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Montado

Melhorar a rentabilidade do montado e a sua vitalidade

Além dos produtos mais conhecidos em áreas onde predomina o sobreiro e a azinheira – a cortiça e o porco de montanheira, alimentado a bolota – procuram-se outras formas de complementar a rentabilidade do montado e contribuir para a sua vitalidade, conciliando benefícios económicos e ecológicos.

A cortiça, o porco e a bolota que o alimenta são produtos que imediatamente relacionamos com as terras onde predomina o sobreiro (Quercus suber) e a azinheira (Quercus rotundifolia), mas há outros bens e serviços que podem contribuir para a rentabilidade do montado, um sistema multifuncional, criado e dependente da atividade humana, que conjuga a atividade agrícola, pecuária e florestal.

Paisagem emblemática do Mediterrâneo e predominante no sul de Portugal, o montado teve um forte impulso no nosso país em finais de 1700 e inícios de 1800. No início do século XX, já superava os 780 mil hectares e, embora com avanços e recuos, a área de montado continuou a aumentar: hoje, ultrapassa um milhão de hectares.

O sobreiro estende-se por cerca de 22,3% da nossa floresta (720 mil hectares do território continental) e a azinheira por perto de aproximadamente 11% da floresta portuguesa (perto de 350 mil hectares). Os dados são do 6.º Inventário Florestal Nacional (IFN6), que confirma: os montados, sobreirais e azinhais são a principal ocupação florestal em Portugal, representando cerca de um terço da sua área total.

Apesar da representatividade e importância deste sistema agrosilvopastoril e dos seus produtos, “tem-se assistido nas últimas décadas à degradação do Montado”, referia já em 2013 o Livro Verde dos Montados, indicando uma elevada mortalidade das árvores e uma fraca taxa de regeneração (quer natural, quer apoiada pela atividade humana), que atribuía a uma complexa variedade de fatores, entre os quais:

– Práticas de gestão deficientes – como, por exemplo, excesso de mobilização do solo, controlo inadequado da vegetação herbácea e arbustiva, descortiçamentos mal efetuados e aumento do número de cabeças de gado;

– Condições ambientais adversas – como as ondas de calor e secas prolongadas e os fenómenos de chuvas extremas, que enfraquecem a saúde do montado e aumentam a sua suscetibilidade a pragas, doenças e aos danos do fogo.

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A cortiça é o produto mais importante do montado em termos socioeconómicos. O valor da produção desta matéria-prima foi estimado em 186 milhões de euros, em 2021, pelas Contas Económicas da Silvicultura, do INE – Instituto Nacional de Estatística, que revelam, no entanto, uma queda significativa nos últimos anos: de 312 milhões de euros em 2018 (o melhor ano desde 2004), para perto de 259 milhões em 2019 e de 226 milhões em 2020.

Estas fragilidades têm criado dificuldades acrescidas aos proprietários de montado, que se deparam com perdas de vitalidade e de retorno económico (nomeadamente da cortiça), embora dependam deste retorno para poder assegurar a viabilidade ecológica e económica destes ecossistemas. Complementar a rentabilidade do montado de forma sustentável é, por isso, um desafio para muitos proprietários e gestores.

4 ideias para complementar a rentabilidade do montado

Olhar para as múltiplas valências que estes sistemas albergam para complementar a rentabilidade do montado é uma das ideias que sobressai em “Boas práticas de gestão em sobreiro e azinheira”. Trata-se de um Manual que ajuda a saber como atuar em povoamentos de sobro e azinho, para promover de forma responsável este ecossistema e os seus diferentes bens e serviços, desde as pastagens aos cogumelos, passando pelo turismo.

Cogumelos comestíveis

Em povoamentos de sobro e azinho crescem variadas espécies de cogumelos comestíveis que podem ser aproveitados e mantidos, como forma de complementar o rendimento de uma propriedade.

Entre as espécies comestíveis que nascem em montados estão, por exemplo, o Amanita ponderosa, chamado de míscaro ou tortulho, o Amanita caesarea, que tem vários nomes comuns, como por exemplo amanita-real e sol-da-terra, o Cantharellus cibarius, conhecido como amarelo ou cantarelo, e os Boletus aereus e Boletus edulis, ambos conhecidos como boletos.

