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Espécies Florestais

Pinheiro-manso: a espécie pioneira que lembra um guarda-sol

Embora valorizado noutros tempos pela sua madeira, matéria-prima da indústria naval, a importância do pinheiro-manso está historicamente relacionada com o pinhão, o que justifica o milenar interesse pela sua plantação. Facilmente identificado pela forma da sua copa, que faz lembrar um guarda-sol, o pinheiro-manso é uma espécie pioneira, com muito para conhecer neste artigo em colaboração com Isabel Carrasquinho.

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Comum um pouco por todo o país, embora mais abundante a sul do Tejo, o pinheiro-manso é facilmente reconhecível pela sua copa ampla, densa e arredondada que, nas árvores adultas, lembra um guarda-sol.

É esta a razão por que em vários países lhe dão este nome comum: em França é conhecido por pin parasol, em Inglaterra por umbrela pine e na Catalunha (Espanha) por pi para-sol. A beleza desta frondosa copa levou à sua utilização como árvore ornamental – foi escolhida para a Praça de Armas do Castelo de São Jorge, em Lisboa, por exemplo – embora a espécie seja atualmente valorizada pelo pinhão. Em anos recentes, este interesse, aliado à elevada sobrevivência da espécie em plantações, tem contribuído para a expansão da área de pinheiro-manso em Portugal, mas o valor deste fruto – que é na realidade uma semente – é há muito reconhecido e justifica a sua milenar plantação.

Além do interesse pelo pinhão, a madeira de pinheiro-manso foi utilizada pela indústria naval desde a época dos fenícios e romanos e teve o seu auge na altura dos Descobrimentos. Devido à sua longa duração, ainda é pontualmente usada em pequenos estaleiros artesanais para construção de peças curvas para quilhas e outras partes que precisam de estar em contacto com a água. A resinagem é outra das atividades que permanece e está até em crescimento. A casca seca do pinheiro-manso também tem aproveitamento, por exemplo como cobertura do solo de jardins, para diminuir a evaporação e a propagação de vegetação infestante.

Há mais de 49 mil anos no Mediterrâneo

A distribuição natural do pinheiro-manso (Pinus pinea L.) é difícil de estabelecer exatamente pela sua longa história de plantação na região mediterrânica, que ficou a dever-se principalmente ao interesse pelas suas sementes comestíveis. A primeira evidência de utilização humana do pinheiro-manso foi encontrada em Gibraltar e, segundo a datação efetuada, remonta há mais de 49 mil anos.

Hoje, o pinheiro-manso encontra-se distribuído ao longo da bacia do Mediterrâneo, desde Portugal até à Síria, sendo mais frequente na Península Ibérica, no Sul de França e em Itália, onde regenera naturalmente, e ainda nas margens do Mar Negro. Exceto em Portugal e em Espanha, onde cresce naturalmente no interior, ocorre principalmente em zonas costeiras.

Fora do Mediterrâneo, foi introduzido com sucesso em destinos mais longínquos, como a Argentina, Chile, África do Sul e Estados Unidos da América, mas o pinheiro-manso é uma espécie tipicamente mediterrânica.

Ainda assim, o seu carácter espontâneo na Península Ibérica não se encontra totalmente esclarecido, embora se considera bastante provável que, antes da expansão por via do cultivo, a espécie estivesse confinada a esta região, por ser a única onde se encontram registos da sua presença longe das antigas rotas de comércio. Em paralelo, existem evidências de que o pinheiro-manso já existia no Sudoeste da Península Ibérica há mais de 5 mil anos.

Distribuição do pinheiro-manso

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Adaptabilidade e apoio ao restabelecimento de espécies em zonas desertificadas

O pinheiro-manso é considerado uma espécie pioneira (das primeiras em termos de sucessão ecológica), capaz de viver em terrenos pobres, marginais e desertificados, onde contribui para criar as condições que permitem o restabelecimento de outras espécies. Por esta razão, tem sido plantado em ações de reflorestação de áreas com elevada suscetibilidade à desertificação.

Resistente e com esta capacidade de adaptação a condições onde muitas outras espécies não conseguem prosperar, o pinheiro-manso pode crescer em solos e climas muito diversos.

