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Curiosidades

Chá de tília e outras aplicações que talvez não conheça

A infusão de tília é a aplicação mais conhecida das árvores com este nome, mas as suas flores, folhas, frutos, madeira e até casca têm várias outras aplicações. Vamos descobrir algumas delas, assim como os benefícios medicinais que lhe estão associados e o lugar de destaque destas espécies na tradição e paisagem de diferentes culturas.

Principalmente quando o tempo arrefece, apetece o conforto de uma bebida quente e a infusão a que habitualmente chamamos chá de tília, com o seu sabor suavemente doce, está entre as mais apreciadas. Em Portugal, esta é a mais reconhecida aplicação das tílias, principalmente da tília-de-folhas-pequenas (Tilia cordata).

Podem também usar-se para esta infusão a tília-de-folhas-grandes (Tilia platyphyllos) e a tília-europeia (Tilia x vulgaris), a que alguns chamam de tília-comum. Estas são três das cinco tílias que temos em Portugal, embora nenhuma delas seja nativa do nosso país.

As tílias são naturais de amplas áreas no hemisfério norte, incluindo América, Ásia e Europa, mas só existem em Portugal porque foram plantadas, em especial para dar sombra a avenidas e jardins. Tal como em Portugal, inúmeras espécies de tília foram plantadas em praticamente todas as regiões temperadas do mundo, mas os maiores produtores desta matéria vegetal são países onde várias espécies de Tilia crescem naturalmente: China, Bulgária, Polônia, Rússia, Roménia e Turquia.

O chá de tília faz-se habitualmente a partir das flores secas e também das folhas que, além de poderem adquirir-se prontas a usar em qualquer ervanária ou supermercado, podem também colher-se e secar-se.

A tília-de-folhas-pequenas e a tília-de-folhas-grandes começam normalmente a florir em junho-julho, enquanto a floração da tília-comum começa mais cedo, em abril. Para fazer a infuso, as flores devem colher-se ainda jovens, evitando aquelas em que já são visíveis as sementes em formação. Podem juntar-se folhas secas, igualmente selecionadas entre as mais jovens e translúcidas.

A secagem é rápida e, em épocas mais quentes, se forem deixadas ao ar livre e à sombra, um dia bastará. Depois de secas e cortadas, duas colheres de sopa de tília é quanto basta para aromatizar um litro de água fervente.

Colher flores para fazer chá de tília

Infusão, tisana ou chá de tília? Descubra as diferenças.

Chá é o nome dado à infusão das folhas ou outras partes da Camellia sinensis, uma espécie de arbusto ou pequena árvore com origem na Ásia oriental, que é a planta-do-chá original. Infusão refere-se a qualquer bebida que resulta da imersão de partes de uma única espécie de planta em água quente (à exceção da Camellia sinensis). Já a tisana nomeia a mistura de várias espécies numa mesma bebida quente. Assim, no caso da tília, o termo certo é infusão e não chá de tília, embora o mais comum no dia a dia seja chamarmos chá a qualquer infusão ou tisana.

Outras aplicações gastronómicas das flores, folhas e frutos

Da mesma forma que dão sabor ao chamado “chá de tília”, as flores podem ser usadas para aromatizar licores e limonadas, assim como para fazer licores e geleia. Várias receitas de papas de fruta infantis aconselham, inclusive, que maçãs ou peras repousem numa infusão de tília, ou nela sejam cozidas, para ajudar a aromatizar o preparado.

As flores podem ser também colocadas em mel e maceradas. Esta mistura pode usar-se em substituição do açúcar para adoçar outras infusões (ou consumir-se diretamente).

As folhas jovens podem ainda saborear-se frescas, em saladas, ou ser cozinhadas em sopas e guisados, e os frutos da tília podem ser preparados como um substituto do cacau e do café, torrando e triturando as sementes até ficarem em pó.

Mel de tília

Sabia que o mel de tília já era um alimento humano na Idade do Bronze?

O mel de tília foi identificado, fossilizado, em registos arqueológicos no Sul da Geórgia, que indicam o seu uso humano durante a Idade do Bronze (3300-3000 a.C a 1200-1000 a.C.).

As abelhas são atraídas pela fragrância das flores e o mel pálido que produzem com o pólen das tílias tem um sabor fresco e amadeirado, com um toque de menta e cânfora. Contudo, o néctar das tilas pode ser inebriante, devido ao efeito de um açúcar, a manose, que é tóxico para as abelhas.

Efeitos medicinais do “chá de tília” e dos extratos destas árvores

As flores de tília foram usadas desde tempos antigos para tranquilizar e aliviar sintomas de dores de cabeça, indigestão e diarreia. Adicionadas às águas do banho, serviram para acalmar crises de histeria e o “chá de tília” foi indicado para aliviar indigestões, ansiedade, palpitações cardíacas e vómitos.

