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Espécies Florestais

Quercus: a grande diversidade de carvalhos em Portugal

Alguns são árvores de grande porte e beleza, outros pequenos arbustos que escapam ao olhar menos atento, mas se há um grupo de espécies incontornável nas florestas portuguesas são os carvalhos. Fique a conhecer um pouco mais sobre eles, neste artigo em colaboração com João Ezequiel.

Portugal terá sido um território coberto de florestas de carvalhos, embora pouco nos tenha chegado do coberto florestal desses tempos. Ainda assim, os carvalhos representam a base da floresta nativa portuguesa e a variedade de solos e clima no nosso país contribuiu para a diversidade de associações florestais do género Quercus existentes.

Este género da família das fagáceas (Fagaceae), que inclui também os conhecidos castanheiros (Castanea sativa) e as faias (Fagus sylvatica), possui cerca de 450 espécies a nível mundial, grande parte concentradas na América do Norte.

Quanto aos carvalhos, no nosso país existem oito espécies nativas: carvalho-cerquinho ou carvalho-português (Quercus faginea), carvalho-roble ou alvarinho (Quercus robur), carvalho-negral (Quercus pyrenaica), carvalho-de-Monchique (Quercus canariensis), carvalhiça ou carvalho-anão (Quercus lusitanica), sobreiro (Quercus suber), azinheira (Quercus rotundifolia) e carrasco (Quercus coccifera).

A elas juntam-se outras espécies de carvalhos exóticos, como o carvalho americano (Quercus rubra) ou  os Quercus coccinea, Q. palustris e Q. imbricaria, todos originários da América do Norte. Lá, como aqui, são hoje comuns em plantações florestais ou como árvores ornamentais.

Embora a expressão “carvalhos” esteja habitualmente associada às espécies existentes mais a norte do país, esta família engloba também o sobreiro e a azinheira, que fazem parte da paisagem do sul de Portugal.

Distribuição dos carvalhos arbóreos nativos em Portugal

gráfico ocupação carvalhos em portugal

A maioria dos carvalhos tem aspeto de árvore (porte arbóreo, como o sobreiro, por exemplo), embora alguns possam ser arbustos (a exemplo da carvalhiça). Alguns têm folhas caducas, que caem no outono-inverno enquanto outros têm folhas persistentes, que se mantêm o ano inteiro, e outros ainda folhas marcescentes, casos em que as folhas antigas só caem quando são substituídas pelas folhas nascentes.

Apesar desta multiplicidade de características, todos eles têm em comum a mesma forma de reprodução: cada carvalho possui flores masculinas e femininas (característica que em botânica as designa por plantas monoicas).  As flores masculinas encontram-se agrupadas em inflorescências com forma de pequenos cilindros pendentes (os amentilhos), facilmente observáveis nos ramos jovens no início da primavera; as femininas surgem solitárias ou em pequenos grupos, junto ao ponto em que nascem as novas folhas (axilas das folhas). A polinização das flores é efetuada predominantemente pelo vento e os frutos dos carvalhos são as conhecidas bolotas – chamados de aquénios na botânica -, um tipo de fruto que se confunde com a semente. As bolotas têm uma cúpula característica, em forma de taça, que esconde parcialmente o fruto e que pode, ou não, cair durante a maturação.

robur

Foto © João Ezequiel

bolotas

Foto © João Ezequiel

As flores masculinas em amentilhos (Q. robur, esquerda) e os frutos (Q. lusitanica, direita) dos carvalhos são características bem distintivas do grupo.

Embora a regeneração dos carvalhos seja feita maioritariamente através das bolotas, alguns dos que existem em Portugal têm capacidade de regenerar pela toiça, ou seja, pelos rebentos que crescem naturalmente depois de a árvore ser cortada perto do solo. Outros, como a carvalhiça (Quercus lusitanica) – também conhecida como carvalho-anão -, podem multiplicar-se através de reprodução vegetativa por estolhos, ou seja, novos rebentos dos caules, rasteiros que, de tempos a tempos, fazem surgir plantas idênticas à “planta mãe” (é assim que se reproduzem naturalmente variadas plantas, como  a hortelã ou os morangueiros).

Recuar 12 mil anos, até à floresta nativa de carvalhos

Os carvalhos que hoje povoam Portugal são a parte visível da chamada floresta Fagosilva, que cobriria grande parte do território desde há pelo menos 12 mil anos. Esta floresta dominada por carvalhos substituiu o coberto florestal que existia previamente, a Laurissilva, um tipo de floresta dominada por espécies da família das lauráceas (Lauraceae), típica de climas mais quentes e húmidos, e que cobre ainda hoje parte da ilha da Madeira. No continente restam pequenas áreas com estas antiguidades, os designados bosquetes de espécies relíquias, com adelfeira (Rhododendron ponticum), azevinho (Ilex aquifolium) ou teixo (Taxus baccata).

