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Bioeconomia

Têxteis com origem na floresta

Descobriu-se recentemente que há mais de oito mil anos, em pleno período neolítico, partes das árvores eram usadas para criar tecidos entrançados. Hoje, a floresta volta a desempenhar um papel central na indústria têxtil, graças aos seus materiais de origem natural, renováveis e com menor impacte ambiental.

Durante muito tempo considerou-se que plantas como o algodão e o linho teriam sido as primeiras a ser usadas para tecer e fazer vestuário. Análises detalhadas aos mais antigos fragmentos de material tecido conhecidos (mais de 8 mil anos de idade) mostraram que afinal foram usadas fibras da entrecasca de carvalhos.

Embora a casca das árvores, folhas e ervas, a par de peles animais, tenham sido usadas para envolver e proteger o corpo muito antes, eram usados de forma simples. Por terem sido entrelaçados de forma a criar um pedaço de tecido, os fragmentos de peças de roupa encontrados por arqueólogos na cidade de Çatalhöyük, na Turquia, do período Neolítico, são os mais antigos têxteis conhecidos com origem na floresta.

Se é certo que estas primeiras utilizações estão longe daquilo a que hoje chamamos têxteis, os materiais florestais estavam acessíveis em muitas áreas do globo e esta disponibilidade terá motivado a sua utilização e exploração para a criação do que terão sido as peças de vestuário primitivas.

Descubra os materiais que marcaram a história do vestuário em “História dos tecidos que vieram das árvores” e saiba mais sobre o tecido vegetal, feito da parte interior da casca, que esteve na origem dos primeiros têxteis com origem na floresta.

A época exata em que o processo de criação de vestuário começou não é conhecida e tem sido ajustada conforme vão sendo descobertos novos registos e métodos de análise, com estudos científicos recentes a apontar para que os humanos tenham começado a usar roupas há 170 mil anos ou há 120 mil. Só muito mais tarde – nos séculos VI a VII aC – terão sido desenvolvidas técnicas de criação de tecidos mais elaboradas.

Desde então, inúmeras fontes naturais como o linho, a seda, a lã e o algodão foram moldadas e tecidas, mantendo-se ainda hoje como matérias têxteis. No entanto, com o advento da indústria, foram as fibras sintéticas com componente fóssil (principalmente poliéster), que se impuseram.

Hoje, a elevada dependência dos combustíveis fósseis que estas fibras implicam, as pegadas de carbono, energética e hídrica inerentes ao respetivo fabrico, assim como a utilização de produtos poluentes e tóxicos envolvidos no processo têm levado a repensar a sustentabilidade da indústria têxtil.

É neste contexto que os têxteis com origem na floresta ressurgem como uma alternativa natural, biodegradável e sustentável que grandes marcas de vestuário estão já a abraçar. E a emergência da chamada “produção verde” estimula, em paralelo, novos processos (ou adaptações dos que vigoram) a um modelo de bioeconomia circular.

Este conceito, essencial para que se reduzam impactes ambientais, implica sustentabilidade nas várias etapas do processo, desde a utilização de fibras provenientes de florestas com gestão certificada, à redução de gases com efeito de estufa durante o ciclo produtivo, assim como a reciclagem e reutilização de materiais antes considerados como resíduos.

Na indústria têxtil, a expressão “produção verde” compreende todo o ciclo de produção e tem como objetivos: prevenir a desflorestação e a degradação ambiental, potenciando os sumidouros de carbono;  reduzir a geração e emissão de poluentes, através, por exemplo, da seleção das tintas utilizadas; minimizar a aplicação pesticidas, assim como do uso de água e energia.

Esta transição é tanto mais importante quando sabemos que a indústria têxtil emite 5% dos gases com efeito de estufa a nível mundial e é uma das razões por que os nossos oceanos estão repletos de microplásticos. Assim o sublinha o diretor do Instituto Europeu da Floresta, Marc Palahí, que aponta novas formas de contrariar esta realidade, certificando que materiais e processos são sustentáveis. Ligar tecnologia e natureza será, segundo Palahí, o segredo dos têxteis do século XXI.

Na sua estratégia para esta indústria, a União Europeia reforça igualmente a importância da transição para os têxteis sustentáveis. Os têxteis são a quarta categoria que exerce maior pressão em termos de utilização de matérias-primas e água e a quinta maior emissora de gases com efeito de estufa no espaço da União Europeia, pelo que os têxteis com origem na floresta – renováveis, recicláveis e biodegradáveis – são apresentados como uma forma de reduzir os impactes ambientais deste sector.

A mesma ideia é apoiada pelo diretor-geral da Confederação Europeia das Indústrias de Papel (CEPI), Jori Ringman, que afirma: quando “originados, fabricados e reciclados na Europa, com tecnologia europeia, os têxteis de base florestal podem ter o potencial de lançar um renascimento global da moda sustentável. Tudo o que se pode fazer com matéria-prima fóssil, também pode fazer-se com madeira de uma forma mais amiga do planeta, incluindo têxteis sustentáveis.”

