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Testemunhos

MONTIS: uma década a gerir a terra para criar valor natural

Terrenos abandonados ou marginais podem contribuir para a valorização do património natural se forem geridos de forma ativa e responsável. Foi esta a premissa que, em 2014, motivou a fundação da MONTIS. 10 anos depois, a associação gere cerca de 300 hectares e envolve centenas de voluntários em torno da sua principal missão: “produzir” biodiversidade.

No ano em que completa o seu 10º aniversário, a MONTIS – Associação para a Gestão e Conservação da Natureza é responsável pela gestão de mais de 30 propriedades. No total, perfazem cerca de 300 hectares, incluindo parcelas em baldios e terrenos de empresas, terras de particulares e áreas próprias – na maioria adquiridas com o apoio da sociedade e algumas recebidas em doação.

Localizados maioritariamente na Região Centro de Portugal – a mesma onde se encontra a sede da MONTIS (que está em Vouzela) – estes terrenos estavam, em muitos casos, ao abandono e sem quaisquer cuidados. Alguns têm donos que não vivem nas proximidades, outros foram afetados pelo fogo e outros, pelas suas características (tipo de solo, declive elevado, etc.), são considerados terrenos marginais e sem interesse produtivo.

Geridos pela MONTIS numa perspetiva de longo prazo e tendo em conta as características e necessidades individuais de cada área, estes terrenos têm, no entanto, um valor natural que importa proteger e reforçar. É este o objetivo de gestão da Montis, tanto nos terrenos próprios, quanto nas parcelas que gere para terceiros, revelam Teresa Maria Gamito e Luís Lopes, Presidente e vice-Presidente da MONTIS, respetivamente.

Uma vez sob responsabilidade da associação, a gestão destas terras é feita atendendo aos processos de regeneração que ocorrem naturalmente e procurando auxiliar e acelerar estes processos, de forma a restaurar os ecossistemas para os tornar mais resilientes e para promover a sua biodiversidade potencial.

Depois de alguns anos de intervenção, a transformação da paisagem começa a evidenciar-se. Para Teresa Maria Gamito, há já muitos exemplos ilustrativos e, entre eles, destaca o Baldio de Carvalhais e o Carvalhal de Vermilhas.

Teresa Gamito e Luís Lopes dirigem a MONTIS

Formada em engenharia civil e doutorada em gestão Interdisciplinar da paisagem, Teresa Maria Gamito é Presidente da MONTIS, além de consultora e formadora em áreas que cruzam o ordenamento do território, o desenvolvimento sustentável e a conservação.

Geógrafo físico e apaixonado pelo trabalho em prol da natureza, Luís Lopes é doutorando em Engenharia Florestal e dos Recursos Naturais e investigador no ISA – Instituto Superior de Agronomia. Há vários anos que é membro da MONTIS e é atualmente o seu vice-Presidente.

Baldio de Carvalhais

O Baldio de Carvalhais (São Pedro do Sul, Serra da Arada) mudou radicalmente, logo de início, pelas intervenções de fogo controlado. Era um enorme giestal, denso e com três a quatro metros de altura, com muito poucas espécies de árvores e plantas com interesse para a conservação. “Neste momento, tem um mosaico florestal muito interessante, com inúmeras espécies nativas, um bosque de amieiros e linhas de água regularizadas”.

O Baldio de Carvalhais é uma propriedade com 100 hectares gerida pela Montis desde 2015, através de um protocolo de gestão com a União de Freguesias de Carvalhais e Candal. Este e outros protocolos semelhantes requerem uma relação de confiança com os proprietários, que delegam à MONTIS a definição e implementação do plano de gestão mais adequado para a área em causa, por uma década, refere Luís Lopes. “Estes períodos de 10 anos são renováveis e alguns dos protocolos mais antigos, que terminam em 2025, já têm assegurada a sua continuidade”, acrescenta Teresa Maria Gamito.

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Fogo controlado no Baldio de Carvalhais © MONTIS

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Regeneração no Carvalhal de Vermilhas © MONTIS

Carvalhal de Vermilhas

O Carvalhal de Vermilhas (Vouzela, Serra do Caramulo) foi devastado pelo fogo em 2017. Desde então foi feita a condução da regeneração dos carvalhos, com a seleção das melhores varas (de entre os muitos rebentos que renasceram das cinzas) a dar lugar a novas árvores em pleno crescimento.

Têm sido feitas também feitas limpezas, desbastes, manutenção de caminhos… e em 2023 “começámos a plantar outras espécies características da Serra do Caramulo – como o teixo, por exemplo – e a diferença é já muito grande face ao que vimos em 2017”.