Durante o período de glaciações recorrentes, que ocorreu durante o Plistocénico (com início há cerca de 1,7 milhões de anos), a floresta de carvalhos disputou a sua distribuição com os pinhais e outras coníferas mais adaptadas aos períodos frios e à pouca disponibilidade de água. A adaptação dos carvalhos aos períodos interglaciares menos frios ajudou-os a ganhar proeminência na área florestal nacional, particularmente no final da última glaciação e durante o Holoceno (período geológico atual, que teve início há cerca de 11,7 mil anos).

Carvalhos

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ilustração Carvalhos

Os carvalhais foram historicamente importantes para o desenvolvimento das primeiras comunidades sedentárias no nosso território, providenciando alimento,  materiais de construção, energia e abrigo para caça. A prática do pastoreio, iniciada no Neolítico (entre 5 mil e 3 mil anos a.C.), contribuiu para aumentar a pressão sobre estas florestas – através da desflorestação e conversão em pastagens -, mas foi durante o período Romano, com a construção de cidades e estradas, o aumento da atividade agrícola e o incremento populacional, que os impactes sobre a floresta autóctone se acentuaram. Esta tendência intensificou-se ao longo da Idade Média, altura em que a procura crescente por madeira levou à plantação de florestas de produção, com espécies de crescimento rápido, como o pinheiro-bravo.

A importância da conservação das florestas de carvalhos é percebida bem cedo, como ilustra a lei das árvores de 1565, que denota o grau de degradação que os carvalhais portugueses registariam por esta altura. O consumo de madeira atingira o máximo durante a época dos Descobrimentos, em parte pela utilização na construção de embarcações comerciais ou militares: uma só nau, um dos navios mais comuns, então construídos aos milhares, requeria, pelo menos, 2 mil carvalhos.

Esta tendência de desflorestação só viria a inverter-se a partir do final do século XIX, com o aumento da área de florestas de produção, primeiro de pinheiros, sobretudo pinheiro-bravo (Pinus pinaster) e depois, já no século XX, de eucaliptos, sobretudo Eucalyptus globulus.

Apesar da progressiva redução de área ao longo da maior parte da história, os carvalhos representam ainda 36% da área florestal nacional, a maior fração da floresta portuguesa. A maior parte desta área é ocupada por sobreiros e azinheiras; os outros carvalhos representam apenas 2% da área ocupada por floresta em Portugal. Esta é uma das razões pelas quais a conservação e interesse comunitário das várias espécies de Quercus estão refletidas pelos vários habitats naturais constantes do Anexo I da Diretiva Habitats.

Os 8 carvalhos portugueses que comprovam a diversidade do género Quercus

Carvalho-Alvarinho

O carvalho-alvarinho, também conhecido como carvalho-roble (Quercus robur) é uma espécie adaptada ao clima de influência atlântica, que caracteriza o centro e norte litoral do nosso país. Esta espécie (ou, de acordo com vários botânicos, subespécie Quercus robur subsp. broteroana) é aparentada com o carvalho-francês (Q. robur L.) distribuído pela Europa.

O carvalho-roble é frequentemente encontrado em zonas de baixa altitude e matas ribeirinhas, onde providencia habitat a numerosas espécies animais, especialmente insetos, aves e mamíferos.

É um dos poucos que apresenta maioritariamente folha caduca. As suas folhas de cor verde-vibrante são recortadas e divididas em lobos de forma arredondada (lobadas).

As árvores podem ultrapassar os 40 metros de altura e ter uma longevidade de várias centenas de anos. Têm, normalmente, um crescimento mais rápido do que os restantes carvalhos arbóreos portugueses e a sua madeira é usada comercialmente para o fabrico de barricas para vinho e mobiliário. Esta espécie é muito usada também como ornamental, em parques, jardins e até arruamentos.

carvalho alvarinho
bolotas carvalho alvarinho

Folhas e bolotas do carvalho-alvarinho. Fotos © João Ezequiel

carvalho-negral

Carvalho-negral

Outro dos carvalhos mais comuns em Portugal é o carvalho-negral (Quercus pyrenaica), que se encontra, sobretudo, nas serras e terras altas do nosso país. Além de Portugal, só existe naturalmente no Sul de França, Espanha e no norte de Marrocos.

Esta é uma espécie que suporta bem os frios e a neve, que forma bosques extensos em encostas serranas, não calcárias, e que pode também ocorrer em montados de altitude.

