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Produtos Florestais não lenhosos

Valor da castanha estimado em mais de 100 milhões de euros

Outrora essencial para a subsistência das famílias portuguesas nas regiões de montanha, a castanha viu a sua produção cair 64% em cerca de 60 anos. Entre os fatores responsáveis pelo declínio estão as pragas e doenças do castanheiro. Saiba como a ciência está a tentar ultrapassar este problema que condiciona o valor da castanha.

De tradição milenar, o castanheiro (Castanea sativa Miller) viu decrescer a sua influência na subsistência das famílias e o seu peso na economia nacional ao longo dos últimos 50 anos. Apesar disso, estima-se que, somando todos os contributos ao longo da fileira, o valor da castanha ascenda a perto de 109 milhões de euros, 43,8 milhões dos quais relacionados com o mercado informal.

A estimativa foi feita em 2016, pelo Estudo Económico do Desenvolvimento da Fileira da Castanha, promovido pelo Fórum Florestal – Estrutura Federativa da Floresta Portuguesa, que avaliou, com base na produção, preços médios e vendas nacionais e externas, o potencial económico da fileira da castanha.

Valor estimado da fileira da castanha em Portugal
(em milhares de euros)

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Nesta avaliação, o potencial do mercado formal da venda da castanha fresca foi estimado em mais de 32 milhões de euros, 24,7 milhões dos quais comercializados no mercado português e 7,5 milhões no mercado internacional. Outros 32 milhões de euros do mercado formal são resultado da venda da castanha transformada/congelada, que se dividem em cerca de 17,6 milhões de euros em exportações e 14,7 milhões de euros em vendas nacionais. Adicionalmente, são ainda contabilizados os referidos 43,8 milhões resultantes do comércio informal – de vendas à beira da estrada, por exemplo.

Atendendo às necessidades de mão-de-obra inerentes a uma produção desta dimensão (instalar, manter e limpar, apanhar e comercializar), o mesmo estudo estimou que a fileira da castanha tem potencial de gerar 1586 empregos diretos, aos quais se somam cerca de 18500 proprietários de castanheiros.

A confirmarem-se as previsões deste relatório – que antecipa uma possível subida do valor da fileira para os 200 milhões de euros –, é previsível que a mão-de-obra também aumente em função da maior procura. O relatório aponta, assim, para um possível total de 3860 postos de trabalho relacionados com a castanha.

Deixando estimativas e olhando para a evolução histórica recente, no que diz respeito ao valor da castanha pago ao produtor, tem-se registado uma tendência de aumento na última década, apenas interrompida em 2015. Em 2018, atingiu o valor máximo de 2,78€/kg, segundo o estudo O Setor da Castanha em Portugal.

Embora com variações, Portugal tem conseguido também manter positivo o saldo da balança comercial: a diferença entre exportações e importações fica acima dos 30 milhões de euros todos os anos, desde 2012 a 2018. Portugal exporta maioritariamente para França, Itália e Espanha.

Comércio internacional da castanha em valor
(milhões de euros)

Valor da castanha: a queda de um império

A valorização da castanha é histórica em Portugal, sobretudo em regiões frias de montanha, onde o armazenamento de castanhas permitia assegurar a alimentação nos meses mais duros.

Na Idade Média, a castanha era absolutamente essencial para a subsistência de muitas famílias, sobretudo as mais carenciadas. O seu valor não se limitava à economia familiar e à alimentação das pessoas, estendendo-se ainda à alimentação dos seus animais, como os porcos, e até ao pagamento do foro (renda) ao rei de Portugal, como descreve Iria Gonçalves, no livro “Por terras de Entre-Douro-e-Minho com as inquirições de D. Afonso III”.

A sua importância perpetuou-se ao longo dos séculos, mas as décadas de 1970 e 80 não foram particularmente felizes. O valor da castanha sofreu um impacte negativo a partir de 1970, altura em que o desinvestimento nas áreas de colheita e as doenças do castanheiro trouxeram consequências negativas quase imediatas.

Segundo estimativas do FAOSTAT, Portugal passou de 54 mil hectares de colheita em 1970 para apenas 30 mil nos anos seguintes, chegando a atingir o mínimo de 14,6 mil em 1986. O rombo na produção foi evidente e, até aos dias de hoje, irrecuperável.

