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Ambiente

Áreas naturais: qual a sua importância e como têm evoluído?

Num mundo onde poucas são as zonas sem impactes da atividade humana, a definição de áreas naturais pode ser desafiante. Considerando as zonas com pouca ou nenhuma intervenção humana, a OCDE reportou que, em 2019, mais de metade do território dos países do mundo correspondia a áreas naturais e seminaturais, com maior expressão em países tropicais. Mas o que são áreas naturais, qual a sua importância e como têm evoluído?

As atividades humanas têm vindo a alterar a paisagem do planeta desde a pré-história. As alterações de uso do solo, iniciadas com a domesticação de plantas e animais e intensificadas, mais recentemente, pelas indústrias, transportes e energia, têm vindo a afetar as áreas naturais e os respetivos recursos.

Estas áreas naturais e também as chamadas seminaturais são descritas pela OCDE – Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económicos – como zonas importantes para a manutenção da biodiversidade e para fornecimento de serviços do ecossistema, e nelas incluem-se todas as áreas com vegetação natural ou seminatural e uma baixa intervenção humana.

Assim, na categoria das áreas naturais (e seminaturais) são consideradas as zonas florestais (incluindo florestas de mangue/mangais e zonas com alternância de espécies – mosaicos – de árvores e arbustos), pastagens, zonas húmidas com vegetação, matos e áreas com vegetação esparsa (líquenes, musgos ou outra). Com tanta variedade de ecossistemas, a importância destas áreas é inquestionável.

Sendo zonas com pouca intervenção humana, as áreas naturais têm ecossistemas intactos, que funcionam como tampão em relação aos impactes das atividades humanas. Por exemplo, armazenam mais carbono e apoiam a regulação dos padrões climáticos locais, sendo mais eficazes a mitigar os riscos das alterações climáticas. Da mesma forma, são áreas de maior resiliência, essenciais à manutenção da biodiversidade e à regulação dos ciclos biogeoquímicos da água, oxigénio, azoto e de inúmeros outros bens e serviços de que dependemos para viver.

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Áreas naturais (ou seminaturais) são por vezes confundidas com áreas classificadas ou protegidas, mas não significam o mesmo. As áreas classificadas ou protegidas são zonas delimitadas, geridas para preservar ecossistemas ou elementos naturais com valor científico, cultural, educativo, estético, paisagístico ou recreativo. Estas áreas classificadas são definidas de acordo com medidas legais e regulamentares, que fixam as atividades que são permitidas e interditas e que incluem áreas naturais, seminaturais e humanizadas. Muitas áreas naturais não têm estatuto regulamentar que as preserve.

Mesmo as áreas naturais que tendem a ser menos valorizadas ambientalmente, como os matos e pastagens, têm reconhecida importância ecológica – por exemplo, são habitat para inúmeras espécies animais. Este foi, aliás, o ponto de partida para o Rangeland Atlas, uma publicação que mapeia estes ecossistemas e alerta para a necessidade da sua recuperação e proteção face aos efeitos das alterações climáticas e às pressões humanas.

Embora algumas áreas naturais possam apresentar uma biodiversidade inferior a sistemas mais perturbados ou alterados, estudos recentes têm vindo a demonstrar que estes ecossistemas mais intactos têm funções cruciais. Entre outras, são reservatórios ainda desconhecidos de diversidade genética e refúgios para diferentes espécies. O seu equilíbrio ecológico constitui, por isso, a referência para a recuperação de ecossistemas degradados.

Estas são algumas das razões que estão na base da iniciativa científica “Global Deal for Nature” (Acordo Global para a Natureza), que defende a manutenção de 50% da Terra no seu estado natural.

Qual a extensão das áreas naturais no mundo e como tem evoluído?

Uma análise aos dados estatísticos sobre o uso do solo disponibilizados pela OCDE indica que existiam no mundo 83,14 mil milhões de quilómetros quadrados de áreas naturais (8314 mil milhões de hectares) em 2019:

  • 43,78 mil milhões de km2 de áreas florestais;
  • 13,73 mil milhões de km2 de pastos;
  • 13,32 mil milhões de km2 de matos;
  • 10,38 mil milhões de km2 de áreas de vegetação esparsa;
  • 1,9 mil milhões de km2 de zonas húmidas.