Relativamente ao clima, suporta condições de secura, aridez e é pouco exigente quanto à quantidade de chuva que recebe, desenvolvendo-se melhor em zonas com temperaturas elevadas e muita exposição à luz solar (chamam-lhe, por isso, xerófita, termófila e muito heliófita), descreve Augusta Vacas de Carvalho, na obra “Florestas de Portugal”- capítulo “O solar do pinheiro-manso de Alcácer”. A luz solar é a sua principal necessidade pelo que, em situações de sombra, chega a dobrar-se para procurar a luminosidade. Inversamente, tem sensibilidade ao frio e à neve, embora seja resistente ao vento.

Quanto ao solo, desenvolve-se na grande maioria das tipologias, mas prefere areias soltas e podzóis (solos férteis, ricos em minérios, húmus e matéria-orgânica). Prefere solos mais profundos e soltos, mas pode ser cultivado em solos mais delgados e compactos, embora seja sensível a solos calcários, assim como a zonas encharcadas ou com más condições de drenagem.

O pinheiro-manso é considerado uma “espécie pioneira”, um colonizador que sabe aproveitar em seu favor as oportunidades do ambiente em que se integra. Tem também um importante papel na proteção dos solos contra a erosão, na fixação das dunas costeiras e no enriquecimento dos terrenos pobres, marginais e desertificados, nos quais ajuda a estabelecer condições para o reaparecimento de espécies mais exigentes, como o sobreiro ou a azinheira.

Pinheiro-manso

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Com temperaturas médias anuais entre 10 e 18ºC, solos de areias soltas ou podzóis, Alcácer do Sal tem condições ideais para o desenvolvimento do pinheiro-manso e é neste concelho que se concentra boa parte da sua área e da produção de pinha. A economia desta zona está tradicionalmente ligada à exploração da espécie, razão por que é conhecida como o “Solar do Pinheiro Manso”. O pinhão desta zona tem boas características de rendimento industrial e qualidades organoléticas (dimensão, consistência, sabor, etc.), e está inclusive em consideração o registo de uma marca de Indicação Geográfica Protegida (IGP) para o Pinhão de Alcácer do Sal.

Em Portugal, a região a Sul do Tejo é, por isso, a que reúne as condições mais apropriadas ao seu desenvolvimento, mas a espécie existe por todo o país. Em Portugal Continental e de acordo com o Inventário Florestal Nacional – IFN6, ocupava em 2015 cerca de 194 mil hectares, um número que releva um expressivo crescimento face aos 120 mil hectares de 1995.

Cerca de 68% da área total de pinheiro-manso (131,5 mil hectares) localiza-se no Alentejo e em particular no Alentejo Litoral (42,3 mil hectares nos concelhos de Alcácer do Sal, Grândola, Odemira, Santiago do Cacém e Sines). Algarve (40,36 mil hectares) e Baixo Alentejo (38 mil hectares no distrito de Beja) são as zonas seguintes, refere o IFN6. A Lezíria do Tejo (onde se inclui o concelho de Coruche, a melhor zona de produção de pinha/pinhão) com 25,33 mil hectares, Alentejo Central com 16,73 mil hectares(distrito de Évora) e a Área Metropolitana de Lisboa com 13,69 mil hectares têm também uma presença expressiva.

Nas últimas décadas, verificou-se um aumento na área de distribuição do pinheiro-manso no nosso país, pelo interesse crescente nas pinhas e pinhão. Este aumento é propiciado também pelo sucesso das plantações, já que a taxa de sobrevivência das árvores plantadas atinge com facilidade os 80 a 90%.

Mais de 10 anos para as primeiras pinhas, mais de 3 para a formação da pinha

O pinheiro-manso (Pinus pinea L.) pertence à família das Pinaceae, género Pinus e subsecção Pinaster. Como todas as árvores com pinhas (ou cones) é uma conífera e não perde as agulhas no inverno (espécie de folha perene). Na idade adulta, pode crescer até aos 25 a 30 metros de altura e o seu tronco, que pode exceder os dois metros de diâmetro, é normalmente curto e com vários ramos verticais. A sua casca (ou ritidoma) apresenta fendas longitudinais profundas, de cor castanha-acinzentada no exterior, destacando-se placas que deixam a descoberto um tom mais vermelho-alaranjado no interior.

Cada pinheiro-manso tem flores masculinas, os amentilhos, e femininas, os estróbilos, característica que o inclui no grupo das espécies monóicas. As flores masculinas agrupam-se em espigas alargadas, de cor amarelo-alaranjado e libertam uma grande quantidade de pólen; surgem no início da primavera, na base da copa, normalmente antes das flores femininas, que são mais difíceis de distinguir. Estas flores femininas surgem no final da primavera no topo das copas – nas extremidades dos raminhos que cresceram nesse ano – e têm a forma de uma micropinha.

