Conhecer

Caso de Estudo

Adaptar a gestão florestal para promover ecossistemas e florestas mais resilientes

As florestas têm um papel importante no ciclo hidrológico e na proteção contra a erosão e a degradação do solo. No entanto, as perturbações derivadas das alterações climáticas estão a afetar a sua resiliência. O projeto europeu “LIFE Resilient Forests” tem como principal objetivo desenvolver uma ferramenta de apoio à gestão florestal integrada ao nível da bacia hidrográfica para promover ecossistemas e florestas mais resilientes. Conheça o caso de estudo nacional do projeto, neste artigo em colaboração com Maria Gonzalez e Miguel Almeida.

Os efeitos das alterações climáticas, em especial o aumento da temperatura e da frequência de períodos de seca, assim como da ocorrência de fogos e de pragas, têm vindo a intensificar-se. Embora as alterações climáticas afetem os ecossistemas de acordo com o tipo de floresta e as condições de cada área, as florestas em geral estão a tornar-se menos resilientes a perturbações como incêndios, doenças e eventos climatéricos extremos, como as secas prolongadas. Esta perda tem implicações ambientais e socioeconómicas, sobretudo nas zonas rurais, pelo que é essencial desenvolver esforços para tornar as florestas mais resilientes.

É este o objetivo do projeto Resilient Forests, que, ao integrar vários critérios na abordagem de gestão florestal à escala da bacia hidrográfica, vem contribuir para o aumento da resiliência dos ecossistemas e florestas aos efeitos das alterações climáticas.

O projeto está a desenvolver uma ferramenta de apoio à decisão na gestão florestal que permite perceber quais as melhores opções a implementar na área florestal em estudo, de acordo com os critérios estabelecidos pelo utilizador: dar mais ou menos importância à produção de biomassa, ao abastecimento de água e à redução do risco de incêndio. Refira-se que esta ferramenta foi já aplicada a áreas florestais de bacias hidrográficas de Espanha e Alemanha, países também envolvidos nesta iniciativa que pretende contribuir para ecossistemas e florestas mais resilientes.

O projeto teve início em outubro de 2018 e a sua conclusão está prevista para setembro de 2022.

PROJETO:LIFE RESILIENT FORESTS. Combinando água, fogo, resiliência climática com a produção de biomassa a partir da gestão florestal para adaptar as bacias hidrográficas às mudanças climáticas”

LOCALIZAÇÃO: Bacia Hidrográfica do Rio Ceira, Coimbra
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TEMAS
Gestão Florestal
Incêndios Rurais
Água/Recursos hídricos
Alterações climáticas
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ACESSO RÁPIDO
O desafio
O diagnóstico
Objetivos e medidas
Resultados/ Projeções
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WEBSITE OFICIAL DO PROJETO

O Desafio

Como criar bacias hidrográficas e florestas mais resilientes?

Quando um gestor toma uma decisão relativamente à sua área florestal, está a afetar todo o ecossistema. Um desbaste, por exemplo, diminui a biomassa e a cobertura do solo, reduzindo o risco de incêndio, mas, por outro lado, afeta a quantidade de água que penetra no solo, assim como o risco de erosão. A gestão sustentável e responsável implica o melhor conhecimento possível sobre os efeitos das opções tomadas e a melhor forma de maximizar os benefícios pretendidos (como a produção de biomassa ou redução do risco de incêndio, por exemplo), reduzindo efeitos menos desejáveis, como a escassez de água, a erosão do solo e a degradação ambiental.

Este conhecimento pode ser apoiado por Sistemas de Apoio à Decisão (SAD), ferramentas que permitem otimizar as opções de gestão considerando vários critérios e quantificando os seus resultados e impactes nos ecossistemas. Ou seja, que informam sobre a melhor opção para responder às seguintes questões: o que fazer? onde fazer? e de que forma se podem alcançar os objetivos pretendidos?

