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Árvores Monumentais

Dragoeiro: a espécie e o mais antigo sangue-de-dragão em Lisboa

Tanto o seu nome comum, dragoeiro, como o seu nome científico, Dracaena draco, evocam seres fantásticos que persistem no imaginário desde as culturas clássicas. Descubra o mais emblemático dos seus exemplares, no Jardim Botânico da Ajuda, em Lisboa, assim como lendas e histórias em torno desta espécie, em colaboração com Pedro Barcik.

O mais antigo e emblemático dragoeiro em Portugal continental está localizado no Jardim Botânico da Ajuda, em Lisboa, e a sua imagem é o símbolo deste jardim.

O Jardim Botânico da Ajuda foi o primeiro jardim botânico fundado em Portugal, em 1768, e o dragoeiro que se tornou no seu símbolo é também o mais antigo que se conhece no território continental. Foi ali plantado por Domingos Vandelli, botânico italiano que projetou este “horto régio” em terrenos do Palácio da Ajuda, por ordem do rei D José.

O dragoeiro é mais velho do que o próprio jardim, já que fazia parte de um lote de sete plantas já adultas trazidas da ilha da Madeira, e é também um dos raros sobreviventes da coleção original do Jardim Botânico da Ajuda.

Este exemplar poderá ter servido de base às primeiras descrições científicas desta espécie, no século XVIII. Ainda antes da fundação do Jardim, em 1765, Lineu escreveu a Domingos Vandelli, solicitando-lhe o envio de flores do dragoeiro do Horto Régio e, pouco depois de as receber, voltou a escrever-lhe, expressando a sua admiração pelas flores que nunca tinha obtido antes. Em 1767, em nova carta, Lineu conta a Vandelli que “No tomo primeiro do Systema tenho 6500 animais. No segundo, juntei cerca de 50 géneros de plantas que antes não tinha, entre os quais a memorável Dracaena Vandellii”. Foi este, na altura, o nome que Lineu deu à espécie, em reconhecimento a Vandelli e foi como “dragoeiro de Vandelli” que o exemplar do Jardim Botânico se tornou conhecido.

Ao longo dos anos, este dragoeiro ampliou-se e tornou-se num dos maiores em Portugal, com uma copa que chegou aos 23 metros de diâmetro. Infelizmente, em 2006, o enorme dragoeiro do Jardim Botânico da Ajuda adoeceu. Uma podridão castanha apoderou-se de parte dos seus ramos (depois também das suas rosetas) e, apesar dos esforços para salvar este “dragão” monumental, em 2019, quando concorreu a “Árvore Portuguesa do Ano” (na foto de topo, da autoria de Mariana Castro) tinha apenas metade da sua estrutura.

É assim que se mantém em 2024, frágil e apoiado por uma torre de aço criada para o efeito, mas ainda assim grandioso. A boa notícia é que, ao longo do tempo, muitas das suas rosetas foram plantadas em viveiro e conseguiram desenvolver-se, dando origem a novos dragoeiros.

Sejam seus descentes ou não, muitos outros exemplares da espécie Dracaena draco podem ser vistos na Grande Lisboa, em inúmeros jardins públicos no centro da capital – do Jardim da Estrela à Tapada das Necessidades (onde além de dragoeiros adultos, há uma espécie de berçário, com plantas jovens), passando pela Tapada da Ajuda e por muitos outros espaços verdes das redondezas da cidade, como é o caso do Parque Palmela (Cascais).

Na Tapada da Ajuda há, aliás, um conjunto classificado como arvoredo de “Interesse Público” (Processo KNJ3/077). É composto por quatro dragoeiros que emolduram a fachada principal do Observatório Astronómico de Lisboa. A estes quatro, juntam-se vários outros dragoeiros-de-cabo-verde espalhados pelo Parque Botânico desta Tapada.