Para manter uma produção de cogumelos comestíveis bem-sucedida, o referido Manual aconselha como boas-práticas:

– Isolar as zonas onde nascem naturalmente os cogumelos para evitar que estas áreas sejam pisadas pelos animais que possam por ali passar;

– Evitar a colheita indiscriminada. Isto é, colher apenas uma parte dos cogumelos existentes, deixando os restantes intactos para manter o ciclo de reprodução, com a produção de esporos que vão levar ao nascimento dos próximos exemplares;

– Não colher os cogumelos antes da sua maturidade;

– Procurar não revolver o solo nem danificar raízes das árvores.

Importa ainda relembrar que crescem também espécies de cogumelos tóxicos, alguns deles semelhantes aos comestíveis (Amanita muscaria, por exemplo, que em jovem pode confundir-se com o Amanita caesarea) pelo que a sua correta identificação deve ser feita com o apoio de especialistas.

Além de os cogumelos comestíveis ajudarem a complementar a rentabilidade do montado, muitos dos fungos têm outros atributos funcionais que justificam a proteção e conservação do património micológico do montado. Por exemplo, ajudam à degradação da matéria orgânica morta, principalmente de origem vegetal, que permite enriquecer o solo (atividade sapróbia) e há ainda fungos micorrízicos (o Boletus edulis é um exemplo), que estabelecem relações de simbiose com as raízes das plantas, ajudando à sua nutrição, assim como à manutenção de vários processos biogeoquímicos do solo.

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Cantarelo ou amarelo (Cantharellus cibarius) e boleto (Boletus edulis).

Plantas aromáticas, medicinais e melíferas

A vegetação espontânea dos povoamentos de sobro e azinho inclui plantas – ervas e arbustos – com características aromáticas, medicinais e melíferas, que têm valorização crescente, desde os orégãos (Origanum vulgare) ao tomilho (Thymus vulgaris), passando pelo rosmaninho (Lavandula stoechas), murta (Myrtus communis), esteva (Cistus ladinifer) e madressilvas (Lonicera spp.).

No total, estima-se que existam cerca de 140 espécies de plantas aromáticas, medicinais e melíferas nos montados. Muitas delas têm já grande procura e podem complementar a rentabilidade do montado, principalmente para a produção de óleos essenciais, para utilização na alimentação como condimentos e chás e para aplicação enquanto compostos aromáticos e alimentares, artesanais e industriais. Outras espécies, menos conhecidas, têm igualmente aproveitamentos potenciais.

Veja-se o exemplo da murta, um arbusto comum e de grande beleza floral. As folhas são aromáticas e procuradas pela indústria cosmética e de perfumaria. Delas, tal como das flores e fruto, produz-se também óleo essencial. O fruto, uma drupa de tonalidade arroxeada escura, presta-se à produção de doce e licor, tendo sido testado em novos produtos, como por exemplo um iogurte. Além disso, a murta portuguesa é rica em acetato de mirtenilo, componente considerado seguro para aplicação na indústria alimentar como agente aromatizante.

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Murta

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Rosmaninho

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Tomilho

Para promover estas espécies, o Manual de Boas Práticas indica que é importante:

– Começar por fazer um inventário das espécies de interesse (e da sua localização);

– Minimizar as intervenções no solo que possam pôr em risco estas espécies;

– Não danificar o coberto arbustivo durante a colheita, ou seja, colher apenas parcialmente estas espécies e só as partes das plantas com interesse (aplicação), para assegurar que se mantêm e reproduzem.

Muitas das plantas, arbustos e árvores do montado mantêm a floração durante vários meses sequenciais, atraindo polinizadores que apoiam a sua dispersão e colocando também os produtos da colmeia – mel, própolis, geleia real, pólen – entre aqueles que podem complementar a rentabilidade do montado. O Mel do Alentejo DOP é um exemplo, seja nas variedades monoflorais – rosmaninho, soagem, eucalipto e laranjeira – ou o multifloral.

Fomento de fauna silvestre, atraindo turismo e recreio

Os montados podem albergar várias centenas de espécies. Só nas florestas de sobro, identificaram-se 37 espécies de mamíferos, 160 aves e 24 de répteis e anfíbios, entre as quais algumas raras e ameaçadas – incluindo o lince ibérico (Lynx pardinus), que tem já em Mértola um Centro de Observação – e outras pouco comuns de observar, como a gineta (Genetta genetta), a coruja-das-torres (Tyto alba) ou o pica-pau-malhado-grande (Dendrocopos major).

