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Curiosidades

As cores naturais e as plantas de onde se extraem

Com uma história milenar de aplicação, as plantas tintureiras – fontes de pigmentos – foram destronadas pelas tintas sintéticas desde meados do século XIX. Hoje, a maior consciência sobre os seus impactes ambientais fez ressurgir o interesse pelas cores naturais e pelas plantas que permitem a extração de corantes orgânicos mais sustentáveis.

As cores naturais, provenientes de materiais orgânicos (plantas e insetos) ou minerais, voltam a despertar interesse como pigmentos para tingir tecidos, cosméticos e até alimentos, por serem naturais e menos poluentes. Na maioria dos casos, estas cores obtêm-se a partir de plantas – chamadas tintureiras –, que foram plantadas e valorizadas ao longo da história como fonte de cores para inúmeras aplicações, desde a pintura ao têxteis.

Os registos mais antigos da utilização destes pigmentos são arqueológicos e indicam que as tintas provenientes das plantas foram provavelmente descobertas ainda no período Neolítico (entre 12 mil e 4200 anos atrás) quando os seres humanos começaram a armazenar sementes e frutos.

No Antigo Egipto, eram já usadas plantas corantes na XII dinastia (2000–1800 a.C.): o açafrão-bastardo (Carthamus tinctorius), para obter pigmentos amarelos e vermelhos, e o pastel-dos-tintureiros, (Isastis tinctoria), para extrair os azuis, são dois exemplos. Na Roma Antiga, a ruiva-dos-tintureiros (Rubia tinctorum) permitia extrair vermelho e do lírio-dos-tintureiros (Reseda luteola) isolava-se o amarelo. Com a descoberta das plantas usadas em África, na Ásia e nas Américas, desde o século XV que os europeus adicionaram às plantas tintureiras que já usavam outras trazidas dos “novos mundos”, como a Indigofera tinctoria – conhecida como índigo, pelo corante dessa cor que se extrai das suas folhas.

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Desde então, os grandes centros de trocas comerciais na Europa desenvolveram as suas tinturarias, que se mantiveram até meados do século XIX. Desde essa altura, com os avanços da química e da industrialização, as cores naturais começaram a ficar relegadas para usos pontuais – artesanais –, destronadas pelos pigmentos sintéticos e por processos de tingimento industriais mais baratos e rápidos, embora altamente poluentes.

Embora o tingimento sintético continue a predominar, desde finais do século XX que a maior consciência sobre os seus impactes ambientais, renovou o interesse pelas cores naturais e por aprofundar o seu cultivo e extração, que envolvem processos menos intensivos do ponto de vista energético e menos nocivos para o ambiente.

Além desta revitalização, há também novas plantas e até desperdícios florestais e alimentares a serem usados como fonte de uma tinturaria orgânica inovadora e sustentável.

Refira-se a título de exemplo a inovação desenvolvida pelo laboratório têxtil português Minority Denim, que incorpora desde cascas de cebola que sobram da indústria alimentar a folhas de eucalipto que caem no solo durante as operações florestais, transformando estes desperdícios em cores naturais para tingir têxteis.

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Estamos limitados às cores que a natureza nos oferece, mas conseguimos ter um muito menor impacte, refere Diogo Aguiar, o fundador da Minority Denim, que é também o investigador responsável pela nova tecnologia de tingimento para matérias orgânicas BioTint, desenvolvida após vários anos de pesquisa e já certificada. O processo imprime sustentabilidade e circularidade às técnicas tradicionais de tinturaria, já que os desperdícios são transformados em tintas naturais e os resíduos deste processo servem de composto para fertilização.

As tintureiras que nos dão as cores naturais de base: amarelo, azul e encarnado

“As plantas tintureiras produtoras de corantes são principalmente do tipo silvestre, no entanto, muitas delas podem ser adaptadas a práticas modernas de cultivo para aplicações a nível industrial, a baixo custo e com alto rendimento de produtos”, refere o dossier técnico “Plantas tintureiras: obtenção de corantes naturais por encapsulação e estabilização”.

Foi com esta mesma ideia que se desenvolveu o projeto Tinturaria Natural, terminado em 2023, que plantou diferentes espécies de tintureiras tradicionais para melhorar as suas técnicas produtivas, definir métodos de extração e avaliar a produtividade corante de cada uma, assim como os custos associados à respetiva cultura. Embora reconhecidas como fontes de cores naturais, muita da informação antiga sobre estas plantas acabou por perder-se e, mesmo após quatro anos de projeto, há ainda muito por conhecer para determinar quais são as espécies mais sustentáveis ambiental e economicamente para o tingimento de fibras naturais.

Em foco estiveram os já referidos pastel-dos-tintureiros, índigo, lírio-dos-tintureiros e ruiva-dos-tintureiros, assim como a giesta-dos-tintureiros (Genista tinctoria) e o sorgo (Sorghum bicolor). Vamos conhecer algumas das espécies das quais se obtém amarelo, azul e encarnado, as três cores naturais base cuja mistura nos possibilita criar uma paleta completa.