Embora seja longo o muito caminho a percorrer, uma vez que o poliéster continua a sustentar a maioria da produção, a indústria tem dado passos relevantes que importa conhecer.

Celulose: têxteis com origem na floresta na era da indústria

Após milhares de anos de uso artesanal, a primeira fibra criada a partir de materiais florestais e usada na indústria do vestuário foi a viscose. Nasceu pela mão do químico inglês Charles Frederick Cross e teve o seu auge nos anos 20 (do século XX), tendo sido muito valorizada em meias e lingerie, mas também noutras peças de vestuário.

Com a II Guerra Mundial, a falta de matéria-prima levou a que o seu fabrico fosse ultrapassado pelas fibras sintéticas, como o nylon e o poliéster, embora a viscose mantenha ainda hoje um lugar preponderante na indústria: é o terceiro tecido mais utilizado, a nível mundial.

Refira-se que as fibras sintéticas representam cerca de 62% da produção global, seguidas pelas fibras vegetais como o algodão, linho e outras, que representam cerca de 30%, e pelas fibras celulósicas criadas industrialmente, que totalizam cerca de 6%. A viscose é responsável por cerca de 80% do volume anual de produção destas fibras celulósicas e a sua produção rondou os cinco milhões de toneladas em 2020.

Também conhecida por “rayom” ou “raiom”, a viscose é feita a partir da polpa da madeira de faia, pinheiro ou eucalipto, por exemplo, mas também a partir do algodão ou do bambu, indica o relatório Preferred Fiber Material Market 2021 da organização não governamental Textile Exchange.

O processo de produção deste tecido é faseado: as árvores são colhidas e cortadas em toros. Já na fábrica, a sua casca é retirada e a madeira reduzida a aparas, que são submetidas depois a processos químicos – dissulfeto de carbono e uma solução de hidróxido de sódio – que originam uma solução viscosa, de cor castanho-alaranjada. O processo químico envolvido leva a que a viscose seja considerada como um material semissintético.

O termo “raiom” é usado para designar genericamente os fios e tecidos provenientes da celulose, a componente estrutural das plantas e a molécula orgânica mais abundante no planeta. O termo começou a aplicar-se em 1924, mas a descoberta de que o nitrato de celulose proveniente da polpa da madeira podia ser transformada em fio, fibra e tecido é anterior, ainda no século XIX, e foi feita por Hilaire Bernigaud, que produziu a primeira fibra sintetizada a partir da celulose.

Também no início do século XX, os irmãos suíços Camille e Henri Dreyfus criam a acetocelulose, um novo composto ácido extraído da celulose do qual se podem criar fibras têxteis. Deste composto resulta um outro “raiom”, um género de seda artificial, o acetato. Em 1818 o tecido era produzido pela inglesa Celanese.

O modal, outro tipo de “raiom”, nasceu nos anos 50 do século XX, no Japão, como uma nova alternativa à seda. O tecido só começou a ser distribuído em 1964, pela empresa austríaca Lenzing. O processo de produção deste semissintético é semelhante ao da viscose, com a utilização de uma menor quantidade de energia e de químicos. Bastante flexível e resistente quando molhado, o tecido não perde o seu formato nem maciez. É utilizado em têxteis para o lar, podendo ser combinado com algodão ou outros fios. A madeira de faia que a Lenzing utiliza atualmente para a produção do seu modal é recolhida em florestas com gestão certificada.

A procura de soluções orgânicas mais sustentáveis

Nos anos 80 do século XX é desenvolvido pela Courtaulds Research um novo “raiom” a que se chamou de lyocell (também conhecido pelo nome da marca: tencel), um têxtil de origem florestal menos poluente e mais resistente do que o algodão e do que as restantes fibras celulósicas.

O processo de produção difere do utilizado no fabrico da viscose e do modal, já que a solução da polpa é feita através de um solvente orgânico, N-óxido de N-metilmorfolina. A madeira mais utilizada no fabrico de lyocell também provém de uma espécie florestal diferente: o eucalipto.

O lyocell, tal como a viscose e o modal, entre outros, faz parte do segundo grupo mais importante de fibras celulósicas depois do algodão. As suas aplicações são variadas: pela sua resistência, aliada à leveza, à flexibilidade e ao toque suave, é utilizado em vestuário – inclusivamente em roupa de desporto, por ser respirável, absorver a humidade e por regular a temperatura – e é também apreciado em artigos para o lar, desde toalhas a lençóis, não vincando facilmente. As suas fibras são ainda adicionadas a outros materiais para se criaram peças mais confortáveis e suaves.

