Conhecer

Fogo

Fogo: a evolução dos incêndios rurais em Portugal

Nos últimos anos, tem aumentado o número de grandes incêndios que atingem as áreas rurais. Pela dimensão e intensidade do fogo, esta nova geração de incêndios dá origem a áreas ardidas mais extensas, com impacte socioeconómico significativo e perda de vidas.

Nas duas últimas décadas, a área média anual percorrida pelo fogo mais do que duplicou em Portugal face ao decénio 1980-1989. Na década de 90, a média anual de área ardida ultrapassou os 100 mil hectares e na seguinte, entre 2000-2009, superou os 150 mil hectares.

Só entre 2009 e 2018, os grandes incêndios (com áreas superiores a 100 hectares) foram responsáveis por 68% da área ardida, embora representem apenas 0,66% das ocorrências registadas, como realça o relatório O Mediterrâneo Arde (2019), da WWF.

Surgiu uma nova geração de incêndios, muito rápidos, muito intensos, impossíveis de extinguir e que causam danos catastróficos. São denominados incêndios de sexta geração e libertam tanta energia que têm a capacidade de alterar as características meteorológicas ao seu redor.

O primeiro registo de um megaincêndio (com dimensão superior a 10 mil hectares) data de 1986: o incêndio de Vila de Rei, que consumiu 10,032 mil hectares. Os seguintes ocorreram depois de 2000, com especial destaque para os anos de 2003, 2017 e 2022.

Entre 2000 e 2023 foram registados 51 megaincêndios, indicam as estatísticas de incêndios rurais do ICNF – Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas. Deste total, nove aconteceram em 2023, 12 ocorreram em 2017 (o primeiro relatório da Comissão Técnica Independente indicava 11 em 2017) e 17 em 2022.

Em junho de 2017, em Pedrógão Grande, ocorreu o primeiro incêndio na Europa qualificável como sendo de sexta geração. Em outubro, ocorreu o segundo.

Evolução da área ardida anual e média por década, 1980-2023

Número de megaincêndios em Portugal, 1980-2023

À semelhança do que acontece em Portugal, outros países de clima mediterrânico do sul da Europa, (Espanha e Grécia, principalmente), tiveram anos com áreas ardidas elevadas resultantes de megaincêndios desde o ano 2000, o que demonstra a amplitude do problema e a necessidade de um esforço conjunto para implementar soluções de fundo.

A Comissão Europeia tem desenvolvido esforços para mitigar os impactes dos incêndios florestais, especialmente depois de 2021, ano da publicação da nova Estratégia da UE para a Adaptação às Alterações Climáticas.

Espanha, por exemplo, registou incêndios que se comportaram como sendo de sexta geração em 2021 e em 2023, levando a debate a necessidade de criar estratégias de prevenção através de paisagens vivas, diversas, resistentes e resilientes, apostando, por exemplo, em paisagens corta-fogo.

O regime de fogo atual reflete alterações significativas no uso do solo, resultantes do progressivo abandono rural, o que resultou em paisagens mais homogéneas, com grande acumulação de biomassa e mais inflamáveis.

A história dos incêndios rurais em Portugal

A área florestal começa a aumentar em Portugal a partir do século XX (de cerca de um milhão de hectares em 1880 a cerca de 3,5 milhões em 1995), sendo o sub-bosque intensamente explorado para o gado e estrumação das terras. Até aos anos 60, os incêndios não eram considerados um problema, o que levou que, até 1977 apenas fossem recolhidos dados de área ardida quando eram atingidos perímetros florestais públicos ou comunitários, ou seja, áreas geridas pelo Estado. Só no final dos anos 60 e início dos anos 70 é que a área ardida começa a ser significativa, a par do crescente abandono rural.

Se até 1974 não havia registo de áreas ardidas em povoamentos florestais superiores a 5 mil hectares (em 1968 e 1970 a área total ardida ultrapassou este valor devido à quantidade de matos queimados), nos anos 80 a área de floresta ardida ultrapassa os 50 mil hectares. As décadas seguintes trouxeram um agravamento deste cenário. Nos anos 90, a área ardida de povoamentos florestais ultrapassa os 100 mil hectares e, nos anos 2000, os 300 mil hectares. Além disso, com a constatação de que os incêndios atingem não só florestas, mas também áreas agrícolas e matos (entre outras ocupações), passa a ser adotada a designação de incêndios rurais.

Qual a diferença entre fogo e incêndio?

Fogo é uma combustão controlada no espaço e no tempo, que pode ter características benéficas (por exemplo, o uso deliberado na produção silvopastoril com vista à renovação da vegetação para alimentar os animais).

Incêndio é uma combustão não planeada e descontrolada, com características negativas, que requer uma resposta (de supressão ou outras).

Evolução da área ardida em matos e povoamentos florestais, 1943 – 1979

Evolução da área ardida, 1980-2023

Análises recentes de cartografia de anos anteriores, com maior precisão espacial, levaram à revisão dos dados de áreas ardidas das décadas de 80 e 90. Por isso, existem diferentes valores publicados, consoante a fonte.

Ainda assim, o que se verifica em Portugal é uma tendência de crescimento da área ardida até ao final da década de 90, altura em que começam a surgir anos com valores recorde de área ardida, resultantes de grandes e megaincêndios mais frequentes.

Curiosidades históricas

Os primeiros escritos conhecidos que proíbem o fogo em matos com sobreiros e azinheiras –para evitar a queima destas árvores – datam do século XIV, constando das Posturas antigas da Camara de Évora (1375 a 1395), relembra uma tese de doutoramento dedicada à educação ambiental na redução do risco de incêndios.

O Pinhal de Leiria foi um dos primeiros espaços florestais a ser alvo de uma intervenção para o proteger dos incêndios, com a abertura de um aceiro a norte e a sul da mata, em 1699.

Em 1836, Frederico Varnhagen, primeiro administrador do Pinhal de Leiria, terá sido o primeiro especialista dedicado à floresta a descrever a utilização do fogo controlado no pinhal, durante o inverno, como forma de evitar os incêndios no verão.