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A diversidade de espécies de flora, em estratos vegetais distintos, apoia a disponibilidade de refúgio, alimento e local de nidificação para a fauna.

Esta biodiversidade pode gerar rendimentos adicionais através de atividades de turismo e recreio, relacionadas com a natureza e biodiversidade. Observação de aves, passeios a cavalo ou caminhadas são exemplos de atividades, que podem incluir ainda alojamento, trilhos documentados ou estruturas de observação.

O Manual de Boas Práticas recorda que, para conciliar biodiversidade e recreio, é essencial:

– Conservar as árvores velhas e de grande porte, que ampliam as áreas de habitat, servindo de local de abrigo e nidificação para muitas espécies;

– Manter a vegetação ribeirinha (ripícola), típica da margem dos cursos de água;

– Não desmatar áreas contínuas e extensas, aproveitando as zonas de solos mais delgados e declivosas para deixar crescer o mato e a vegetação espontânea;

– Cultivar espécies gramíneas ou leguminosas (em pequenas manchas), para que sirvam de alimento para a fauna;

– Garantir a existência de locais com água para que os animais possam beber (charcas, por exemplo);

– Ter especial cuidado com a localização dos alojamentos, no tipo de transporte e nas rotas estabelecidas para não perturbar ou fragmentar habitats e salvaguardar os recursos naturais.

Javali (Sus scrofa), veado (Cervus elaphus), coelho-bravo (Oryctolagus cuniculus), lebre (Lepus sp, spp.), perdiz-vermelha (Alectoris rufa) e pombo-torcaz (Columba palumbus) são outros exemplos de espécies que usam o montado como zona de passagem, alimentação e reprodução. Em zonas de caça, são espécies com interesse para o turismo cinegético. Recorde-se que as empresas dedicadas à caça, repovoamento cinegético e atividade de serviços relacionados geraram um volume de negócios próximo dos 8,8 milhões de euros, em 2021, em Portugal.

Valorização dos serviços do ecossistema do montado

Um retorno menos comum, mas que pode vir a ser importante para quem gere sustentavelmente áreas de montado, está relacionado com o pagamento por serviços de ecossistema, como o sequestro de carbono, a conservação do solo e a retenção de nutrientes.

Estes foram os três serviços de ecossistema dos montados avaliados pelo projeto ECOPOL, desenvolvido pela UNAC – União da Floresta Mediterrânica e o Instituto Superior Técnico, que os quantificou economicamente em mais de 178 milhões de euros por ano, em Portugal.

“Com base nestes resultados, foram propostos dois modelos de remuneração dos serviços de ecossistemas” referiu a UNAC em comunicado: um eco-regime (mecanismo então previsto na Política Agrícola Comum – PAC 2021-2027) e um compromisso ambiental e climático.

Embora estes modelos não estejam implementados tal como foram propostos, está prevista, por exemplo no PEPAC Portugal – Plano Estratégico para a Política Agrícola Comum em Portugal 2023-2027, a existência de apoios aos montados (C.1.1.2.1 – Montados e Lameiros) na medida em que contribuam para três metas: “Armazenamento de carbono em solos e biomassa (R.14); Preservar os habitats e espécies (R.31); Melhorar a gestão da Rede Natura 2000 (R.33).

Recorde-se que o projeto ECOPOL avaliou também outros serviços de ecossistema considerados entre aqueles que são mais relevantes no montado, embora sem os quantificar economicamente: balanço hídrico, biodiversidade funcional, redução do risco de incêndio, polinização, valor cénico da paisagem e biodiversidade emblemática.

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Em Portugal há pouca experiência na implementação de projetos de pagamento de serviços de ecossistema. Noutros locais do mundo, os primeiros projetos começaram ainda no século XX e estabeleceram modelos de incentivo (ou recompensa) de gestão sustentável e preservação do capital natural, que podem apoiar a resiliência dos montados e ajudar a acompanhar diversas metas e leis europeias relacionadas com o Pacto Ecológico, desde a meta “solos saudáveis até 2050” às melhorias crescentes de indicadores previstas na proposta de Lei do Restauro Ambiental – por exemplo, no restauro de áreas terrestres e nas reservas carbono florestal.