Diversas fontes antigas relatam crenças em benefícios mágicos: por exemplo, que as flores de tília eram tão eficazes no tratamento da epilepsia que, supostamente, bastaria sentar-se debaixo da árvore para ficar curado.

Na Idade Média, a infusão das flores começou também a ser usada como perspirante e esta foi uma das aplicações que perdurou até ao século XX, constando dos antigos livros oficiais de preparações farmacêuticas (farmacopeias) de vários países do centro e leste europeu, nos quais diferentes espécies de tília crescem naturalmente e onde estas árvores têm maior enraizamento na cultura popular e nas tradições medicinais:

– Por exemplo, na Hungria, em meados do século XX, o “chá de tília” era usado para promover a transpiração em casos de constipação comum, tosse crónica e catarro, e a infusão das flores servia também para produzir rebuçados para aliviar a tosse.

– Na Polónia, as inflorescências eram usadas por estimular as funções secretoras e excretoras (diurético, aumento da produção de fluido gástrico, e fluxo biliar, transpiração e suor cutâneo) e a sua infusão era um auxiliar em estados febris associados a dor de garganta e bronquite, assim como para o alívio de estados de nervosismo e até mesmo histeria ou hipocondria.

– Na Alemanha, já na viragem do século, a flor de tília era inclusive um dos componentes de uma tisana pediátrica indicada para promover a transpiração em situações de gripe.

Flores e folhas de tília

Nem todos os benefícios que foram atribuídos aos banhos, extratos e “chá de tília” são plausíveis e a maioria não se encontra comprovada pela ciência, mas com base em muitos anos de utilização em diferentes países, os produtos medicinais tradicionais à base de flor de tília são considerados seguros pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA, 2012) para:

  • Alívio dos sintomas de constipações comuns;
  • Alívio de sintomas leves de stress.

Ainda assim, a EMA ressalvava: a sua eficácia é plausível, mas não se encontra comprovada por dados clínicos. Faltam estudos clínicos controlados sobre a sua genotoxicidade, carcinogenicidade, toxicidade reprodutiva e toxicidade no desenvolvimento de extratos de flor de tília.

Embora as diferentes espécies de Tilia tenham diferentes composições, que podem também variar de acordo com os diferentes locais e condições de crescimento (solo, clima, etc.), vários estudos têm trazido pistas sobre os compostos destas árvores e os efeitos benéficos que podem proporcionar: antioxidantes, anti-inflamatórios, anticancerígenos e neuroprotetores, entre outros. Apesar de serem necessários mais estudos, este potencial abre a hipótese de integrarem futuramente o desenvolvimento de modernos medicamentos e alimentos funcionais.

Apesar de serem menos comuns, algumas preparações medicinais tradicionais também usam a casca de tília como fonte de compostos anti-inflamatórios e calmantes, e tanto das flores como do interior da casca pode extrair-se óleo essencial.

Aplicações medicinais da tília

Madeira de tília: dos instrumentos musicais à sauna

De cor clara, a madeira de tília (chamada basswood na América do Norte) é normalmente muito uniforme, com raros nós e imperfeições. Leve, homogénea e macia, é fácil de trabalhar e permitiu várias aplicações ao longo do tempo.

Sabe-se que foi usada na Idade Média por artistas que criaram estatuetas e retábulos, e por marceneiros que a usaram para criar teclas de piano. Pelas propriedades acústicas, continua a ser usada em componentes de alguns instrumentos musicais, nomeadamente na construção das estruturas de guitarras.

Os corpos das guitarras elétricas feitos desta madeira foram popularizados nos anos 80. No caso das guitarras elétricas, o som emana principalmente dos captadores e da eletrónica, e a madeira desempenha um papel modesto. No entanto, a sua presença é valorizada, porque a madeira afeta a ressonância, a sustentação e as características tonais gerais do instrumento. Fabricantes como Ibanez e Fender começaram a usar basswood em alguns dos seus modelos de guitarra nessa época, o que ajudou a popularizar a madeira de tília entre os guitarristas.

Embora materiais como o acrílico se tenham generalizado na construção de instrumentos de percussão, como baterias por exemplo, a madeira continua a ser um material preferencial e a madeira de tília uma das mais usadas. Alguns bateristas comparam o som desta madeira ao que provém do ácer ou bordo (Acer spp.), outros ao do mogno (madeira que pode provir de várias espécies dos gêneros Swietenia e Khaya, o mogno africano).

Madeira de tília é fácil de esculpir
Madeira de tília aplica-se em guitarras
Madeira de tília é usada em saunas

Esta madeira e seus derivados, especialmente contraplacados e folheados, continuam a ser usados em soluções que vão do mobiliário à construção civil. Nalguns dos países do centro e leste da Europa uma das aplicações que se destaca é a construção de saunas, isto porque a tília aguenta a exposição a temperaturas elevadas, por longos períodos, sem sobreaquecer.

