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Fogo

Maior área ardida ocorre em condições meteorológicas extremas

2003, 2005 e 2017 foram os anos dos mais severos incêndios rurais e contribuíram para que a área ardida em Portugal fosse das maiores da Europa desde 2000. Para além de refletirem mudanças na utilização do espaço rural, estes registos estão diretamente relacionados com condições meteorológicas extremas.

Os cinco países mediterrânicos cujo clima e a geografia mais se assemelham – Portugal, Espanha, França, Itália e Grécia – foram os que viram mais território afetado por incêndios desde 2000. Espanha foi o país com mais área ardida nos anos 80 e 90, mas nas duas seguintes a área ardida em Portugal ultrapassou os registos do país vizinho.

Na década de 80 (1980-1989), a média de área ardida Espanha foi a mais elevada dos 5 países supracitados, perto dos 245 mil hectares, enquanto em Portugal a média ficou nos 73,48 mil hectares. Na década de 90 (1990-1999), Espanha continuou a ter a média mais elevada, 161,3 mil hectares, enquanto Portugal chegou aos 102 mil hectares. Na década seguinte (2000-2009), Portugal teve a média mais elevada destes cinco países, quase 161 mil hectares (Espanha teve uma média de 127 mil hectares), o mesmo acontecendo entre 2010 e 2019, com uma média de 138 mil hectares (94 mil hectares em Espanha).

Entre 2000 e 2023, Portugal foi o país europeu (EU-27) com mais extensão de território afetado, segundo o relatório Forest fires in Europe, Middle East and North Africa 2023. Para este lamentável recorde contribuíram em particular os anos de 2003, 2005 e 2017 com vastas extensões de área ardida em Portugal, intercalados por anos de registos muito baixos, como sucedeu em 2007, 2008, 2014 e 2021, em que a área ardida nacional ficou muito abaixo de outros países mediterrânicos.

Estes anos em que se regista maior área ardida em Portugal têm algo em comum: os incêndios mais devastadores ocorrem em larga maioria em dias de condições meteorológicas extremas: “a área ardida neste tipo de condições corresponde à quase totalidade da área ardida, em particular nos anos em que mais arde”, assinala um estudo do Observatório Técnico Independente (dezembro de 2020), que alerta “São, na realidade, os dias de condições meteorológicas extremas que nos devem preocupar (…)”. Estes dias caracterizam-se por baixos valores de humidade do ar e de elevadas temperatura e velocidade do vento.

Segundo a análise efetuada, 91% do total da área ardida em Portugal em 2003 corresponde a incêndios em dias de condições meteorológicas extremas. A história repete-se em 2005, ano em que 92% da área ardida aconteceu nestas mesmas condições. O mesmo padrão regista-se em 2017: dos 540 mil hectares ardidos, perto de 508 mil (94%) correspondem a 72 dias de condições extremas. Recorde-se que as “condições extremas” são a classe mais elevada do índice de severidade meteorológica DSR – Daily Severity Rating, medida considerada a mais representativa da dificuldade em combater um incêndio.

Não é, por isso, de estranhar que cerca de 54% da área ardida em Portugal em 2017 tenha ocorrido durante uma onda de calor e de ventos fortes causados pelo furacão Ophelia, já em outubro, numa altura em que o país se encontrava já em situação de seca. Neste que foi o mais dramático incêndio de que há registo em Portugal, o território nacional devastado pelo fogo representou 41% de toda a área ardida na Europa.

Evolução da área ardida na Europa mediterrânica, 2000 – 2023

Fonte: Forest fires in Europe, Middle East and North Africa 2023

2022 foi, depois de 2017, o ano com mais área ardida na União Europeia, com quase 900 mil hectares afetados. Quase 539 mil hectares arderam nestes cinco países e Espanha liderou os registos. No país vizinho, 82% dos grandes incêndios aconteceram durante três vagas de calor que afetaram o território peninsular e as ilhas Baleares. As Canárias foram afetadas por outras duas ondas de calor. Além de ter sido um ano excecionalmente quente, 2022 foi também um dos mais secos em Espanha – o sexto mais seco desde 1961 e o quarto do século XXI. “Esta situação meteorológica teve uma correlação direta com os maiores incêndios que ocorreram”, refere o relatório anual de 2022 do EFISEuropean Forest Fire Information System.

Em 2023 foram registados mais de 500 mil hectares de área ardida na União Europeia (354 mil dos quais nestes cinco países mediterrânicos) e o maior incêndio aconteceu na Grécia, segundo o relatório de 2023 do EFIS. Com uma área ardida de perto de 136,5 mil hectares neste país, parte significativa dos grandes incêndios ocorreram de 17 a 26 de julho (o mês mais quente dos últimos 64 anos na Grécia, com temperaturas 2 a 3,5 graus Celsius acima dos valores normais), devido ao “transporte contínuo de massas de ar quente (para este país) durante um período de quinze dias. O resultado foi o registo de uma vaga de calor severa, com duração de 12 a 26 de julho”.

Entre 2000 e 2023, foram registados 3,2 milhões de hectares área ardida em Portugal, 2,7 milhões em Espanha, 1,85 milhões em Itália e 1 milhão na Grécia. França tem registos menos dramáticos, com 397 mil hectares ardidos. No entanto, este total não corresponde integralmente a fogos na floresta.

Milhão e meio de hectares de área ardida na floresta portuguesa em 24 anos

Área ardida em Portugal 2020 a 2023

Fonte: Áreas Ardidas vs Uso e Ocupação do Solo – ICNF

De 2000 a 2023, dos 3,2 milhões de hectares de área ardida em Portugal, os povoamentos florestais e as áreas de matos foram as ocupações do solo mais afetadas: mais de 1,5 milhões de hectares correspondem a povoamentos florestais, o equivalente a 48,9% da área total, e mais de 1,4 milhões de hectares a matos (44,4%), de acordo com os dados de áreas ardidas e uso e ocupação do solo divulgados pelo ICNF – Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas.

Olhando apenas para as espécies florestais, os incêndios afetaram principalmente pinheiro-bravo e eucalipto, o que seria esperado, visto que estas duas espécies constituem perto de metade da área florestal no país.

A expansão e abandono do espaço rural, os aumentos da carga combustível, das ignições e da temperatura, assim como a irregularidade da precipitação são vistos com os quatro fatores centrais que estão a aumentar o risco de incêndio em Portugal e no resto da Europa mediterrânica.

Por sua vez, a desflorestação e a degradação das áreas florestais contribuem para as emissões de gases com efeito de estufa, que estão na base das alterações climáticas. Em paralelo, as perturbações nos ecossistemas causadas pelo abandono e pelos incêndios rurais favorecem a instalação de plantas invasoras, com impactes no ambiente, economia e saúde.

Evolução da área ardida por ocupação do solo, 2000 – 2023

Fonte: Áreas Ardidas vs Uso e Ocupação do Solo, ICNF

Espécies florestais afetadas nas áreas ardidas, 2000 – 2023

Fonte: Áreas Ardidas vs Uso e Ocupação do Solo, ICNF.