As árvores de carvalho-negral crescem até aos cerca de 25 metros e têm folhas lobadas ou partidas, de forma e cor algo semelhantes às do carvalho-alvarinho, mas que se distinguem facilmente pela elevada densidade de pelos na face inferior. Neste caso, as folhas são caducas, embora nas árvores jovens elas permanecem nos troncos nas estações frias até que as novas as substituam (folha marcescente).

A sua madeira é usada, sobretudo, para lenha e carvão.

Carvalho-cerquinho ou carvalho-português

Outra espécie de folha marcescente muito comum é o carvalho-cerquinho ou carvalho-português (Quercus faginea), cuja distribuição natural se restringe à Península Ibérica e à parte ocidental do Norte de África.

Estas são árvores comuns, sobretudo em serras e terrenos calcários de clima mediterrânico, podendo ser encontradas também em montados.

Estes carvalhos não ultrapassam, normalmente, os 20 metros de altura. As suas folhas grandes e verde-escuras têm margens ligeiramente dentadas e a face inferior densamente coberta de pelos.

A sua madeira, de elevada qualidade, é muito apreciada em trabalhos de carpintaria.

carvalho-português
Carvalho-de-Monchique

Carvalho-de-Monchique

Outra das espécies tipicamente portuguesas é o carvalho-de-Monchique (Quercus canariensis), nativo do sul da Península Ibérica e da parte ocidental do Norte de África.

Este é o carvalho com a menor distribuição natural no nosso país, restrito à serra de Monchique (como indica o seu nome comum) e a algumas zonas junto às ribeiras afluentes do Rio Mira (Alentejo). Mesmo nestas zonas, a redução do número destes carvalhos levou à sua classificação como “Espécie criticamente em perigo”.

O carvalho-de-Monchique pode crescer até 30 metros de altura. As suas folhas inteiras (sem lobos ou recortes) são largamente serradas e desprovidas de pelos quando plenamente desenvolvidas.

A sua raridade impede o uso desta madeira e confere-lhe um excecional valor paisagístico.

Carvalhiça

O mais pequeno de todos os carvalhos é a já referida carvalhiça ou carvalho-anão (Quercus lusitanica). Esta pequena espécie encontra-se apenas em Portugal, Espanha e Marrocos, no sobcoberto de pinhais, carvalhais e eucaliptais.

É um arbusto que raramente ultrapassa os 30 centímetros de altura e que se propaga vegetativamente, aumentando o diâmetro com a idade. Possui pequenas folhas verde-escuras inteiras, dentadas ou ligeiramente lobadas e desprovidas de pelos quando desenvolvidas.

Apesar de ser uma espécie de crescimento muito lento, é uma planta muito interessante para espaços ajardinados, sobretudo pelo efeito de cobertura que proporciona.

carvalhiça

Foto © João Ezequiel

sobreiro

Foto © João Ezequiel

Sobreiro

De entre as espécies de carvalhos típicas de zonas de clima mediterrânico e mais comuns no nosso país, a mais conhecida e mais representada é, sem dúvida, o sobreiro (Quercus suber), que cobre 23% da área florestal nacional.

Nativa da parte ocidental da bacia mediterrânica, esta espécie pode ser encontrada um pouco por todo o país, mas domina em particular no litoral sul (nas paisagens das bacias sedimentares do Tejo-Sado e litoral português). A distribuição do sobreiro está associada sobretudo aos montados, mas pode ocorrer também em sobreirais, áreas mais densas e não sujeitas a pastoreio.

Os sobreiros são árvores majestosas, com alturas até aos 25 metros e copas largas que, por vezes, tocam o solo. As suas folhas pequenas e coriáceas (rijas, de textura semelhante a couro), inteiras ou denticuladas, são normalmente verde-escuras e permanecem durante todo o ano, mas a característica que mais facilmente o identifica é a cortiça, que cobre tronco e ramos. Esta casca espessa, rica em suberina, tem propriedades únicas e importantes, como a impermeabilidade e a elasticidade.

Azinheira

Outro dos carvalhos de folha persistente que mais vemos em Portugal é a azinheira (Quercus rotundifolia).

Muito comum na Península Ibérica e na parte ocidental do Norte de África, encontramo-la em quase todo o território nacional: é a segunda espécie de Quercus mais representada no país e representa 11% da área florestal nacional. À semelhança do sobreiro, também a maior parte da área que ocupa em Portugal ocorre em montados, contribuindo para o dinamismo da economia agrossilvopastoril.

Esta é uma espécie que cresce em quase todos os tipos de solos, pois é tolerante a zonas secas e pedregosas.

A azinheira é uma árvore pequena, com até 15 metros de altura, com folhas pequenas e coriáceas inteiras ou dentadas, de um tom verde-escuro com nuances acinzentadas.