O somatório destas áreas naturais e seminaturais correspondia a cerca de 56,6% da área dos países do mundo. A sua distribuição no globo não é, no entanto, equilibrada: as maiores extensões, em absoluto, estão nos territórios da Rússia, Canadá, Estados Unidos, Austrália e Brasil, mas os países cujo território tem maior percentagem de áreas naturais são tropicais: Dominica (nas Caraíbas), Suriname, Guiana, Austrália ou São Tomé e Príncipe apresentam perto ou mais de 90% do seu território coberto por áreas naturais e seminaturais.

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Conhecer as dinâmicas de perda de sistemas naturais e seminaturais é uma forma expedita de avaliar as perdas de biodiversidade e as pressões nos ecossistemas. A OCDE define este indicador de perda como a percentagem de áreas com coberto arbóreo, arbustivo, matos, pastagens, zonas húmidas e com vegetação esparsa convertidas para outros usos – como a agricultura ou superfícies artificiais (alteradas, plantadas ou construídas, por exemplo).

A análise destas conversões mostra que, entre 1992 e 2019, 3,1% de áreas naturais e seminaturais foram perdidas a nível global. Em paralelo, no mesmo período, ganharam-se globalmente 2% de áreas naturais e seminaturais, sendo o balanço final uma perda de 1,1%.

Não podemos esquecer, contudo, que o valor ecológico das áreas perdidas e ganhas pode não ser equivalente: podemos estar a perder áreas antigas e mais próximas do seu estado natural e a ganhar áreas naturais recentes, resultantes de naturalização de áreas abandonadas, por exemplo.

Observando as classes de ocupação de solo, as maiores transformações das áreas naturais estão relacionadas com a sua conversão para agricultura (2,14 milhões de km2), coberto arbóreo (2,11 milhões de km2) e prados/pastagens (1,02 milhões de km2).

Uma análise às alterações por tipo de uso de solo mostra, também, que as dinâmicas mais representativas ocorrem entre áreas arborizadas, agrícolas, arbustivas e de prados/pastagens: cerca de metade das áreas arbóreas foram perdidas para a agricultura e as áreas agrícolas foram maioritariamente transformadas em áreas arbóreas; cerca de metade das áreas arbustivas/matos passaram também a áreas arbóreas; e as áreas de prados/pastagens converteram-se principalmente em áreas agrícolas, arbóreas e de vegetação esparsa.

Portugal ganhou áreas naturais, mas o seu valor ecológico é desconhecido

Portugal tinha cerca de 45% do seu território (41 mil km2) ocupado por estas áreas naturais e seminaturais, em 2019, segundo as estatísticas da OCDE:

  • 38,6 mil km2 de coberto arbóreo – florestas e zonas arborizadas (41,9%);
  • 1,4 mil km2 de áreas arbustivas/matos (1,5%);
  • 0,8 mil km2 de prados (0,9%);
  • 0,1 mil km2 de zonas húmidas (0,2%);
  • 0,1 mil km2 de zonas com vegetação esparsa (0,1%).

A análise das alterações ocorridas entre 1992 e 2019 indica que, nestes quase 30 anos, se perderam 3,229 mil km2 de áreas naturais (área a laranja na tabela abaixo) e se ganharam 3,344 mil km2 (área a verde), com um balanço final positivo 115 km2. As maiores dinâmicas ocorreram nas áreas florestais e agrícolas:

  • 4,740 mil km2 de áreas agrícolas foram convertidas para outros usos, dos quais 3,260 mil km2 passaram a ser ocupados por coberto arbóreo e 1,350 mil km2 por superfícies artificiais;
  • 3,462 mil km2 de áreas florestais que se ganharam resultaram da conversão de 104 km2 de antigas áreas arbustivas/matos e 36 km2 de anteriores prados/pastagens, assim como dos já referidos 3,260 mil km2 provenientes de antigas áreas agrícolas.