A casca interior da tília foi também valorizada, desde tempos antigos, para fazer cordame. Retirando esta camada interna e colocando-a de molho, era possível separar as fibras que podiam ser tecidas e usadas na confeção de cordas, tapetes e cestos. No Japão, a fibra de tília é matéria-prima para tecidos tradicionais.

A madeira de tília é reconhecida no fabrico de lápis e o lápis mais antigo que se conhece foi feito com ela. Pode ser visto no acervo do fabricante alemão Faber-Castell. Foi descoberto entre as traves de um telhado, numa casa do século XVII, onde terá ficado esquecido durante cerca de 300 anos. Na sua produção foram usados dois pedaços de madeira de tília, que envolvem uma barra de grafite.

Da mitologia ao paisagismo

Além das aplicações práticas, as mais de 20 espécies de tília identificadas pela ciência fazem parte da cultura de muitos povos e da paisagem das mais diversas cidades pelo mundo, desde Berlim a Quioto.

Por exemplo, na região báltica, a tília está associada à deusa Laima que, por sua vez, está relacionada com a sorte feminina no casamento, fertilidade e parto – é a padroeira das mulheres grávidas. Para os povos germânicos, a associação feita é com Freya, a deusa do amor e também da verdade. Acreditava-se que não era possível mentir sob uma tília, pelo que as árvores eram locais de encontros sociais, casamentos e também de assembleias onde se criavam leis e se deliberavam sentenças.

A espécie está igualmente presente na mitologia grega. Um destes mitos é o da hospitalidade e conta que Zeus e Hermes se disfarçaram de camponeses e foram de porta em porta à procura de alimento e abrigo, tendo sido rejeitados por todos, exceto por um pobre casal de idosos, Baucis e Filémon. Recompensando o seu desejo de ficarem juntos para sempre, após a sua morte, os deuses transformaram-nos em duas árvores entrelaçadas: uma tília e um carvalho.

Os budistas também veneram a tília como uma árvore sagrada. Conta-se que Sidarta meditou e encontrou iluminação sob uma árvore cujas folhas tinham a forma de coração invertido – pensa-se que seria uma figueira (Ficus religiosa) nativa da Índia. Nos locais onde esta figueira não se dava, outras árvores com folhas de forma semelhante tomaram o seu lugar. No Norte e Este da China, foram as tílias a substituir a figueira e várias foram dali levadas para o Japão. Neste país, as tílias são árvores sagradas tanto para os budistas como para os xintoístas.

Avenida sob as tílias, na Alemanha

Unter den Linden (Avenida sob as tílias), em Berlim, na Alemanha

Tília é usada como ornamental no Japão

Tílias na entrada no templo budista de Jodoshu, em Quioto, Japão

Estas são também árvores que têm destaque nos países de cultura eslava, a exemplo da República Checa, onde a tília se tornou oficialmente árvore nacional: um símbolo de proteção e identidade numa época histórica (perto de meados do século XIX) em que os povos eslavos se juntaram na tentativa de resistir às pressões de potencias estrangeiras, como os Impérios Austro-Húngaro, Russo e Otomano.

Como árvores ornamentais, as suas amplas copas refrescam as ruas e jardins das cidades – em especial nas cidades europeias – e o seu valor paisagístico é reconhecido em muitas outras partes do mundo. Portugal não é exceção. Várias destas árvores estão classificadas como Arvoredo de Interesse Público, a exemplo a tília de Trancoso, e muitas outras integram Guias de Espécies de diversos concelhos.

Por exemplo, no concelho de Cascais, podem ser vistas Praça do Junqueiro (Carcavelos) e nos arruamentos da Costa da Guia, e em Lisboa, na Praça da Alegria, no Jardim do Príncipe Real, no Jardim da Estrela, no Jardim das Amoreiras e na Avenida Infante Santo, onde se alinham ao longo do passeio.

E nem sequer falta em Portugal a Avenida das Tlias, situada nos jardins do Palácio de Cristal. É nestes jardins que costuma decorrer a Feira do Livro do Porto e, neste evento, vários escritores portugueses têm sido homenageados anualmente, com o seu nome atribuído a uma tília: Ana Luísa Amaral, Eugénio de Andrade, José Mário Branco, Júlio Dinis e Manuel Antônio Pina são alguns dos que já batizaram uma das tilas desta Avenida, que agora também é conhecida como a Avenida dos Autores.

Em colaboração com Cristina Martinho

 

Cristina Martinho é, em 2024, finalista de Arquitetura Paisagista, no ISA – Instituto Superior de Agronomia, e esta é a sua segunda licenciatura, uma vez que já tinha concluído o curso de Tecnologias da Saúde e iniciado a sua experiência profissional. A sua colaboração com o Florestas.pt realizou-se no âmbito dos estágios de verão alumnISA.