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Flores Masculinas

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Flores Femininas. Foto © Isabel Carrasquinho

Com flores masculinas e femininas, o pinheiro-manso beneficia de polinização cruzada, realizada pelo vento, sendo o processo de fecundação moroso. São necessários três anos para que a pinha se forme e amadureça.

Tudo começa na primavera do primeiro ano, em que se formam os órgãos reprodutivos – as flores – e ocorre a polinização. No segundo ano, as estruturas femininas entram num estado de aparente inatividade e só retomam o desenvolvimento no terceiro ano, já depois da fecundação. Por volta de maio-junho do terceiro ano ocorre a fecundação e a pinha, também chamada de cone, atinge a maturação entre finais de novembro e dezembro. A colheita comercial é feita no final deste terceiro ano (entre dezembro e março), antes da abertura natural da pinha (deiscência), para evitar a perda de pinhão.

Mas as pinhas não começam a formar-se logo que a árvore nasce. O pinheiro-manso pode começar a produzir pinhas por volta dos 8 a 10 anos de idade, mas o seu ciclo de maturação e a pouca quantidade inicial significa que só entre os 15 e 20 anos a quantidade de pinha produzida justifica o interesse comercial na colheita. A quantidade de pinhas vai aumentando à medida que a árvore vai envelhecendo.

Recorde-se que a produção média anual estimada é de cerca de 250 pinhas por árvore nas regiões mais propicias ao desenvolvimento do pinheiro-manso, mas são possíveis produções de mil ou até duas mil pinhas numa só árvore. Esta produção pode ser aumentada e antecipada por via da enxertia. Refira-se que estão a ser realizados estudos com vista a avaliar o efeito da fertilização na produção de pinha e de pinhão (GO-FERTIPINEA).

Sabia que:

 

• Desde a antiguidade que o pinhão do pinheiro-manso é muito apreciado como alimento e era já usado, por exemplo, pelas Legiões Romanas nas suas rações de combate. Continua a integrar a cozinha mediterrânica, em receitas que o combinam com os mais variados alimentos, incluindo carne, peixe, vegetais, massas e chocolate.

• Durante a permanência moura na Península Ibérica, os cais da zona oriental estavam localizados perto de florestas de pinheiro-manso e sobreiro. No século XII, o geógrafo Al-Edrisi descreveu a cidade de Alcácer do Sal como um importante porto costeiro, rodeado de florestas de pinheiro, então exploradas para a construção de navios.

• O navegador Bartolomeu Dias terá escolhido, numa zona perto de Alcácer do Sal, os pinheiros-mansos para a construção das caravelas que dobraram o cabo da Boa Esperança. Árvores semelhantes, da margem norte do Tejo, terão sido usadas na frota de Vasco da Gama que chegou à Índia em 1498.

• O Pinheiro das Areias, que figura no brasão da freguesia do Vale de Santarém, deverá ser um dos maiores da sua espécie em Portugal, com cerca de 350 anos e oito metros de perímetro na base. Em 1992, foi certificado no Diário da República que “esta árvore monumental é, nos termos da lei, considerada património de elevadíssimo valor ecológico, paisagístico, cultural e histórico”.

• Alguns pinhais-mansos do nosso litoral estão incluídos nos ecossistemas protegidos pela Diretiva Habitats e nos Sítios de Importância Comunitária (SIC) da Rede Natura 2000. Nos SIC litorais, alguns destes pinhais-mansos antigos, localizados sobre dunas costeiras, pouco perturbados e com vegetação conservada, incluem-se no habitat prioritário: 2270 – Dunas com florestas de Pinus pinea ou Pinus pinaster.

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*Artigo em colaboração

Isabel Carrasquinho

Isabel Carrasquinho é Engenheira Silvicultora e Doutorada em Engenharia Florestal pelo ISA – Instituto Superior de Agronomia, Universidade de Lisboa. Além de investigadora do INIAV – Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, é representante de Portugal na FAO para os recursos genéticos florestais, desde 2019. É ainda membro da equipa de coordenação do Centro de Competências do Pinheiro Manso e do Pinhão e do Centro de Investigação em Agronomia, Alimentos, Ambiente e Paisagem LEAF (Linking Landscape, Environment, Agricultura and Food), Instituto Superior de Agronomia, Universidade de Lisboa.