Matriz de transição entre classes de ocupação do solo em Portugal entre 1992 e 2019

Alterações de uso do solo dentro das diferentes classes de áreas naturais entre 1992 e 2019
Áreas naturais convertidas em não naturais entre 1992 e 2019 (perda de áreas naturais)
Áreas naturais e seminaturais em 2019
Ocupações de solo não naturais em 2019
coberto arbóreo
áreas arbustivas
prados/ pastagens
zonas húmidas
vegetação esparsa
agricultura
áreas artificiais
áreas sem vegetação
águas interiores
Área total (km2)
Áreas naturais e seminaturais em 1992
coberto arbóreo
81
124
3
17
2890
257
19
25
3417
áreas arbustivas
104
0
0
0
0
0
0
3
108
prados/pastagens
36
0
0
0
5
2
0
0
43
zonas húmidas
0
0
0
0
0
3
0
3
7
vegetação esparsa
9
0
0
0
6
14
0
1
30
Áreas não naturais convertidas em naturais e seminaturais entre 1992 e 2019 (ganho de áreas naturais)
Alterações de uso do solo dentro das diferentes classes de áreas não naturais entre 1992 e 2019
Áreas naturais e seminaturais em 2019
Ocupações de solo não naturais em 2019
coberto arbóreo
áreas arbustivas
prados/ pastagens
zonas húmidas
vegetação esparsa
agricultura
áreas artificiais
áreas sem vegetação
águas interiores
Área total (km2)
Ocupações de solo não naturais em 1992
agricultura
3260
8
2
0
8
1350
1
111
4740
áreas artificiais
0
0
0
0
0
0
0
0
0
áreas sem vegetação
18
0
0
0
0
0
57
2
78
águas interiores
34
1
2
9
2
82
19
12
161
Área total (km2)
3462
90
128
12
27
2983
1702
32
145

Embora estas estatísticas da OCDE sirvam como base para uma análise das dinâmicas das áreas naturais é importante lembrar que os dados são aproximações da realidade, com várias limitações a tomar em consideração:

– estes valores referem-se a quantidade, não a qualidade ou a valor. Por exemplo, as áreas florestais incluem zonas de floresta primária, seminatural e de plantações florestais, não sendo possível avaliar dinâmicas de alteração entre estas classes nem os impactes delas resultantes.
– alguns tipos de conversão, como desflorestação para instalação de agricultura ou urbanização, são prejudiciais, nomeadamente para a biodiversidade. Contudo, existem casos contrários. A agricultura tradicional e a existência de mosaicos na paisagem com áreas abertas são essenciais para muitas espécies de animais. Veja-se o exemplo da abetarda ou do sisão, aves que dependem de extensas áreas de agricultura e pastagens em mosaico e que se encontram classificadas no Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal como “em perigo” e “vulnerável”, respetivamente, por diminuição de habitat.
– os usos do solo estão agregados em grandes categorias, pelo que não se conseguem identificar conversões dentro de uma mesma categoria nem perdas potenciais de produtividade ou de biodiversidade.
– foram consideradas como áreas não naturais todas as que estão ocupadas pela agricultura, todas as artificiais/construídas, aquelas sem vegetação e as águas interiores. Isto implica considerar como áreas naturais (ou seminaturais) todas as florestas, matos e pastagens, independentemente da intervenção humana e da intensidade de uso.

Conhecer áreas naturais e suas dinâmicas apoia decisões estruturais

A interação entre a humanidade e o ambiente nos ecossistemas naturais, seminaturais e artificializados é, como vimos, complexa e dinâmica. Compreendê-la e monitorizá-la – medindo alterações e seus impactes positivos e negativos – é essencial para apoiar decisões informadas sobre o uso do solo que promovam a conciliação entre valores culturais e da sustentabilidade – económicos, sociais e ambientais.

Recorde-se que têm sido estabelecidas metodologias de avaliação das interações entre o ser humano e o ambiente, baseadas nos benefícios que o ser humano pode obter da natureza, como os serviços dos ecossistemas ou os serviços e funções das paisagens.

Estas abordagens, desenvolvidas em paralelo por comunidades científicas distintas, são complementares e contribuem para aumentar a consciência pública e política sobre os riscos da degradação das áreas naturais e dos diferentes ecossistemas.

Em paralelo, a aplicação de tecnologias – dados de satélite, por exemplo – apoia a monitorização e quantificação destas áreas naturais, da sua biodiversidade e pressões nos ecossistemas, sendo formas expeditas de apoiar os processos de decisão em áreas estratégicas, desde o planeamento do território à mitigação das alterações climáticas.