No projeto Resilient Forests está a ser desenvolvida uma ferramenta integrada de apoio à decisão – SAD Resilient Forests – que quantifica a produção de bens e serviços fornecidos pelo ecossistema, integrando critérios como o sequestro de carbono, a preservação da água, a produção de biomassa, a salvaguarda da biodiversidade, o risco de incêndio e a resiliência a condições climáticas severas. A análise integrada destes critérios permite otimizar as opções de gestão e capitalizar benefícios ambientais, sociais e económicos.

No seu estado de desenvolvimento atual, o SAD Resilient Forests permite ao utilizador decidir entre várias opções de gestão florestal a aplicar numa determinada área, considerando diferentes critérios: produção de biomassa, economia da água e a redução do risco de incêndio. Na prática, estes critérios são representados por métricas que decorrem de simulações que, por sua vez, utilizam diversos modelos integrados no SAD. Com esta informação base, o SAD analisa as várias opções de gestão florestal, combina a valorização dos critérios definida previamente pelo utilizador e indica quais as soluções mais adequadas para cada área. No futuro, o SAD está aberto à inclusão de novos modelos, como a preservação dos ecossistemas, e novos critérios, como a criação de benefícios sociais e de proveitos turísticos, entre outros.

As soluções finais do SAD vão depender da importância atribuída a cada um dos critérios, pelo que cabe ao utilizador ponderar o valor de relevância de cada um. Em função dessa escolha, o SAD quantifica os efeitos e impactes associados a cada uma das possíveis opções, apoiando a decisão final.

Para otimizar esta ferramenta de gestão, o projeto Resilient Forests integra três casos de estudo, que promovem florestas mais resilientes em Portugal, Espanha e Alemanha. O caso de estudo de Portugal está a ser desenvolvido na Bacia Hidrográfica do Rio Ceira, no Distrito de Coimbra.

O Diagnóstico

Uma realidade comum na Europa

Na Europa, entre 1950 e 2000, em média cerca de 35 milhões de metros cúbicos de madeira foram afetados em cada ano devido a perturbações como tempestades (53%) e incêndios (16%), comprometendo o rendimento de muitos produtores florestais, revela o artigo “Natural disturbances in the European forest in the 19 and 20th centuries”. Estatísticas como estas justificam por si só a necessidade de tornar as florestas mais resilientes às novas condições climáticas.

Os anos de 2003, 2007 e 2017 mostraram que os incêndios rurais podem ser devastadores, sobretudo quando os períodos de seca afetam grande parte do território. Prevê-se que as alterações climáticas aumentem o número e a gravidade dos períodos de seca em muitas partes da Europa, afetando a disponibilidade dos recursos hídricos. Recorde-se que, durante os últimos 30 anos, a área da União Europeia (UE) afetada pela escassez de água e secas duplicou – passou de 6% para 13%, e as perdas económicas associadas a esse aumento foram estimadas em 100 mil milhões de euros.

A Bacia Hidrográfica do Rio Ceira – o caso de estudo em Portugal

O rio Ceira, afluente do rio Mondego com um comprimento de 106,2 km, é a linha de água principal da Bacia Hidrográfica do Ceira. O território ocupado por esta bacia, com 734 km2 de área, abrange vários concelhos localizados na faixa mais interior do distrito de Coimbra. Esta Bacia é parte integrante da sub-bacia Hidrográfica do Rio Mondego.

Este é um território fértil, com grande apetência agroflorestal, no qual predominam povoamentos com castanheiros (Castanea sativa) e pinheiro-bravo (Pinus pinaster), áreas de vegetação arbustiva e zonas agrícolas. Observam-se evidências de gestão por parte de alguns proprietários, num regime não integrado, ou seja, sem cooperação com outros proprietários.

O troço médio do Rio Ceira caracteriza-se por formações ripícolas bem conservadas, algumas mantidas pelas autarquias. Apesar disso, em zonas a jusante, na interceção com o Rio Mondego, existem áreas infestadas por acácias (Acacia spp.) e espanta-lobos (Ailanthus altissima), espécies invasoras que não existem em florestas mais resilientes.