Sabia que Carl Lineu (1707–1778) foi o naturalista que propôs o sistema taxonómico que é, ainda hoje, aplicado para nomear e classificar os organismos vivos? Resumidamente, o seu “Systema” propõe que cada espécie tenha dois nomes: o primeiro diz respeito ao género a que pertence e o segundo refere uma característica comum à espécie em causa. Além de propor este método, Lineu nomeou centenas de espécies e é por isso que vemos muitos nomes científicos compostos por duas palavras em latim, seguidas por “L.”. Este “L.” significa que a espécie foi nomeada cientificamente por Lineu. (Por exemplo, no caso do sobreiro, o nome científico Quercus suber L. refere uma espécie do género Quercus – carvalhos e a particularidade de ter cortiça – suber).

Dragoeiro: planta ou árvore?

Apesar de se elevar, em média, até aos 15 metros de altura, o dragoeiro não é tecnicamente uma árvore, pois o seu tronco não é de madeira. Tal como as palmeiras, é uma planta cujo caule assume uma consistência lenhosa, semelhante à de um tronco, e cujo formato e dimensão lembram uma árvore. No entanto, o tronco não tem o crescimento por anéis anuais, típico das árvores. É por isso considerado uma planta arborescente.

Espécie de crescimento lento, que demora três décadas até atingir a idade adulta, o dragoeiro tem uma vida longa (pensa-se que oito a nove centenas de anos). Sensivelmente a cada 15 anos e após a floração, o seu caule bifurca-se. Assim, ao longo do tempo, cada ramo dá lugar a dois, que por sua vez ramificam em quatro e assim sucessivamente. É devido a esta ramificação dicotómica que, ao contrário dos jovens dragoeiros, os mais velhos têm copas muito densas e amplas. É também pela contagem das bifurcações que se estima a idade de um dragoeiro.

A floração só começa por volta dos 10 a 15 anos de idade e as flores amareladas surgem durante o verão, dispostas em rosetas nas extremidades dos ramos – embora diferentes ramificações possam florir em anos alternados. Com as flores surgem também as pequenas bagas, redondas, carnudas e alaranjadas – os frutos do dragoeiro. As suas folhas verde-acinzentadas são pontiagudas, longas e estreitas (50 a 60 centímetros de comprimento por três a quatro de largura), mantendo-se durante todo o ano.

A espécie, da família das Dracaenaceae, cresce naturalmente (e está bem-adaptada) em zonas semiáridas e rochosas, incluindo montanhas rochosas e arribas costeiras.

Uma espécie da Macaronésia

O dragoeiro é considerado nativo da região biogeográfica da Macaronésia, mais precisamente dos arquipélagos das Canárias, Madeira e Cabo Verde, assim como de Marrocos. Nos Açores, as opiniões dividem-se e são necessárias evidências para que seja considerada autóctone, embora a espécie esteja já inscrita como autóctone açoriana pelo portal da Sociedade Portuguesa de Botânica Flora-on, que sistematiza a informação sobre a flora nativa e naturalizada de Portugal continental, Açores e Madeira.

Em pleno século XXI, existem populações espontâneas em duas ilhas açorianas – Flores e São Jorge – enquanto na Madeira, onde o dragoeiro foi em tempos uma espécie importante na vegetação das zonas mais áridas, está quase extinto na natureza. Alguns dragoeiros adultos que existiam em zonas de arriba foram destruídos por tempestades na Ilha da Madeira e em Porto Santo, razão que levou a espécie a ser considerada extinta na natureza. Existem, no entanto, inúmeros exemplares plantados, tanto no arquipélago da Madeira como noutras ilhas dos Açores.

Esta informação sobre a presença da espécie nas ilhas portuguesas consta da Lista Vermelha da IUCN – União Internacional da Conservação da Natureza, que identifica também: o maior número de dragoeiros silvestres está localizado em Marrocos (da ordem dos milhares) e nas Ilhas Canárias (algumas centenas). Ainda assim, em 2021, classificou o dragoeiro como uma espécie em risco de extinção, pela elevada fragmentação natural das populações e pela diminuição no número de exemplares adultos (com mais de 30 anos).

