Conhecer

Madeira

Quais as propriedades da madeira e como se avaliam?

Consoante as características das madeiras, elas podem ter diferentes comportamentos, exigir cuidados de preparação ou transformação específicos e permitir técnicas de laboração distintas. Conhecer estas características ajuda a identificar as principais propriedades da madeira – físicas, mecânicas e tecnológicas.

À primeira vista, as madeiras podem ser avaliadas pelo seu aspeto, através de características como a cor e o brilho, o cheiro, a largura (maior ou menor) dos anéis de crescimento, o grão, a presença de defeitos ou pelo peso da madeira, que nos dá indicações sobre a sua densidade e dureza. Estas características estão associadas às propriedades da madeira e permitem a um artesão ou profissional desta indústria diferenciar, por exemplo, entre uma madeira de carvalho e de freixo.

A primeira tem uma cor castanha no cerne (interior do tronco) e mais amarelada no borne (exterior), um grão grosseiro e desigual, é pesada, dura, resistente e durável; a segunda tem um tom uniformemente amarelo-rosado, com anéis de crescimento bem distintos e um grão medianamente grosseiro, apresentando dureza média e alta elasticidade.

No entanto, muitas destas características, que condicionam a adaptabilidade e comportamento da madeira em diferentes utilizações, podem ser avaliadas mais objetivamente pela determinação das suas propriedades físicas, mecânicas e tecnológicas, assim como das suas características químicas e anatómicas.

De acordo com a obra “Madeiras Portuguesas”, de Albino de Carvalho, os três tipos principais de propriedades da madeira, que servem de base à sua caracterização, relacionam-se com as propriedades físicas, mecânicas e tecnológicas.

Vejamos com mais detalhe o que englobam e como se conhecem estes três tipos de propriedades da madeira que definem o seu comportamento, o tipo de cuidados de que necessitam e os trabalhos a que se prestam.

Propriedades da madeira: físicas

Além das características gerais inerentes de cada espécie que estão associadas à composição da madeira – como a cor e o cheiro, por exemplo –, são propriedades físicas a humidade ou teor de água presente na madeira, a densidade ou massa volúmica, a sua retração ou retractilidade e a sua dureza.

– Humidade ou teor de água

Calcula-se pela diferença de peso da madeira antes e após o processo de secagem, que embora possa decorrer ao ar livre, é normalmente feito em estufa. A água é um componente importante no crescimento e desenvolvimento das árvores, circulando livremente nos espaços vazios das células, nos vasos condutores e também nas paredes celulares. Durante a secagem, esta água é parcialmente removida e o processo pode causar retrações e alterações nas propriedades da madeira, razão pela qual há que ter atenção ao processo.

De notar que a madeira se considera seca quando se atingem valores de cerca de 12% de teor de água – este é o chamado valor de referência H de 12%. Com a madeira seca até este valor de humidade, é possível fazer a sua preparação e tratamento, incluindo a conservação e a impregnação, que vão permitir obter produtos mais resistentes e duráveis.

Assim, é importante estabelecer o estado de humidade da madeira – também designado por teor de saturação das fibras – e ter em conta que, quando a humidade do ar está acima ou abaixo do teor de saturação das fibras, pode haver alterações nas madeiras.

Interior_2_propriedades_da_madeira

Existem equipamentos que fazem automaticamente a medição da humidade.

– Densidade ou massa volúmica

É a relação entre a massa e o volume da madeira, expressa em quilogramas por metro cúbico (kg/m³). A avaliação é feita quando a madeira tem um teor de água de referência de 12% (que é também o teor de humidade média dentro dos nossos edifícios) e pode medir-se com uma balança de precisão (kg) e um dispositivo de medição de volume (m³). A densidade é geralmente uma das propriedades da madeira que indica a sua resistência: quanto mais densa, maior será a sua resistência e mais difícil será trabalhar ou processar esta madeira.

– Retração ou retractilidade

Está relacionada com a perda de água das fibras, que promove a retração das paredes celulares, levando, por sua vez, à redução de volume de madeira, o que pode causar deformações e empenos durante a secagem. A retração pode ocorrer nas três direções principais: axial ou longitudinal, radial e tangencial, sendo a retração volumétrica a soma das três retrações lineares.