Os terrenos em Vermilhas são constituídos por duas propriedades da MONTIS, Cabreira e Dumação. Totalizam 5,5 hectares e foram adquiridos em resultado de uma campanha de crowdfunding em 2015, tornando quem se associou à MONTIS, no âmbito desta de angariação de fundos, num dos muitos “donos” destas terras.

Nestas propriedades, a sementeira de novos carvalhos também tem sido tentada com a ajuda dos gaios. Instalaram-se tabuleiros onde se vão colocando bolotas de carvalho recolhidas nas propriedades, no outono, e estas aves tendem a levá-las e a enterrá-las no solo, criando reservas para o inverno. No entanto, os gaios esquecem-se de muitas destas suas “despensas”: parte das bolotas não são consumidas e permanecem na terra. Com sorte, algumas acabam por germinar.

Dos cerca de 300 hectares sob gestão da MONTIS, apenas 17,3 são propriedade sua. Embora a associação determine os planos de gestão mais adequados a qualquer uma destas parcelas – suas ou não –, a propriedade da terra é a sua principal forma de garantir que são implementados planos de longo prazo, orientados para a produção da biodiversidade. A aquisição de novas parcelas está, por isso, entre os seus objetivos.

Em 2024, a MONTIS voltou a lançar uma campanha de crowdfunding que reverte para a futura compra de terrenos. O propósito, neste caso, não é a aquisição de uma parcela específica, mas a criação de um fundo que permita à associação ter a liquidez necessária para avançar com uma oferta na ocasião certa, aproveitando as oportunidades quando elas surgirem no mercado. Saiba mais sobre esta campanha de crowdfunding da MONTIS, que decorre até 7 de junho de 2024.

MONTIS põe mãos-à-obra, apoiada no voluntariado

Uma das características que diferencia a MONTIS de outras associações ambientais está no seu modelo de atuação, com atividade direta no terreno.

Entre estas atividades estão iniciativas muito diversas, que vão desde o fogo controlado ao controlo de plantas invasoras, passando pela abertura e manutenção de caminhos, por atividades de estabilização e consolidação de solos e de proteção de linhas de água. As ações de apoio à regeneração natural, assim como as de sementeira e plantação integram igualmente esta longa lista de afazeres, que incluem ainda a instalação de estruturas que apoiam o refúgio e alimento de espécies animais silvestres e a inventariação destas espécies, para um conhecimento mais concreto da biodiversidade.

Grande parte destas atividades é assegurada por voluntários, com o apoio de uma equipa técnica fixa que, embora ágil, é muito reduzida. Só pontualmente é que a MONTIS recorre à contratação de recursos especializados e mesmo em atividades que exigem conhecimento técnico, como por exemplo o fogo controlado, o voluntariado é essencial, “pois apoia toda a logística das operações”, refere Teresa Gamito.  São os voluntários que “desenvolvem muitas das atividades preparatórias, como a abertura de faixas por exemplo” complementa Luís Lopes.

O voluntariado de longa duração é, assim, essencial à continuidade das operações no terreno e a MONTIS tem beneficiado de várias iniciativas de voluntariado europeu. Coordenou o projeto LIFE Volunteer Escapes (2018 – 2021), revela o vice-Presidente da associação, e tem o “selo de qualidade” do European Solidarity Corps, o que tem permitido envolver voluntários estrangeiros. Recebeu também voluntários pela via da organização francesa de integração e educação não formal Parcours le monde, que ficam por três a quatro meses. “Desde abril de 2023, recebemos 11 pessoas encaminhadas por este programa francês, que tem muita confiança na MONTIS, mas que está agora parado e a planear uma nova ronda de voluntariado”.

De entre as ações promovidas, muitas são dirigidas ao voluntariado de curta duração – de um dia. Embora acabem por ser menos eficazes no que toca à atividade no terreno, pois por vezes é necessário capacitar as pessoas para as operações a realizar, o seu papel é importante para o envolvimento e sensibilização da sociedade civil, em especial de muitas pessoas que não têm ligações ao mundo rural, nem contacto com a terra. Muitos destes voluntários vivem nas cidades e querem saber mais sobre o campo, a floresta, a natureza… “Esta é também uma realidade comum a muitos dos nossos sócios: são pessoas que vivem longe das áreas rurais, mas que gostam de saber como conservar e de acompanhar o estamos a fazer”, explica Luís Lopes.

A MONTIS tem também colaborações com estudantes universitários, apoiando estágios académicos e teses de mestrado. “Por exemplo, o protocolo de levantamento da biodiversidade nas propriedades foi feito no âmbito de uma destas teses”, lembra Luís Lopes, acrescentando que contam atualmente com um estagiário espanhol, do Centro Universitário Escorial, que está a criar um plano para a monitorização de serviços de ecossistema, e com uma estagiária da Universidade de Évora, cuja tese irá apoiar a criação de uma estação de biodiversidade. Esta relação com estudantes tem benefícios mútuos: a MONTIS proporciona-lhes um acompanhamento em campo e os trabalhos que desenvolvem acabam por dar à associação informação que enriquece o seu conhecimento sobre as propriedades e os seus valores naturais.

