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Espécies Florestais

Amendoeira: diversidade, adaptação e cultivo milenares

Introduzida em Portugal pelos Árabes, a amendoeira tornou-se parte da história portuguesa e da domesticação das espécies como uma das mais antigas árvores de fruto a ser plantada. Saiba como a crescente procura por amêndoa reforça hoje o interesse por esta cultura, num artigo que conta com o contributo dos especialistas Margarida Oliveira e Pedro M. Barros.

Quando as amendoeiras se cobrem de flores de tons branco e rosa, entre janeiro e março, é sinal de que o tempo quente está a chegar. Terá sido este florescer antecipado – que lembra a neve e a sua nutritiva e duradoura semente – que estive na base da sua seleção e cultivo a partir do Médio Oriente.

Pensa-se que disseminação da amendoeira tenha começado por volta de 4000 a.C., tendo o seu cultivo “viajado” da Grécia para as costas do Mediterrâneo por volta de 450 a.C., com núcleos importantes em Portugal, Espanha, França, Itália, Grécia, Marrocos, Tunísia e Turquia.

Portugal foi um dos territórios que há muito adotou esta pequena árvore, que pode chegar aos cerca de 8 a 10 metros de altura. Trata-se de uma espécie de folha caduca (caducifólia) que perde as suas folhas longas e pontiagudas no outono. Já as flores, com cinco pétalas de tonalidades branca ou rosada e cinco sépalas avermelhadas (que protegem os botões florais quando ainda estão fechados), despertam mais cedo do que a maioria das espécies afins.

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© Direção Regional de Agricultura de Trás-os-Montes

Amendoeira

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Infografia Amendoeira

No hemisfério norte, os botões florais começam a formar-se em julho e agosto, mas em outubro ficam dormentes, a aguardar pelos sinais – internos e do ambiente – que lhes indicam quando retomar o desenvolvimento. A amendoeira precisa de acumular entre 100 e 500 horas de frio (número de horas com temperaturas do ar entre 0ºC e 7,2ºC), dependendo da variedade (ou seja, do tipo de cultivar), para quebrar a dormência dos gomos. Estes botões emergem antes das folhas, habitualmente ainda no inverno, o que faz da amendoeira a primeira espécie fruteira a florescer na família das Rosáceas (Rosaceae). As macieiras, por exemplo, precisam entre 400 a 1000 horas de frio e as cerejeiras entre 800 e 1200 horas, o que significa que vão florescer mais tarde.

É à grande família de plantas com flor das Rosáceas que pertence a amendoeira, mas o nome científico que a identifica, Prunus dulcis (Prunus dulcis (Mill.) D.A. Webb.), revela também que integra a subfamília Prunoideae, a mesma dos frutos com caroço, principalmente do género Prunus, como o pessegueiro ou a cerejeira.

O fruto da amendoeira nasce depois de fecundadas as flores. São elas que dão origem a uma drupa – fruto carnudo com caroço – coberta por uma pele fina e aveludada que vai ficando rija à medida que amadurece e que, finalmente, se abre para libertar o caroço. É dentro deste caroço (o endocarpo) que se encontra a semente: a amêndoa. Apesar de lhes chamarmos fruto, a amêndoa é na verdade esta semente carnuda protegida pelo caroço (ou casca), que costuma ser rijo na amendoeira europeia e mais mole, tipo “casca de papel” na variedade americana.

Depois de anos em queda, interesse pela amendoeira ressurge em Portugal

Pensa-se que o cultivo da amendoeira tenha ganho escala em Portugal durante a invasão muçulmana, iniciada em 711, pelo sul do território, ou seja, pela região algarvia, que ainda mantém forte tradição na cultura da amendoeira. A par do Algarve, a outra zona de grande tradição é a chamada Terra Quente de Trás-os-Montes.

Em ambas as regiões, a amendoeira foi cultivada em regime de sequeiro, muitas vezes em associação com a oliveira e a vinha, ou a figueira e a alfarrobeira. Pela sua adaptação e resistência à secura e a solos pobres, foi muitas vezes solução para terrenos marginais, com declives de difícil acesso e baixa disponibilidade de água, mas esta opção acabou por resultar em pomares tradicionais pouco produtivos, o que contribuiu para algum abandono.