As plantas que nos dão o amarelo

O lírio-dos-tintureiros (Reseda luteola) foi a principal fonte de amarelo para dar cor às sedas naturais, que fazem sobressair o seu tom cintilante.

Ao pigmento do amarelo chama-se luteolina e, à exceção das raízes do lírio-dos-tintureiros, pode ser extraído de todas as partes desta planta herbácea que, em adulta, pode chegar ao metro e meio de altura.

Antes da descoberta da América, em 1492, o lírio-dos-tintureiros era o corante mais usado na Europa Ocidental.

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A planta deve colher-se durante a floração, época em que contém mais matéria corante, que se encontra principalmente concentrada nos caules mais estreitos e finos. Para obter a cor é necessário um processo de secagem logo a seguir à colheita, cortando-se a planta em pequenos pedaços e submetendo-os a 40 graus de temperatura.

Embora o seu amarelo seja intenso, são necessárias muitas plantas para obter uma quantidade de corante suficiente para a tinturaria têxtil.

Também conhecida por erva-dos-ensalmos, gauda, reseda ou apenas lírio, esta planta considerada nativa em Portugal – frequente em campos, searas e caminhos –tem uma vasta área de distribuição natural, que abrange a maioria da Europa, a região da Macaronésia (incluindo Madeira e Açores), o Norte de África, o Médio Oriente e a Ásia temperada.

Há várias outras espécies usadas historicamente para obter pigmento amarelo, como a giesta-dos-tintureiros (Genista tinctoria) e a serratula (Serratula tinctoria subsp. seoanei).

Na giesta-dos-tintureiros, as flores que despontam na primavera e início do verão são as partes que produzem o melhor pigmento, embora ele possa extrair-se também das folhas e ramos.

A matéria corante obtinha-se tradicionalmente pelo extrato resultante da fervura das partes da planta em água e resultava num amarelo menos intenso – e mais esverdeado – que foi misturado com azul para obter verdes.

Provavelmente originária do Centro Oeste da Ásia, a giesta-dos-tintureiros também se estabeleceu nos Estados Unidos e pode ser encontrada nos pastos e matas (geralmente em solos ácidos) em quase toda a Europa.

Na serratula, a cor extrai-se das folhas e caules, embora nesta espécie o amarelo seja uma cor invisível que se revela apenas com o processo de tingimento: tradicionalmente, as folhas e caules eram submetidos a secagem e depois fervidos em soluções alcalinas que transformavam uma substância incolor contida na planta, a serratulana, no pigmento amarelo serratulina, um tom também conhecido como “amarelo a granel”.

Este é uma planta nativa da Europa, que nasce em prados húmidos, e o seu aspeto é semelhante a um cardo, com flores roxas e sem espinhos. Em Portugal surge no Minho, Douro Litoral e Beira Litoral.

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Giesta-dos-tintureiros e serratula

As plantas de onde se extrai o azul

Quem olha para as flores amarelas do pastel-dos-tintoreiros (Isatis tinctoria) dificilmente imagina que esta é uma das plantas de onde se extrai a cor azul. Na verdade, ele é extraído das folhas da roseta desta planta. A matéria corante é obtida através da fermentação dos extratos das folhas e é comercializada sob o nome indigotina.

A quantidade de indigotina nas folhas do pastel-dos-tintureiros varia com o clima, mas também com o estado de desenvolvimento da planta. Ela produz mais índigo quando o tempo está quente e ensolarado, mas a produção do pigmento reduz-se quando começam a desenvolver-se as hastes florais e é praticamente nula quando a planta começa a florir. Assim, há uma estreita janela temporal para aproveitar o seu pigmento: é preciso colher a planta no verão do seu primeiro ano de vida, antes das hastes florais se desenvolverem, e mais especificamente quando a extremidade da folha (margem do limbo) tem uma mancha violeta.

A indigotina é insolúvel em água, pelo que é necessário um ácido forte para a dissolver. Historicamente, este processo era sui generis e consistia na sua dissolução em urina, o que produzia um líquido amarelo-esverdeado, onde eram mergulhadas secas e lãs. A oxidação desta solução transformava depois este tom esverdeado num azul intenso.

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O pastel-dos-tintureiros é uma planta nativa de vários países da Europa mediterrânica e do Mar Negro, mas foi amplamente plantada em muitos outros locais do mundo exatamente pela importância do seu pigmento azul – recorde-se que o azul é uma das cores menos comuns na natureza e que até ao final do século XVI esta era essencialmente a única forma de obter esta cor na Europa.