No evento que assinalou o 10.º aniversário da MONTIS, em abril de 2024, foi reforçada esta vertente de colaboração com instituições de ensino superior, com um protocolo com o Instituto Politécnico de Viseu.

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© MONTIS

Ao longo dos seus 10 anos de vida, a MONTIS promoveu uma centena de passeios, perto de 200 ações de voluntariado e 20 colóquios, entre outras iniciativas. No total, envolveu cerca de 5000 pessoas, entre as quais 2200 voluntários. Para a MONTIS, o voluntariado é um instrumento de envolvimento da comunidade na gestão da paisagem e na conservação da natureza. Sendo estrutural para as atividades no terreno, é também uma forma de trazer as pessoas aos territórios do interior, muitos deles abandonados, para que a comunidade perceba as necessidades que estão associadas à gestão destas áreas e possa contribuir.

Quanto às atividades promovidas pela MONTIS, Teresa Maria Gamito explica: “Ao segundo sábado de cada mês organizamos uma ação de voluntariado, que decorre maioritariamente em propriedades da associação, onde se fazem as mais diversas atividades consoante as necessidades e a época do ano. E ao quarto sábado realizamos um passeio, que pode decorrer em propriedades nossas ou noutras zonas com interesse para a biodiversidade”. Um dos pontos altos destas iniciativas decorre em agosto, com uma noite no Carvalhal de Vermilhas.

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© MONTIS

Embora a associação tenha poucos recursos financeiros, sendo essencialmente as quotas dos sócios a assegurar as despesas correntes, a participação nestas atividades é gratuita e aberta a todos os cidadãos.

Relação com empresas e valorização de serviços de ecossistema

Conseguir os montantes indispensáveis para assegurar os trabalhos que se realizam nos cerca de 300 hectares que tem sob gestão é um desafio contínuo para a associação.

O estabelecimento de protocolos com empresas detentoras de áreas florestais tem permitido um complemento monetário adicional, mas ainda assim pequeno face às necessidades, e a MONTIS continua a procurar novas formas de valorizar as suas atividades, tendo nos seus planos a valoração dos serviços dos ecossistemas gerados nas áreas em que atua.

Na primeira vertente, decorrem em 2024 protocolos com três empresas, todos elas com configurações e âmbitos de atuação diferenciados. “Para a Altri, estamos a fazer a gestão de terrenos com protocolo a 10 anos; com a Navigator temos um protocolo de intercâmbio de valências, incluindo apoio às atividades de conservação da empresa na Serra de Santa Justa – nas Serras do Porto, enquanto com a EDP Produção temos um projeto de curto prazo, demonstrativo de criação de valor ambiental, paisagístico e recreativo, através de um modelo de gestão para as propriedades que a empresa tem na envolvente da barragem e albufeira de Santa Luzia, em Pampilhosa da Serra”, explica a Presidente.

Este último projeto requer um modelo de gestão que vá ao encontro de objetivos específicos, em várias componentes dos serviços de ecossistema como a manutenção do solo, o sequestro de carbono, e a criação de áreas de lazer.

Os serviços de ecossistemas gerados com as suas atividades é outra das vertentes que poderá vir a complementar o financiamento da MONTIS. Atualmente, são serviços naturais que a todos beneficiam, mas pelos quais a associação não recebe qualquer retorno.

“No futuro, queremos apostar na valorização dos serviços de ecossistemas, mas estamos ainda a trabalhar num sistema de indicadores, com dados que consigamos recolher e que nos permitam ter métricas claras para apresentar às empresas, demonstrando resultados e benefícios concretos”, revelam.

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© MONTIS

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© MONTIS

O trabalho que desenvolvem cria benefícios que vão muito para além das fronteiras das áreas que gerem. Por exemplo, o fogo controlado nas parcelas da MONTIS contribui para a redução do risco de incêndio nos terrenos em redor. Mas há exemplos menos óbvios: as ações de gestão florestal da MONTIS, com aumento da área florestal e da biodiversidade vegetal, e com a preservação de linhas de água, melhoram as condições de habitat e de alimento para espécies protegidas, uma realidade reconhecida pela Associação para a Conservação para o Habitat do Lobo Ibérico, com que a MONTIS tem um protocolo. Desta forma criam uma rede de valor que toca vários parceiros na área da conservação da natureza.

Fotos gentilmente cedidas pela MONTIS.