A queda da produção de amêndoa nacional, sobretudo entre 2007 e 2013, é disso reveladora. Dos perto de 40 mil hectares de amendoal que existiam antes de 2000, esta área decresceu para 28,8 mil hectares em 2010. O abandono das áreas rurais, que se intensificou desde 1970, e a maior abundância da amêndoa californiana, comercializada a baixo preço, ajudam a explicar esta descida.

Movimento inverso permitiu, no entanto, um ressurgimento do amendoal, em anos mais recentes. Em 2018, a amendoeira tinha recuperado a área perdida e totalizava 39,6 mil hectares que, segundo o INE – Instituto Nacional de Estatística, permitiram colher 21,6 toneladas de amêndoa.

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Cultura tradicional

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Cultura intensiva no Alentejo

Embora seja uma espécie rústica, que consegue resistir a calor e secura no verão, ao frio do inverno e aos solos pobres, as amendoeiras respondem bem à rega e à fertilização, que aumentam a sua produtividade. No entanto, pela sua sensibilidade à falta de oxigénio (hipoxia), uma boa drenagem é essencial.

Este novo ímpeto, apoiado pelo aumento a procura global por amêndoa – que inflacionou o preço e tornou mais interessante o investimento -, deveu-se à reconversão de vários amendoais tradicionais e, em particular, aos investimentos feitos no Alentejo em novas culturas intensivas e superintensas de regadio, propiciadas pelo aproveitando das águas da barragem do Alqueva.

Com grandes áreas de elevada densidade de amendoeiras e com a mecanização da cultura, o Alentejo tornou-se, em 2015, na segunda maior região de cultivo de amendoeira, com 9,2 mil hectares plantados (2018), segundo o INE. A região com mais amendoal continua, no entanto, a ser o Norte, com mais de 21 mil hectares.

Centenas de variedades de amendoeira pelo mundo

Pensa-se que a amendoeira que conhecemos hoje derive das espécies selvagens que cresciam na Ásia, nomeadamente nas encostas baixas das montanhas da Ásia Central (desde a Rússia à China e Irão).

A diáspora que “globalizou” a amendoeira começou pela mão de conquistadores e comerciantes, desde o Médio Oriente para o mediterrâneo e depois para outros países europeus, para as Américas, África do Sul e Austrália, onde hoje é uma cultura comum. E esta expansão conta duas histórias paralelas: uma confirma a cultura da amêndoa como uma prática humana milenar; a outra comprova a capacidade da amendoeira para se diversificar e adaptar ao longo destes milénios.

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© Direção Regional de Agricultura de Trás-os-Montes

O facto de a amendoeira ter raízes profundas e extensas, que a ajudam a desenvolver-se e resistir em regiões de clima seco e semiárido, apenas com chuvas de inverno, e de se adaptar a solos pouco férteis e com fortes declives, ajudou a tornar esta árvore uma opção de cultivo em zonas do mundo onde espécies mais exigentes (ou menos rústicas) não sobrevivem.

Acredita-se que a amendoeira tenha sido uma das primeiras espécies de árvores de fruto a ser domesticada, com registos que datam na Idade do Bronze, por volta de 3000-2000 a.C., embora alguns estudiosos entendam que alguns casos de cultivo possam ter precedido a domesticação e ocorrido logo após a última glaciação (há cerca de 11 mil anos), uma pista dada por vestígios arqueológicos encontradas no norte da Síria.

Antes disso, a multiplicação e seleção naturais – que ditam maior descendência às árvores mais fortes e saudáveis -, ajudaram à sua resistência. A intervenção humana intensificou o processo, por seleção artificial, porque a plantação da amendoeira privilegiou, obviamente, cruzamentos entre árvores que geravam mais, melhores e maiores amêndoas.

É interessante sublinhar que para garantir a produção de semente de amendoeira é preciso cruzar diferentes variedades de árvores, porque o pólen de uma amendoeira não a fertiliza a ela mesma. Ou seja, é uma espécie autoincompatível, caraterística que contribuiu para aumentar a sua diversidade genética e para a atual existência de centenas de variedades cultivadas pelo mundo, sobretudo nos países de onde a amendoeira é originária ou onde a sua cultura é imemorial.