Se compararmos a colheita de 1962 (a mais elevada desde que o FAOSTAT disponibiliza dados) com a informação estatística mais recente, verifica-se uma queda de 96 mil toneladas/ano para 34,2 mil – uma diferença de quase 64% em perto de 60 anos. Ainda assim, 2018 é o terceiro melhor ano em produção desde o virar do século, com uma produção acima das 34 mil toneladas de castanha.

O INE avança uma produção de 35,828 mil toneladas de castanha em 2019 e indica, nas Previsões Agrícolas (novembro de 2020), que a produção de 2020 deverá ficar próxima deste mesmo número. A frequência de soutos “com menos castanhas por ouriço ou com fruto de menor calibre, ou com alguns problemas fitossanitários, nomeadamente ataques da vespa-das-galhas-do-castanheiro (Dryocosmus kuriphilus Yasumatsu) e também situações de bichado”, justificam os valores.

Evolução da área de colheita, produção e produtividade da castanha

Fonte: com base no FAOSTAT (dados chestnut). Nota: até 1967 e de 1971 a 1985 a FAO identifica como estimativos os dados relativos à área de colheira. Todos os restantes anos/dados são referidos como oficiais. Ainda assim, existem ligeiras diferenças entre dados FAOSTAT e dados do INE – Instituto Nacional de Estatística

Norte é principal produtor de castanha em Portugal

Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), o Norte de Portugal há muito que lidera a produção de castanha, embora não se destaque em produtividade, um indicador onde ganha o Alentejo. Em 2018, 34,5 mil hectares de colheita da castanha (de um total nacional de 38,9 mil hectares) e uma produção próxima das 30 mil toneladas (de um total nacional que ronda 34,1 mil toneladas) estavam no Norte.

Principais indicadores regionais da castanha
2018

Fonte: INE -Estatísticas da Produção Vegetal – superfície, produção e produtividade das principais culturas agrícolas – castanha

China lidera no mundo

A produtividade portuguesa, abaixo de vários países concorrentes no mercado internacional, é uma forte desvantagem competitiva.

Embora as áreas de colheita estejam a aumentar no nosso país, este sinal positivo não é suficiente para conquistar um lugar no pódio. Ainda assim, em termos absolutos, Portugal mantém-se como sétimo maior produtor mundial.

A China tem uma capacidade produtiva muito acima da sua concorrência, da ordem dos 5589 quilogramas por hectare, mais do dobro do segundo país neste ranking – a Grécia, com 3712 quilos por hectare.

Mas como consegue a China, numa realidade mundial tão prejudicada por doenças do castanheiro, uma posição tão destacada?

A resposta está na Castanea mollissima e na resistência desta espécie proveniente da China a várias das pragas e doenças que travam uma melhor prestação da castanha em muitos outros países europeus, incluído Portugal.

A Castanea mollissima é atualmente a grande concorrente da Castanea sativa, natural dos países europeus, mas está também “a ajudar a nossa castanha” a ganhar resistência.

Principais produtores de castanha no mundo
2018

PaísProdução (toneladas) Área de Colheita (hectares)Produtividade (quilograma
por hectare)
China18221553260075589,31
Bolívia84255587261434,71
Turquia63580390801626,92
Coreia do Sul55484329421684,29
Grécia3523094903712,33
Portugal3413038870878,06
Itália3279036330902,56
Japão1650018300901,64
Coreia do Norte1270053072393,07

Fonte: com base no FAOSTAT (dados “Chestnut”).

40 a 50% da produção afetada: doenças travam valor da castanha

As pragas e doenças que afetam o castanheiro são o principal travão da sua capacidade produtiva. Este é um problema mundial, uma vez que as pragas tendem a “viajar” entre países, nomeadamente por via da importação de espécies – o cancro do castanheiro, por exemplo, chegou à Europa vindo dos Estados Unidos, em 1938.