Um outro projeto “Rio Ceira – Gestão da bacia hidrográfica no contexto de alterações climáticas”, promovido pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), prevê várias ações até 2030: instalação de estações de monitorização hidrológica, reabilitação fluvial e de infraestruturas, vigilância da natureza, sensibilização dos utilizadores dos recursos hídricos, ações de gestão para promover a resiliência nos cursos de água, a contenção de espécies invasoras e a requalificação da galeria ripícola. Estas ações têm como objetivo o aumento da resiliência da flora e fauna autóctones face aos efeitos das alterações climáticas.

Delimitação da Bacia Hidrográfica do Rio Ceira e respetivas linhas de água

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© ADAI, Luís Mário Ribeiro

O clima da Bacia Hidrográfica do Ceira é temperado (tipo mesotérmico) e húmido, exceto no verão, estação moderadamente quente e longa. Categoriza-se, por isso, nos climas do tipo mediterrânico, com influência atlântica. A precipitação ao longo do ano diferencia-se bem entre o verão, quando há escassez de água, e o inverno, onde existe excesso de água. Devido à precipitação elevada no inverno e ao relevo recortado do percurso do Ceira, este rio tem uma rede de drenagem densa e está sujeito a cheias.

Por outro lado, sobretudo durante os meses de verão, a escassez de água leva a períodos de seca e, consequentemente, a uma maior probabilidade de ocorrência de incêndios. Estes incêndios destroem árvores e outra vegetação, promovendo o crescimento de espécies como acácias, que passam a dominar a área atingida pelo fogo. Assim, esta zona anteriormente florestal perde valor económico e ambiental, o que desencoraja o investimento pelos seus proprietários, resultando em áreas abandonadas e com um risco de incêndio elevado. Este cenário foi confirmado após os catastróficos incêndios florestais de 2017 que afetaram fortemente diversas áreas da bacia hidrográfica do Ceira.

Objetivos e Medidas

Para que serve a ferramenta de apoio à decisão?

Em Portugal, o SAD desenvolvido no âmbito do projeto Resilient Forests está a ser aplicado para otimizar a gestão florestal de uma área da Bacia Hidrográfica do Rio Ceira que foi dividida em parcelas. Considerando o estado de desenvolvimento do SAD, a estratégia de gestão florestal considerada neste caso de estudo consistiu numa operação de corte único, com intensidades diferentes em cada povoamento, de acordo com os critérios de ponderação selecionados: maximização da biomassa recolhida e do abastecimento de água, reduzindo simultaneamente o risco de incêndio florestal.

A escolha destes critérios teve em conta a importância da produção de madeira e do eventual benefício económico associado, a relevância da gestão da água num país como Portugal, afetado pelas alterações climáticas e pelo número de incêndios florestais que se tem vindo a registar na área estudada.
A produção de biomassa foi avaliada com base na quantidade (Kg/m2) recolhida em cada parcela; o abastecimento de água foi contabilizado em Hm3 (1 Hm3 = 1 000 000 000 litros), o que corresponde a 90L/m2; a avaliação do risco de incêndio foi feita com base no teor de humidade do solo e no índice de secura KBDI (Keetch-Byram Drought Index).

Localização e detalhe da zona sob gestão na bacia hidrográfica do rio Ceira

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© ADAI, Luís Mário Ribeiro

Resultados / Projeções

Opções de gestão otimizadas para florestas mais resiliências

Usando o SAD, foi feita uma análise considerando as várias soluções possíveis de gestão florestal para atingir os critérios definidos (maximizar a biomassa e a água, reduzindo o risco de incêndio), dando especial foco à quantidade de biomassa retirada da área de estudo. Verificou-se que à medida que a quantidade de biomassa recolhida aumenta, a disponibilidade de água também cresce e o risco de incêndio é mitigado.

A lista inicial de 70 soluções possíveis foi reduzida para 10, mantendo os valores intermédios de cada objetivo de gestão: produção de biomassa, economia da água, índice de secura e humidade do solo. Para facilitar a seleção da melhor solução a executar, o SAD utiliza um programa de visualização (J3), através do qual se pode selecionar a lista das melhores soluções em função das preferências do utilizador.