Uma análise científica recente sugere que a origem da linhagem das Dracaenas da Macaronésia será a Ilha das Canárias e que a sua dispersão aconteceu no Pleistoceno (época geológica terminada há quase 12 mil anos), iniciando-se depois um processo de diferenciação que deu lugar a diferentes subespécies. As populações selvagens de dragoeiros dos demais arquipélagos e de Marrocos poderão, por isso, descender da população das Canárias. Mais recentemente, a sua plantação por humanos pode ter interferido com os processos naturais de dispersão e diferenciação.

Um velho dragoeiro na Ilha do Pico, Açores

Ponta de São Lourenço, Madeira

O mais antigo dragoeiro conhecido, em Tenerife, Canárias.

O dragoeiro é símbolo de Tenerife, nas Canárias, e é no Noroeste desta ilha – em Icod de Los Vinos – que se encontra o exemplar mais antigo deste arquipélago. Estima-se que tenha mais de 800 anos, um pouco menos do que sugere o nome dado ao Parque onde se encontra este monumento vivo – Parque del Drago Milenario – e dos 3 mil que em tempos lhe foram atribuídos. Além de antigo, é enorme: eleva-se a 18 metros de altura e a sua copa tem mais de 20 metros de perímetro.

As lendas e o sangue-de-dragão

O nome latim Dracaena provém do termo grego clássico “drakaina”, usado para designar dragão fêmea. Este imaginário está em vários mitos associados ao dragoeiro, mais precisamente à resina vermelha produzida pela espécie que, no simbolismo mitológico, foi associada ao sangue do dragão e integrada em poções curativas que evocavam o poder místico destas criaturas.

Conta a lenda que, entre os 12 trabalhos de Hercules, o 11.º era conseguir trazer do Jardim das Hespérides as maçãs douradas que ali existiam. Para o fazer, o herói da mitologia grega teve de lutar contra Ladon, o dragão de cem cabeças e guardião deste jardim localizado no limite ocidental do mundo que conheciam (talvez as Canárias). Nesta luta, o sangue derramado por Ladon caiu sobre a terra e dela brotaram os dragoeiros.

Segundo outros, o sangue-de-dragão era o resultado de lutas entre dragões e elefantes, em que o sangue dos dois se misturava resultando numa substância mágica, imbuída com propriedades medicinais.

O sangue-de-dragão, nome pela qual também é conhecida a espécie, é a seiva do dragoeiro, que brota quando são feitas incisões no seu caule. Depois de oxidar em contacto com o ar, esta seiva transforma-se num líquido pastoso – uma resina – de cor vermelha vivo, que foi aplicada desde tempos antigos como corante em tinturaria.

“No comércio externo português no século XV, o sangue-de-dragão foi uma das matérias-primas tinturiais utilizadas e surgia ao lado da grã (obtido da cochonilha), de produção continental, nas listas de produtos exóticos exportados pelos portugueses para a Europa”, conta o trabalho “Plantas tintureiras”, que revela também: a seiva atingia preços elevados em tinturaria e foi um importante produto de exportação no início do povoamento europeu das ilhas dos Açores, Cabo Verde, Canárias, Madeira e Ilhas Selvagens.

Nestas ilhas, o dragoeiro (Dracaena draco) é a referência para a obtenção do sangue-de-dragão, embora o mesmo nome tenha sido atribuído às seivas vermelhas recolhidas de plantas de outros géneros botânicos – género Croton, género Daemonorops e género Pterocarpus – noutras geografias. As substâncias dessas outras plantas não possuem a mesma composição química e propriedades medicinais do “sangue” do dragoeiro. Tais propriedades, que começaram a ser conhecidas e estudadas, vão desde a atividade antioxidante e analgésica à antitumoral, antimicrobiana e antiviral.

*Artigo em Colaboração

Pedro Augusto Barcik

Pedro Augusto Barcik é aluno do Mestrado em Engenharia Florestal e dos Recursos Naturais no ISA – Instituto Superior de Agronomia, Universidade de Lisboa, assim como bolseiro do projeto Corknut.