Em Portugal, o pastel-dos-tintureiros foi plantado nas margens do Douro e as primeiras referências à sua cultura datam de 1445. Esta cultura foi muito desenvolvida também nos Açores, onde se tornou um dos principais produtos exportados nos séculos XV e XVI. O comércio desta cor natural era de tal forma importante que a coroa portuguesa assumiu o seu monopólio e até criou o cargo de “lealdador do pastel”, instituindo um responsável pela qualidade do pigmento exportado. A sua relevância decaiu no século XVII pela concorrência do índigo e do anil, trazidos das américas e comercializados por Espanha.

Índigo e anil estão entre as plantas mais valorizadas para a obtenção de azuis

O corante natural azul – índigo ou anil – pode ser extraído de várias espécies de plantas do género Indigofera, originárias de regiões tropicais.

Desde tempos antigos que na Ásia se usava a Indigofera tinctoria, conhecida como índigo, e na América Central e do Sul a Indigofera suffruticosa, a que se chamou anil. Em África era usado o índigo-de-natal (Indigofera arrecta).

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Índigo 

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Anil

As plantas que estão na origem do encarnado

A ruiva-dos-tintureiros, garança ou granza (Rubia tinctorum) é uma planta herbácea, da família das Rubiáceas (Rubiaceae), a mesma a que pertence o café. Em Portugal também é conhecida como ruiva-brava, granza-branca, solda-grande e raspa-língua.

O corante da ruiva-dos-tintureiros, chamado alizarina, está concentrado nas raízes e aumenta após os primeiros três anos de vida. Tradicionalmente, as suas raízes eram lavadas para se remover a terra e cortadas em pequenos pedaços, secas com ar quente e depois trituradas. O corante era extraído em água e separado por fermentação, sendo depois seco e reduzido a pó.

Várias espécies de Rubia podem ser utilizadas em tinturaria. Na Ásia foi muito usada a Rubia cordifolia -, mas a mais popular em Portugal foi a Rubia tinctorum, que nasce naturalmente no Sudeste da Europa até ao Oeste dos Himalaias, embora seja comum noutras geografias, por ter sido desde há muito plantada.

Esta foi uma das plantas usadas desde a antiguidade no tingimento de têxteis e pensa-se que a extração da sua cor encarnada tenha começado no Oriente, perpetuando-se por vários impérios – incluindo persa, egípcio, grego, romano – que a levaram a novas geografias.

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Foram encontrados vestígios do seu vermelho em linhos no túmulo de Tutankhamon, em antigos sepulcros escandinavos e nas ruínas de Pompeia.

A ruiva-dos-tintureiros foi um corante muito popular no Médio Oriente e permitia obter um vermelho intenso e brilhante, conhecido por “vermelho-da-Turquia”, que sobressaia especialmente em fibras de algodão e linho. Em Portugal, no ‘Regimento da Fábrica dos panos de 1690’, é referida a utilização de ‘granza’ para tingir de vermelho, podendo ser adicionado pau-brasil para obtenção de outros tons de vermelho”, refere um trabalho de revisão sobre plantas tintureiras.

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A alizarina foi o primeiro corante a ser sintetizado, ainda na segunda metade do século, XVIII, o que levou à rápida substituição do pigmento natural.

O açafrão-bastardo é outra das fontes de encarnado e ele pode obter-se também do sorgo, uma planta que tem sido estudada mais recentemente para a extração de pigmentos.

O açafrão-bastardo (Carthamus tinctorius) foi outra das plantas historicamente usada para tingimentos vermelhos. A planta é originária do Oeste da Ásia, mas é há muito cultivada na China, Índia, Pérsia, Egito e sul da Europa, incluindo Portugal. Aqui, é conhecido como açaflor ou açafroa e é usado em culinária. Nos Açores, por exemplo, as suas flores moídas servem para condimentar e dar cor a molhos e guisados.

É também das suas flores que se obtém o vermelho. Tradicionalmente, as flores são colhidas e secas à sombra. As pétalas são depois lavadas e amassadas em água até libertarem as substâncias amarelas. A massa que fica é tratada com uma solução ácida suave para extrair o encarnado – a cartamina.

O extrato das pétalas lavadas pode também ser aproveitado: após submetido a diferentes soluções, permite obter amarelo alaranjado e tons acastanhados.

A obtenção de vermelho natural também pode derivar do sorgo (Sorghum bicolor). Embora esta planta seja menos conhecida na Europa como tintureira, algumas variedades cultivadas (e não comestíveis) têm sido investigadas para a extração de corante vermelho para uso industrial. A cor está presente nas folhas e em partes do caule.

A cultura do sorgo é originária da África Oriental e pensa-se que a sua domesticação começou em cerca de 1000 a.C., estendendo-se a outras regiões deste continente. O corante castanho-avermelhado do sorgo já chegava a várias partes do mundo há dois séculos atrás e ainda é usado em África para tingir peles, lãs e cestaria.

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Açafrão-bastardo e sorgo