Comentário

Francisco Castro Rego

O papel das florestas na regulação da temperatura: procuram-se árvores com altos índices de área foliar para combater o calor

Quando se fala em combater as alterações climáticas, é muitas vezes esquecido o papel das florestas na regulação da temperatura. As árvores com maiores índices de área foliar são as que mais contribuem, beneficiando-nos indiretamente, no verão, pelo arrefecimento da atmosfera em seu redor.

O papel das florestas no “benefício do clima” é reconhecido na legislação portuguesa pelo menos desde o conjunto de diplomas que instituiu o Regime Florestal logo no início do século XX, bem antes de se falar das alterações climáticas e do “efeito de estufa”.

As folhas das árvores, como a grande maioria das plantas e dos seres vivos em geral, precisam de regular a sua temperatura de modo a mantê-la dentro dos limiares do conforto térmico que, para a maioria das plantas corresponde ao ótimo de fotossíntese e se situa entre os 20 ºC e os 25 ºC. Estes são também os limiares do conforto térmico para muitos animais e para os seres humanos.

Parece, assim, que árvores e homens partilham um interesse comum na regulação da temperatura da atmosfera, controlando-a dentro de limites confortáveis. E se encararmos o planeta Terra como um ser vivo, como o propôs de forma brilhante James Lovelock (1979), é interesse da própria Biosfera, com as suas componentes vegetais e animais, essa regulação térmica que ela própria propicia.

O controlo das temperaturas elevadas é efetuado principalmente, tanto em plantas como animais, pela transpiração. A vaporização da água consome muita energia que, de outra forma, em situações de alta temperatura ou radiação, aumentaria a temperatura das folhas das árvores, como a temperatura da pele humana, para valores não suportáveis.

Francisco Castro Rego

© Dguendel, CC Licence
O conforto térmico, num dia quente de verão, pode encontrar-se debaixo da extraordinária Schotia afra, do Jardim Botânico da Ajuda

Estes sistemas de regulação térmica, que todos conhecemos quando, no verão, procuramos a sombra de uma árvore frondosa, constituem aquilo a que, em termos científicos, é descrito como a homeostasia do sistema.

Estes sistemas de controlo térmico não são exclusivos da transpiração das plantas e animais. Também a evaporação a partir das massas de ar, oceanos, lagos ou rios, desempenha, e em muito maior escala no planeta, a mesma função reguladora que todos bem conhecemos. E, por isso, não é de estranhar que no hemisfério Sul, dominado pelos oceanos, o aumento de temperatura não seja tão elevado como no hemisfério Norte, com uma fração terrestre muito superior.

Todas estas considerações, do conhecimento comum e científico, são, no entanto, quase esquecidas na discussão dos fatores do aquecimento global, focados na hipótese do “efeito de estufa” do CO2 e de outros gases. E o papel das florestas na regulação da temperatura passou a ser reduzido ao sequestro e armazenamento do carbono.

Eficiência energética e regulação da temperatura

A discussão sobre qual o fator dominante do aquecimento global está longe de estar concluída, com vários autores a indicarem não ser o “efeito de estufa”, mas a energia diretamente libertada para a atmosfera sob a forma de calor a causa dominante desse aquecimento (ver, por exemplo, Bian 2020). Nesse caso, o enfoque mundial deveria estar sobretudo na procura da eficiência energética e na reutilização da energia desperdiçada (waste heat) do que no aumento das fontes de energia que, apesar de poderem não libertar CO2 para a atmosfera, libertam sempre energia em forma de calor.

Neste sentido o papel das florestas na regulação da temperatura não teria a ver com a sua contribuição para a diminuição da concentração de CO2 na atmosfera, que aliás só diminuiria a sua produtividade, mas sim com a sua capacidade de transpiração. E, se queremos otimizar essa influência “benéfica” das florestas sobre o clima, teremos de privilegiar florestas que consigam:

  • captar água (as precipitações ocultas, que resultam da entrada de água no ecossistema a partir das gotículas de água dos nevoeiros intercetadas pelas folhas das árvores, são muito importantes);
  • armazená-la no solo (a conservação do solo permite a conservação da água);
  • transpirar essa água para conservar a temperatura das suas folhas e do ambiente que elas criam (florestas com altos valores de índice de área foliar são as mais interessantes).

Independentemente de outros efeitos mais dificilmente comprovados, o papel da floresta na regulação do clima não pode deixar de ser equacionado nesta “nova” perspetiva do funcionamento térmico do ecossistema florestal, com a regulação causada pela água na evapotranspiração, como já escrevia Odum (1971) em livro traduzido para português e ensinado pelo professor António Manuel Azevedo Gomes.

Em conclusão: florestas com altos índices de área foliar no verão precisam-se, seja em ambiente urbano para mitigar as conhecidas ilhas urbanas de calor, como nas dunas do litoral ou nas serras do interior. Afinal, as ilhas de calor já não são só urbanas porque o calor libertado pela maior utilização de energia nessas áreas atinge já dimensões regionais. E as florestas, protegendo-se elas próprias do calor excessivo, protegem-nos indiretamente. Saibamos ajudá-las para que elas nos ajudem a combater o aquecimento global que provocamos…

novembro de 2022

O Autor

Francisco Castro Rego é Professor Catedrático reformado do ISA – Instituto Superior de Agronomia, da Universidade de Lisboa, com Licenciatura em Silvicultura pelo mesmo Instituto e Doutoramento em “Forestry, Wildlife and Range Management” pela Universidade de Idaho (EUA).

É investigador do Centro de Ecologia Aplicada Professor Baeta Neves (CEABN/InBIO) e Coordenador Científico da Área de Investigação Gestão e Ecologia do Fogo. Foi Presidente do ISA, Diretor Geral dos Recursos Florestais e presidiu ao Observatório Técnico Independente criado pela Assembleia da República.

É atualmente Presidente da Associação Natureza Portugal, parceira da WWF – World Wide Fund for Nature.