A retração axial é a que ocorre na direção das fibras da madeira. Sabe-se que a retração axial da madeira é baixa, não tendo, relativamente às outras duas retrações, significado prático relevante.

A retração radial segue o sentido dos raios da madeira, perpendicularmente aos seus anéis de crescimento e é habitualmente menor (entre 1,5 e 2 vezes menor) do que a retração tangencial, que ocorre na direção tangencial aos anéis de crescimento.

As diferenças entre os valores de retração vão dar origem a deformações e empenos durante a secagem, especialmente em madeiras que têm valores de retração axial muito elevados, superiores aos valores de retração transversal. Isto significa que as madeiras vão contrair mais no sentido axial do que no sentido transversal e, ao secar, vão surgir empenos e deformações longitudinais.

O quociente entre a retração tangencial e a retração radial – conhecido como valor de anisotropia – permite conhecer a tendência para a deformação transversal das peças. Quanto menor for este valor, menor a tendência para a deformação. As madeiras que apresentam valores de anisotropia de retração perto de 1 (significando que o valor da retração é semelhante nos dois planos) são as melhores para marcenaria, pois não tendem a deformar.

Interior_3_propriedades_da_madeira

– Dureza

É a medida da resistência da madeira e o seu comportamento ao desgaste. Está relacionada com a facilidade (ou não) da madeira ser trabalhada e com a sua densidade, sendo as madeiras mais duras geralmente mais densas e difíceis de trabalhar do que as madeiras menos densas e mais brandas.

A dureza pode ser determinada usando métodos diferentes, que dão origem a dois valores de dureza:  Chalais-Meudon e Janka:

  • A dureza Chalais-Meudon, ou CM, é medida pela profundidade da mossa causada na superfície radial de um provete de madeira (bloco de madeira, de dimensões e direção de corte estabelecidos para avaliar as diferentes propriedades da madeira) por um cilindro de aço de 15 milímetros de raio (30 milímetros de diâmetro) sob uma carga de 100 quilogramas de força por centímetro (kgf/cm).
  • A dureza Janka é a avaliação da força necessária para fazer penetrar, até meio da madeira, uma esfera com 5,8 milímetros de raio (11,6 milímetros de diâmetro). Este valor dá informações úteis, por exemplo, quanto à potencialidade da utilização de uma madeira em pavimentos ou outras finalidades em que haja concentrações de cargas.

Propriedades mecânicas da madeira

As propriedades mecânicas são determinadas pelo comportamento da madeira quando é sujeita a forças externas e conhecem-se através de testes que indicam até que ponto diferentes madeiras podem aguentar pressões e impactos de compressão, flexão, tração e fendimento.

– Compressão

A resistência à compressão é avaliada aplicando forças controladas sobre a madeira até que ela atinja o ponto de rutura. As cargas podem ser aplicadas paralelamente ao fio da madeira (compressão paralela ou axial) ou transversalmente (compressão transversal). O resultado é a chamada tensão de rotura, medida em quilogramas por centímetro quadrado (kg/cm2), que expressa a força necessária para provocar a rotura da madeira, ou seja, quantos quilogramas por centímetro quadrado a madeira pode suportar.

Quando a força aplicada é superior ao que a madeira consegue suportar, podem começar a surgir vários tipos de roturas e deslizamentos de fibras, incluindo, entre outras, rachas laterais ou longitudinais e cisalhamento.

Interior_4_propriedades_da_madeira

Tipos de rotura em ensaios de compressão axial. Fonte: baseado em propriedades da Madeira, Departamento de Engenharia e Tecnologia Florestal, Universidade Federal do Paraná.

– Flexão

A resistência à flexão avalia-se através da aplicação de uma carga no centro de um provete de madeira com as extremidades apoiadas. O objetivo é avaliar qual a força, medida em quilogramas por centímetro quadrado (kg/cm2), que leva ao ponto de rotura da madeira e qual a deformação causada.

Normalmente avalia-se a flexão estática e a flexão dinâmica, sendo a resistência à flexão uma das características mais importantes em materiais estruturais, como postes e vigas para fundações, pontes e, por exemplo, para suporte de telhados ou de pisos.