Qual o valor da castanha perdido em território nacional? Segundo a RefCast – Associação Portuguesa da Castanha, em Portugal, as doenças resultam na perda de 40 a 50% da castanha ao longo da cadeia de produção. Isso pode significar uma quebra de cerca de 12 mil toneladas de castanha, algo como 24 milhões de euros a menos para a fileira da castanha. Os custos intermédios elevados provocam, por sua vez, uma subida de cotação, que não ajuda à sua competitividade.

Doença da tinta, cancro do castanheiro e vespa-das-galhas-do-castanheiro são as três ameaças mais preocupantes – em especial a primeira, por não existir ainda forma biológica de a controlar – e uma quarta está também a ser motivo de preocupação: a podridão da castanha.

O alerta sobre a podridão da castanha foi dado em 2019, por José Gomes Laranjo, investigador da UTAD – Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, mas o fungo Gnomoniopsis castanea, que se tornou mais evidente em Portugal nesse ano, já afetava a produção europeia há dez anos. Os sintomas são particularmente visíveis nas flores, folhas e ramos dos castanheiros, e a incidência é mais elevada nos soutos previamente afetados pela vespa das galhas. Elevados são também, segundo o investigador, os prejuízos que causa: podem chegar aos 80 a 90%.

Ciência portuguesa apoia resistência do castanheiro e valor da castanha

Atendendo à baixa produtividade dos soutos portugueses, intimamente relacionada com estas pragas e doenças, a ciência tem vindo a explorar novos caminhos para reforçar a resistência e saúde do castanheiro, via para reforçar outros indicadores, como o emprego e o valor da castanha para Portugal.

Nos anos 2000, a aposta passou pela criação de novas variedades híbridas, ou seja, pelo cruzamento entre as espécies mais afetadas pelas doenças (como a Castanea sativa) com espécies asiáticas, historicamente mais resistentes, porque tiveram uma coevolução com os agentes patogénicos, que são originários destas regiões.

O programa de melhoramento genético do castanheiro para a resistência à doença da tinta, iniciado em 2006, utiliza “as espécies asiáticas – castanheiro japonês (Castanea crenata) e castanheiro chinês (Castanea mollissima) – como dadores de resistência em cruzamentos controlados com a espécie europeia”, indica Rita Lourenço Costa, responsável pelo Laboratório de Biotecnologia Vegetal da Unidade de Sistemas Agrários Florestais e Sanidade Vegetal, que também coordena o programa de melhoramento genético de castanheiro do INIAV – Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária e o programa de investigação “Compreensão da resistência a Phytophthora cinnamomi em Castanea spp”. (Phytophthora é o género a que pertence o organismo que provoca a doença da tinta).

14 anos depois das primeiras intervenções, já é possível começar a ver alguns resultados. “Foram selecionadas três novas variedades com resistência melhorada à doença da tinta, que serão comercializados como porta-enxertos. A sua entrada no mercado está prevista já para 2022”, refere Rita Lourenço Costa.

Na região de Marvão está localizado um souto experimental com as novas variedades e é aqui que os castanheiros enxertados com variedades nacionais de castanha, plantados há três anos, se consolidam: “já começaram a produzir castanhas este ano” refere a responsável. A Unidade Piloto de Marvão foi criada no âmbito do projeto Alentejo 2020.

Além disso, segundo a investigadora, foi também possível identificar genes de resistência à Phytophthora cinnamomi, que podem contribuir para uma solução. “Já identificámos um conjunto de genes candidatos de resistência que estão a ser validados funcionalmente por transformação genética. Também se estuda a progressão do agente patogénico a nível celular, por histopatologia, comparando a espécie europeia sensível com o castanheiro japonês, para transferir todo o conhecimento obtido, através de diferentes abordagens, em prol do melhoramento da espécie europeia”.

Além desta pesquisa, desenvolvida em Portugal (e em paralelo noutros países), novas potencialidades da biotecnologia procuram contornar os problemas relacionados com a produtividade. Rita Lourenço Costa aponta que “as novas variedades são produzidas em larga escala por micropropagação, com protocolos otimizados, contribuindo esta tecnologia para produzir plantas isentas de patógenos e com sistemas radiculares bem formados e funcionais”. Esta nova aposta tem, sobretudo, a mais-valia de “um crescimento superior quando chegam ao campo”.

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Castanheiros melhorados na estufa de Marvão, Imagens © Rita Lourenço Costa