Por exemplo, na zona Oeste da China (província de Xinjiang), conhecida na antiguidade como a zona de ligação à Rota da Seda, foram descritas mais de 40 variedades cultivadas e mais de 100composições genéticas diferentes . Espanha conta com cerca de 200 variedades, Itália com 600 e o Turquestão com 2000. Em Portugal, até 2003, estavam registadas cinco coleções de amendoeira nas Direções Regionais de Agricultura, que incluíam um total de 128 variedades cultivadas (incluindo duplicados). Ou seja, cada Direção Regional tem uma lista de variedades, na sua maioria exclusivas da região, mas que inclui também algumas que ocorrem noutras regiões (a variedade Bonita de S. Brás, por exemplo, existe na coleção do Algarve e na de Trás-os-Montes), o que significa que no total há menos variedades do que o somatório das coleções existentes.

Sabia que…

 

– A palavra amêndoa provém do grego amygdále, alterada pelo latim para amygdala. A amendoeira era anteriormente designada por Amygdalus communis, Amygdalus dulcis ou Prunus amygdalus. Hoje, designa-se por Prunus dulcis, que se poderia traduzir por “ameixa doce”. Apesar disso, a amendoeira é mais próxima geneticamente do pessegueiro e pensa-se que pode ter evoluído da mesma espécie primitiva. Se na natureza coexistirem no mesmo habitat, amendoeira e pessegueiro cruzam-se com facilidade. Aliás, híbridos de amendoeira e pessegueiro são frequentemente usados como porta-enxertos de amendoeira.

– Foi uma mutação genética ocorrida naturalmente durante a evolução da amendoeira que permitiu anular a toxina presente na amêndoa amarga e obter a amêndoa doce, conseguindo-se com a variedade doce a domesticação da espécie. A amêndoa amarga acumula um composto (a amigdalina, uma toxina amarga, diglucósido cianogénico) capaz de gerar cianeto. Estima-se que apenas cerca de 50 destas amêndoas possam ser o suficiente para matar um adulto.

– Existem referências muito antigas ao uso de amêndoas em banquetes, nomeadamente na civilização mais antiga da Mesopotâmia – a Suméria (Rosengarten 1984). Também na Palestina existem referências bíblicas, que datam pelo menos de 1.700 a.C. Foram encontrados vestígios arqueológicos de amêndoas no túmulo de Tutankhamon, no Egito (cerca de 1325 AC).

– Em Portugal, contam-se inúmeras povoações cujo nome nasceu da cultura da amendoeira: Almendra, no concelho de Vila Nova de Foz Coa (que conserva o topónimo herdado do Português arcaico, por assimilação da palavra árabe), Amêndoa, em Mação; Amendoal, na Guia; Amendoeira, em Macedo de Cavaleiros, em Castro Marim e Odemira; Amendoeira do Campo e Amendoeira da Serra, em Mértola, e Amendoeiras, também no concelho de Mértola.

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© Pedro Barros

*Artigo em colaboração

M. Margarida Oliveira

M. Margarida Oliveira é bióloga e professora catedrática no ITQB NOVA – Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier, da Universidade Nova de Lisboa. Doutorada em Biotecnologia Vegetal pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, foi docente nesta instituição entre 1985 e 2008. É vice-Directora do ITQB NOVA (desde 2011), coordena a unidade de investigação da FCT “GREEN-IT – Biorecursos para a Sustentabilidade”, dirigiu o curso de Mestrado em “Biotecnologia para a Sustentabilidade” desde a sua criação 2016) até Jan. 2021 e dirige o Laboratório de Genómica Funcional de Plantas no ITQB NOVA. Tem desempenhado diversas funções a nível público, em entidades como a Autoridade para a Segurança Alimentar e Económica, o Centro Operativo e Tecnológico do Arroz, e a Sociedade Portuguesa de Biologia de Plantas.

Ciência ID 311E-7431-9BCC; ORCID ID: 0000-0002-0095-1952, mmolive@itqb.unl.pt

 

Pedro M. Barros

Pedro M. Barros é Biólogo, Mestre em Bioinformática, pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e doutorado em Biologia Molecular pela Universidade Nova de Lisboa. Atualmente é investigador no ITQB NOVA – Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier, da Universidade Nova de Lisboa, no laboratório de Genómica Funcional de Plantas. É ainda membro da Unidade de Investigação GREEN-IT – Biorecursos para a Sustentabilidade do ITQB NOVA.

pbarros@itqb.unl.pt

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