A flexão estática é avaliada aplicando força no centro do provete até este quebrar, enquanto a flexão dinâmica é uma avaliação ao choque: é feita aplicando uma força de impacto, numa fração de segundos, e avaliando a reação da madeira a este embate. Esta resistência é importante quando se utiliza madeira em cabos de ferramentas ou escadas, aplicações em que a madeira vai ser sujeita a choques.

Interior_5_propriedades_da_madeira

Ensaio de flexão estática

– Tração

A resistência à tração é outra das características associadas ao potencial de utilização da madeira para finalidades estruturais. Tal como as anteriores, mede-se em quilogramas por centímetro quadrado (kg/cm2) através da aplicação de forças até se atingir o ponto de rotura.

Neste caso, a força é aplicada de ambos os lados, puxando a madeira para perceber quando deixa de resistir. Normalmente são avaliadas a tração axial ou paralela às fibras e a tração perpendicular às fibras.

Interior_6_propriedades_da_madeira

Ensaio de tração axial ou paralela às fibras. Fonte: baseado em A riqueza das madeiras portuguesas – Propriedade e Fichas Técnicas, Associação das Indústrias de Madeira e Mobiliário de Portugal (AIMMP).

Interior_7_propriedades_da_madeira

– Fendimento

A resistência ao fendimento é avaliada pela capacidade de a madeira manter a sua coesão quando sujeita a tração perpendicular, ou seja, é o limite a partir do qual a madeira perda a coesão e começa a fender ou rasgar. Mede-se também em quilogramas por centímetro quadrado (kg/cm2) e, tal como as anteriores, permite perceber quais são as madeiras mais resistentes.

A madeira apresenta normalmente uma baixa resistência axial ao fendimento. Podemos observar esta baixa resistência axial quando se corta, com um machado, um tronco para lenha. Se este é um aspeto positivo quando se pretende obter lenha, as fendas que pode aparecer quando a madeira é furada, pregada ou aparafusada constituem limitações.

Propriedades tecnológicas da madeira

As propriedades tecnológicas estão associadas à maior ou menor facilidade da madeira em ser trabalhada, numa perspetiva prática. Incluem a identificação de propriedades que podem requerer diferentes abordagens de transformação (serragem, desenrolamento, corte, entre outros), preparação e laboração, incluindo defeitos, durabilidade, boa (ou má) capacidade de ligação a outros materiais e tipos de acabamento superficial que são mais adequados.

– Conversão ou transformação

Incluem todas as ações relacionadas com a primeira transformação, ou seja, que transformam o fuste ou tronco de uma árvore noutros sólidos para utilização direta ou indireta: toragem (corte do tronco em segmentos), separação da casca e diferentes cortes.

Aqui as propriedades da madeira são avaliadas de acordo com parâmetros como a conformação do fuste, a facilidade de serragem, a perfeição das superfícies resultantes do corte, a facilidade (ou dificuldade) de desenrolamento (desenrolando o toro para obter uma folha de madeira), os diferentes planos ou direções de corte que a madeira permite, a sua aptidão de corte por ferramentas manuais e mecânicas ou a presença de nós ou outras anomalias.

Interior_8_propriedades_da_madeira

– Preparação

É importante conhecer estas propriedades da madeira para saber quais as formas mais adequadas de preparar os “produtos” resultantes da primeira transformação para as intervenções seguintes. Na preparação, inclui-se a secagem e as técnicas de conservação e impregnação.

A secagem é uma operação importante na preparação da madeira transformada e a capacidade de secagem das madeiras, assim como a melhor forma de a fazer – ao ar livre ou usando câmaras de secagem –, varia consoante as espécies.

Na conservação e impregnação consideram-se a suscetibilidade e os riscos a que a madeira está exposta desde o início da sua preparação até ao final do processo de secagem (altura em que o material lenhoso pode começar a biodegradar-se). Neste sentido, importa saber o tipo de proteção que lhe pode ser aplicado para reduzir as suas vulnerabilidades e manter a madeira nas melhores condições por mais tempo.