Seleção das 10 melhores soluções na sequência do uso do equalizador J3 (Brushing)

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A imagem à direita ilustra a definição da ponderação dos critérios definida pelo utilizador: valor relativo que atribui à Biomassa (Biomass) em Kg/m2, Água (Water) em Hm3, KBDI e humidade do solo (Soil moisture) em cm/cm. KBDI (Keetch-Byram Drought Index) é o índice de secura que representa o efeito líquido da evapotranspiração e da precipitação ao produzir uma deficiência acumulada de humidade nas camadas profundas e superiores do solo, que foi usado nesta simulação para a avaliação do risco de incêndio. A imagem da esquerda traduz os resultados do SAD, que maximizam o desempenho integrado dos critérios definidos.

Uma vez selecionada a melhor solução, o SAD apresenta um esquema com as opções de gestão florestal necessárias para a atingir, neste caso, onde cortar e em que quantidade.

Representação espacial de uma das soluções apresentadas pelo Sistema de Apoio à Decisão desenvolvido no Projeto Resilient Forests

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Os números indicam a percentagem de corte de árvores que deve ser implementada em cada parcela.

Em síntese, o sistema de apoio à decisão (SAD) do projeto Resilient Forests permite orientar os gestores florestais no sentido de otimizar opções de gestão florestal que mitiguem os efeitos das alterações climáticas, à escala da bacia hidrográfica, considerando critérios como a produção de biomassa, a economia da água ou a redução do risco de incêndio. No exemplo anterior, a opção otimizada foi a percentagem de corte a implementar na área de estudo. Com base na percentagem de corte determinada, antecipa-se que o risco de incêndio florestal (KBDI) seja reduzido em cerca de 13%.

Conclusão

Espera-se que nos cinco anos após a conclusão do projeto este tipo de abordagem de gestão florestal possa ser replicado em outras áreas europeias, até um limite de 350 mil hectares, contribuindo para ecossistemas e florestas mais resilientes. Os indicadores associados a estas atividades de replicação são:

– Aumento da reserva de água em 45-200 L/m2/ano;

– Aumento da produção de biomassa até 10-15ton/ha/ano;

– Redução do risco de incêndio florestal em 30%;

– Obtenção de florestas até 25% mais resilientes aos efeitos das alterações climáticas.

A combinação de critérios de economia de água, produção de biomassa e redução do risco de incêndio permite rentabilizar os custos de gestão, que serão sempre menores que os custos de restauro, no caso de perda total.

Maria Gonzalez

Desde que se licenciou em Engenharia Florestal, Maria Gonzalez trabalhou no mundo académico, combinando várias disciplinas no campo da engenharia hidráulica e ambiental. Dedicou-se maioritariamente às áreas de mecânica dos fluidos computacionais e da ecologia e morfodinâmica dos ambientes fluviais, o que resultou da colaboração que estabeleceu entre a Universidade de Saragoça e o Instituto de Ecologia dos Pirenéus (IPE-CSIC). Adicionalmente, trabalhou no campo da hidrologia florestal, tanto a nível experimental, como computacional, combinando mecânica dos fluidos, hidrologia, ecologia florestal e gestão florestal.

Perfil de Maria Gonzalez no Google Scholar

Miguel Almeida

Miguel Almeida é licenciado em Engenharia do Ambiente, tem mestrado em Gestão e Políticas Ambientais e é doutorado em Engenharia Mecânica, na especialidade de Riscos Naturais e Tecnológicos. Atualmente é Investigador Sénior na Associação para o Desenvolvimento da Aerodinâmica Industrial (ADAI) e é Professor Convidado na Universidade de Coimbra. Desde 2003 que se dedica ao tema dos Incêndios Florestais, conciliando atividades de investigação científica, de formação e de apoio às atividades operacionais. Ao longo deste tempo, participou e coordenou diversos projetos de investigação em Incêndios florestais e foi coautor de diversas publicações internacionais na mesma área.

Artigo em coautoria com Luís Mário Ribeiro, Cláudia Pinto, Antonio del Campo, Javier Pérez, Alicia Garía-Arias & Félix Francés, que cederam também as imagens.