, antigo aeroporto internacional de Atenas, agora desativado, vai dar lugar a um parque metropolitano de mais de 240 hectares. Serão plantadas espécies autóctones, num total de 31 mil árvores de 86 espécies e mais de três milhões de plantas

Sófia, Bulgária

Também em Sófia vai nascer uma nova floresta urbana, que irá compor uma rede de espaços verdes na cidade. Este projeto, que arrancou em 2022, irá ocupar 13 hectares e terá 86 mil árvores plantadas. Pretende-se que inclua áreas recreativas no futuro.

Clifton, Paquistão

A Floresta Urbana de Clifton nasceu na periferia da cidade de Carashi. Com 600 mil árvores, 83 espécies de plantas e um lago de água doce, ocupa a área antes ocupada por uma lixeira e pretende ser um pulmão da região.

Nanchang, China

Na província de Jiangxi nasceu o Nanchang Fish Tail Park, uma floresta flutuante de 50 hectares, preparada para a época das monções, que ocupa uma área urbana antes abandonada. O modelo é replicável a outras regiões urbanas com as mesmas características climáticas.

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Além de mitigarem os efeitos das alterações climáticas, as florestas urbanas surgem também como arma para contrariar a ansiedade climática, ou eco-ansiedade. Ligadas a uma melhor saúde física e mental, à redução de stress e à diminuição de problemas de saúde decorrentes do calor excessivo, estes pulmões verdes têm ainda o poder de reforçar os laços da comunidade. São estas as muitas facetas das árvores ao serviço das cidades.