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Mirtáceas: o que têm em comum o cravinho, a goiaba e o eucalipto?

Fazer parte da família das mirtáceas não é o único ponto em comum entre o cravinho, a goiaba e o eucalipto. Na história portuguesa, estas espécies partilham mais do que poderíamos supor.

Cravinho, goiaba e eucalipto pertencem à mesma família botânica – a família das mirtáceas (Myrtaceae). Esta é uma família muito vasta, que engloba atualmente mais de cinco mil espécies. Embora seja uma família com árvores e arbustos muito diversificados, todos partilham flores com um elevado número de estames. Os estames, finas hastes que se erguem no centro da flor, são os órgãos reprodutores masculinos das plantas que produzem flor – as angiospérmicas – e são eles que dão uma beleza especial às mirtáceas durante a época da floração.

A grande maioria dos “membros” desta família é natural de terras distantes, com climas tropicais ou subtropicais, em especial do hemisfério sul. É o caso do cravinho, da goiaba e do eucalipto. A exceção vai para a murta (Myrtus communis), a única planta desta família que é nativa do sudoeste europeu e norte de África.

Este arbusto, que é comum por quase todo o nosso território, com algumas exceções a norte, foi considerado sagrado na Antiguidade, pelos Gregos e Romanos, e um símbolo de Paz e Amor. Tem utilizações medicinais, alimentares, aromáticas e decorativas.

Murta

Murta (Myrtus communis)

Na Quinta de S. Francisco, localizada em Eixo, perto de Aveiro, há cinco percursos botânicos que permitem conhecer cerca de uma centena de mirtáceas, entre as quais 80 espécies diferentes de eucalipto. Muitas delas foram plantadas há mais de um século pelo então proprietário da quinta, Jaime Magalhães Lima (1859-1936), um pensador, poeta, ensaísta e crítico literário português, que se apaixonou pela natureza e integrou aquele que terá sido o primeiro movimento de vegetarianismo em Portugal.

Cravinho, goiaba e eucalipto: espécies de mirtáceas que cruzam a história portuguesa

O cravinho (Syzygium aromaticum) é nativo das ilhas Molucas e Nova Guiné, mas encontra-se hoje plantado na Indonésia e em várias áreas tropicais da Ásia, Oceânia e África. Esta foi uma das especiarias que cedo conquistou os paladares senhoriais e da alta burguesia portuguesa (e europeia). Além da importância gastronómica, o cravinho assegurou, desde inícios do século XVI, um lugar de destaque na economia portuguesa, depois de Vasco da Gama ter regressado da Índia e de os portugueses passarem a dominar a rota das especiarias, a partir da costa do Malabar, no ocidente da Índia.

Na primeira década do século XVI, o monopólio das especiarias rendeu à Coroa Portuguesa um milhão de cruzados. Dez anos depois, o valor tinha triplicado. Mais tarde, o negócio passou para segundo plano, ultrapassado pelo do açúcar vindo do Brasil.

Do Brasil e da região tropical e subtropical da américa são naturais as goiabas, um dos muitos frutos tropicais da família das mirtáceas, que conta com outros nomes e sabores bastante menos conhecidos em Portugal: o araçá (Psidium cattleianum), a feijoa (Acca sellowiana), a pitanga (Eugenia uniflora), o jambeiro (Syzygium spp.) e a jabuticaba (Plinia cauliflora).

Proveniente da goiabeira (Psidium guajava), arbusto ou árvore que pode chegar aos 20 metros de altura – a espécie tem no Brasil condições ótimas de cultivo, o que permite ao país ser um dos maiores produtores e exportadores mundiais.

Curiosamente, depois de descobrirem o sabor da goiaba no Brasil, foram os nossos antepassados que levaram a goiabeira para a Ásia e África, bem como muitas outras espécies. Pela mão dos portugueses, o arbusto (e o seu fruto) tornou-se comum na África, Ásia e Oceânia, continentes onde se multiplica por cultivo e regeneração natural.

Cravinho
Eucalipto ficifolia
Goiabeira

Da esquerda para a direita: cravinho ou cravo-da-Índia, Eucalipto ficifolia e goiabeira

Pensa-se que o eucalipto (Eucalyptus spp.), descrito cientificamente pelo botânico francês Charles-Louis L’Héritier em 1788 , fosse já conhecido dos portugueses dois séculos antes, graças às suas expedições a Timor. Os portugueses podem ter sido os primeiros europeus a avistar este género botânico quando procuravam sândalo (Santalum album), madeira que tinha na altura um elevado valor comercial.

Não se sabe se, na altura, trouxeram consigo algumas sementes. Acredita-se que só em 1804, com a expedição do francês Baudin à Austrália, as primeiras sementes de eucalipto – entre elas, da espécie mais comum no nosso país, o Eucalyptus globulus – tenham chegado a França e daí a vários países do sul da Europa. Os primeiros exemplares terão sido plantados em Portugal entre 1820 e 1830, em Vila Nova de Gaia. Vinte anos depois já era frequente – e documentado – o seu uso como árvores ornamentais.

Além do uso ornamental e de algumas aplicações medicinais, a madeira de eucalipto começou a ser mais usada no nosso país a partir de 1870, quando foi escolhida para fazer as travessas dos caminhos de ferro portugueses. A sua importância socioeconómica cresceu significativamente desde meados do século seguinte – em Portugal e em vários outros países do mundo – pela sua aptidão para o fabrico de pasta de papel de qualidade.

Em Timor podem ser encontradas três espécies nativas de eucalipto – Eucalyptus urophylla, Eucalyptus orophila e Eucalyptus alba –, mas estas são apenas três das cerca de 800 espécies de eucaliptos que integram a família das mirtáceas.

Cravinho, goiaba e eucalipto: 3 espécies da mesma família, com grande valor comercial em muitos países e que se cruzam em diferentes episódios da história portuguesa.