A sua madeira, muito dura e densa, é usada para lenha e carvão.

Azinheira
carrasco

Carrasco

Finalmente, o carrasco (Quercus coccifera) é outro carvalho  típico da bacia mediterrânica e encontra-se, principalmente, na metade Sul do nosso país, inclusive em zonas secas e pedregosas, em solos pobres e calcários, e em encostas desprovidas de outras árvores.

Com folhas pequenas, coriáceas e dentado-espinhosas de cor verde-escura, é outro dos carvalhos de folha perene.

De porte arbustivo, não ultrapassa, normalmente, os dois metros de altura. Há, contudo, exceções e as populações das Serras de Sintra e Arrábida, onde alcança os 17 metros de altura, têm levado alguns autores a descrever parte destes carvalhos como pertencendo a outra espécie, o Quercus pseudococcifera.

No passado, a madeira do carrasco era usada, em alguns locais, para a produção de carvão.

Sabia que:

• A palavra carvalho teve origem na expressão pré-romana “carb” ou “carv” que significa ramagem. A origem da palavra está também relacionada com as expressões célticas “car” ou “kaer”, que significam perene ou belo, e “valos”, forte. Pensa-se que os carvalhos seriam vistos como árvores belas e perenes, com ramagens que se mantinham durante todo o ano.

• Pensa-se que é da responsabilidade dos gauleses, o povo celta que habitava o território que constitui atualmente a França, a utilização de madeira de carvalho para fabricar barris de madeira para transporte de vinho e alimentos. O transporte era anteriormente feito em ânforas de argila, mais frágeis, pelo que os barris de madeira foram uma alternativa mais resistente. Mantém-se até aos dias de hoje a utilização de barris de carvalho para envelhecer vinhos.

• Como os carvalhos são árvores que demoram tempo a crescer, a produzir bolotas e podem viver durante centenas de anos, estão associados à solidez, longevidade, força, poder, majestade, sabedoria e hospitalidade. Os Gregos e os Romanos, que associavam árvores às divindades que veneravam, consideravam, respetivamente, o carvalho como a árvore de Júpiter e Zeus, o pai de todos os deuses.

• Os carvalhos pertencem à família das fagáceas. Esta é uma das mais antigas famílias de plantas com flor e surgiu há cerca de 90 milhões de anos, no final da “era dos dinossáurios”. As primeiras fagáceas apareceram na altura em que os continentes africano e sul-americano se começaram a separar, surgindo entre ambos o oceano Atlântico.

• O carvalho de Calvos, com mais de 500 anos,  é provavelmente o exemplar de Quercus robur mais antigo da Península Ibérica e o segundo mais antigo da Europa.

• A madeira mais procurada para a construção de navios, além dos pinheiros (Pinus spp.) disponíveis nas matas do litoral, eram na sua maioria carvalhos: sobreiro (Q suber), carvalho-roble (Q. robur) e carvalho-português (Q. faginea). A necessidade de grandes quantidades de madeira, especialmente na altura dos Descobrimentos, ajudou à redução da área florestal um pouco por toda a Europa e deu origem a várias iniciativas legislativas para proteger algumas espécies do corte e incentivar a sua plantação.

• Existem vários carvalhos de dimensões consideráveis registados na plataforma Monumental trees: carvalhos-portugueses (Q. faginea), sobreiros (Q. suber) e carrascos (Q. coccifera).

• Os carvalhos (especialmente o Q. robur e o Q. petraea) mantiveram um papel importante na sociedade ao longo dos séculos, fornecendo madeira para construção e para lenha, bolotas para alimentar o gado e casca para taninos. Os gregos, alemães, eslavos e celtas consideravam os carvalhos uma árvore sagrada. É por isso que aparece frequentemente em símbolos nacionais ou regionais como é o caso de moedas alemãs, britânicas ou do brasão da Bulgária, ilustrado por folhas e frutos de carvalhos.

moedas alemãs
moedas alemãs 2
brasão-bulgária

João Ezequiel

Curador da Quinta de S. Francisco, onde está localizado o RAIZ – Instituto de Investigação da Floresta e Papel, é responsável pela gestão, conservação e divulgação deste arboreto único a nível europeu. Doutorado em Biologia pela Universidade de Aveiro (UA), na área da Fitofisiologia, é autor de mais de 40 publicações científicas em ecofisiologia, botânica e divulgação científica. Foi colaborador do Real Jardín Botánico de Madrid (Flora Ibérica) e do Herbário da UA, onde participou em projetos como o Plano de Requalificação da Mata Nacional do Buçaco e na candidatura do Arquipélago das Berlengas a Reserva da Biosfera da UNESCO. Ler mais sobre o perfil e percurso profissional do autor