Outra inovação durável, impermeável e ambientalmente responsável, o Bananatex nasceu em 2018, após três anos de investigação. Este tecido, criado pela marca suíça QWSTION, é feito de fibra de abacá (Musa textilis), um tipo de bananeira originária das Filipinas, também conhecida como cânhamo-de-manila, que cresce sem precisar de ser regada ou fertilizada. No país, as árvores são cultivadas em ecossistemas agroflorestais e utilizadas na reflorestação de palmeirais.

A marca, que se dedica ao fabrico de mochilas, disponibiliza o seu processo de fabrico a outras empresas empenhadas em utilizar alternativas sustentáveis, contribuindo, também desta forma, para ampliar uma alternativa circular aos têxteis sintéticos. Até agora arrecadou prémios internacionais de sustentabilidade e design, como o Green Product Award 2019, o Design Prize Switzerland Award 2019/20 e o German Sustainability Award Design 2021 e é, desde 2021, certificada pela Cradle to Cradle – Ouro, pelos produtos seguros, feitos de forma responsável e circular.

© QWSTION e © LAUSCHSICHT – Bananatex

Para responder à procura mundial por tecidos naturais cujos processos sejam ambientalmente mais sustentáveis, a finlandesa Aalto University criou uma nova tecnologia utilizando um solvente iónico, menos tóxico e volátil, que transforma polpa, outros têxteis e até papel (de jornal, por exemplo) em fibras têxteis. Mais forte do que a viscose, o novo produto criado com esta nova tecnologia, batizado como Ioncell, é apresentado pelos investigadores como uma alternativa de alta qualidade a outros tecidos de fibras naturais, como o algodão e a própria viscose. O processo foi reportado em 2015, em Ioncell-F – High-strength regenerated celullose fiber, e a primeira linha de produção-piloto está em testes. A prova de conceito será feita entre 2023 e 2024.

Nos têxteis com origem na floresta, há mais matérias-primas em utilização e teste. O Fabric Forest, da sueca Svensk Konstsilke, é um exemplo: é feito a partir de papel e foi visto pela primeira vez em 2018, no vestido de uma mestre de cerimónias do banquete do Prémio Nobel de 2018. Em Portugal, a Sedacor, do JPS Cork Group, é uma das empresas na vanguarda da produção têxtil a partir da cortiça. O grupo usou das características da cortiça – toque suave, leveza, isolamento térmico – e criou, em parceria com a Têxteis Penedo, um novo fio com grande incorporação de cortiça a que chamou CORK-A-TEX. É mais resistente à tensão do que o fio de algodão e as suas aplicações vão desde malhas e roupa desportiva a tecidos para decoração.

© Sara Wallin, Fabricforest; © Sedacor, com o fio de cortiça Cork-A-Tex (à direita)

Inovação prossegue: novos processos e novos tecidos

A evolução tecnológica continua a inspirar a criação de novos tecidos florestais e, nalguns casos, o futuro parece ter já chegado. É o caso da Spinnova, uma startup finlandesa que desenvolveu um processo que transforma a fibra celulósica em têxtil através de um processo mecânico.

A Spinnova considera esta fibra têxtil como “o mais sustentável dos materiais têxteis no mundo” e acredita que o caminho a seguir é imitar a natureza. Observando a forma como uma aranha tece uma teia, os físicos da empresa criaram um tecido cujo fabrico requer pouca água e emite níveis mínimos de CO2. O processo responde ainda à questão da circularidade, podendo ser reciclado sem a utilização de químicos, e a marca está a analisar quantas vezes este processo poderá ser repetido, mantendo-se as características do tecido.

Em análise está ainda a possibilidade de se utilizarem outros materiais, como resíduos de couro, agrícolas (como palha) ou de algodão – estes dois últimos são, muitas vezes, queimados, o que, além de significar desperdício, liberta CO2 para a atmosfera.

Também dois professores canadianos de química, Theo van de Ven e Jean-Philip Lumb, reinventaram a forma de fabricar “raiom” sem a utilização de dissulfeto de carbono e acreditam que esta descoberta possa revitalizar a silvicultura do seu país. O trabalho incide na criação de tecidos, inclusive tecidos funcionais, com propriedades antimicrobianas, ou com cor diretamente na fibra, sem a utilização de colorantes. O processo é, por todas as suas características, mais seguro para trabalhadores e mais amigo do ambiente. O próximo passo: criar os primeiros protótipos usáveis.

A Lenzing, criadora do lyocell, avança este ano (2022) com o fabrico do tecido Tree Climate, um têxtil pensado para trazer novas funcionalidades ao vestuário de exterior: apto para diversas condições atmosféricas, resistente à água e com regulação de temperatura. A solução é apresentada como sustentável, respirável e com uma pegada de carbono extremamente reduzida.