Interior_9_propriedades_da_madeira

Consideram-se, por exemplo, os riscos de exsudação de resina e a sensibilidade da madeira ao ataque de insetos que dela se alimentam (insetos xilófagos) e a fungos (como o azulado da madeira). Em função dos riscos, avaliam-se os benefícios (ou inconvenientes, como reações adversas da madeira) de proceder ao tratamento preventivo da madeira já seca com a impregnação de matérias protetoras, que ajudem a aumentar a sua resistência e prolongar a sua vida útil.

– Defeitos

Pretendem-se reconhecer, identificar e quantificar os defeitos e anomalias que afetam o comportamento e o desempenho da madeira como material, tanto os que se relacionam com a formação da madeira na árvore, como os que podem decorrer após o corte, incluindo durante os processos da secagem e laboração.

Os principais defeitos das madeiras portuguesas estão relacionados com: deformações do fuste; presença de nós (zonas onde um ramo lateral cresceu para fora do tronco); fio torcido (direção preferencial das fibras); irregularidades de crescimento no diâmetro da madeira; medula excêntrica (quando o centro da medula não se encontra no centro geométrico do tronco); lenho de reação (quando as árvores crescem desequilibradas, formam um lenho diferente para tentar voltar à posição original); bolsas de resina ou de goma; fendas; fissuras; manchas; podridões; ataques de insetos (que deixam orifícios e galerias); defeitos de secagem (como deformações ou fendas) e defeitos de laboração.

Interior_10_propriedades_da_madeira

– Durabilidade

Nesta vertente, pretende avaliar-se a durabilidade natural da madeira, incluindo a sua vulnerabilidade a infestações e infeções. Os testes implicam a exposição da madeira a condições ambientais adversas, como humidade ou o ataque por organismos que se alimentam de madeira (organismos xilófagos), de modo a observar a sua reação ou degradação ao longo do tempo.

As madeiras são classificadas relativamente à sua resistência geral, através de uma média da sua resistência aos diferentes agentes (podridões e fungos, térmitas, carunchos, entre outros), fazendo-se depois a distinção entre a resistência do cerne (interior) e do borne (exterior), este último naturalmente menos durável do que o cerne.

– Laboração

Considera-se a laboração como a transformação final das peças, realizada sobre a madeira seca e, eventualmente impregnada. Nesta etapa, identificam-se os problemas que podem estar associados às ferramentas e máquinas usadas em cada operação, para poder avaliar que madeiras respondem melhor (ou pior) a cada processo.

Por norma, a avaliação é feita tendo em conta a utilização de ferramentas mecânicas nas principais operações de laboração:

  • Aplainamento, com remoção de porções de lenho, sob a forma de aparas, para obter uma superfície lisa;
  • Fresagem ou molduragem, cortando cantos ou ranhuras nas peças de madeira;
  • Torneamento, dando origem a produtos arredondados;
  • Furação, usando brocas, furadoras ou puas;
  • Respigagem, criando furos e espigas que permitem fazer o encaixe entre duas peças de madeira;
  • Lixagem, procedendo ao acabamento superficial da madeira, normalmente com lixas ou lixadoras;
  • Cortes – rodear e topejar (diferentes tipos de cortes da madeira) e corte mecânico.
Interior_11_propriedades_da_madeira

Respigagem

– Ligações (a outros materiais)

A utilização de madeira como material de construção, mobiliário ou marcenaria requer a utilização de diferentes processos e materiais de ligação. Como a avaliação do comportamento do material à execução das superfícies de ligação já foi feita na laboração (a respigagem e outros cortes), aqui avalia-se o comportamento da madeira relativamente à receção e fixação de ligações metálicas – como cavilhas, por exemplo – e a sua reação e durabilidade quando são aplicados produtos ligantes, como colas e adesivos.

– Acabamento superficial

Por fim, avalia-se o comportamento da madeira face aos procedimentos que preparam a sua superfície (como a lixagem, raspagem ou polimento) para receber produtos de revestimento e acabamento. Deste modo, conhecem-se quais os procedimento e produtos de acabamento são melhor (ou pior) recebidos por diferentes madeiras: isolantes, vedantes e protetores, incluindo velaturas, tintas, vernizes e ceras.

Interior_12_propriedades_da_madeira