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Gestão Florestal

Desafios do melhoramento genético florestal

As plantas e árvores geneticamente melhoradas para um determinado fim dão resposta à crescente procura por matérias-primas naturais, nomeadamente lenhosas – madeira e fibras –, mas há desafios do melhoramento genético a ter em conta para que os seus benefícios sejam relevantes e sustentáveis. Filipe Costa e Silva ajuda-nos a conhecer alguns.

Ao selecionar populações de árvores mais eficientes e adaptadas a determinadas condições, o melhoramento genético permitirá aumentar da resiliência e produtividade da futura floresta, contribuindo para disponibilizar matérias-primas lenhosas. Estes materiais são essenciais para responder à procura crescente da população mundial (também ela em contínuo crescimento) e para fazer face às necessidades inerentes à transição para uma bioeconomia mais sustentável. No entanto, há desafios do melhoramento genético florestal, atividade que se desenvolve num horizonte temporal muito alargado, que importa conhecer.

As alterações climáticas e o previsível agravamento dos efeitos que delas decorrem no médio e longo prazo constituem atualmente um dos mais complexos desafios do melhoramento genético florestal. Porquê? Porque sabemos que as florestas que plantamos vão demorar muitos anos a crescer – nalguns casos, várias décadas – e é difícil antecipar quais serão as condições climáticas a que terão de se adaptar no futuro e os efeitos que as alterações do clima poderão desencadear nas árvores.

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© Cristina Marques

Em paralelo, as sucessivas etapas de seleção e cruzamento de árvores num programa de melhoramento genético conduzem a uma redução da variabilidade genética das populações em causa. O uso continuado das melhores plantas, geneticamente semelhantes às suas progenitoras, faz parte do processo, mas os alelos mais raros nas populações de melhoramento, que poderão ser úteis em condições futuras, podem perder-se. A perda de diversidade é, por isso, outro dos desafios do melhoramento genético florestal que importa acautelar.

Acresce que o sucesso dos programas de melhoramento não depende só da adaptabilidade e produtividade das plantas melhoradas para um dado local e objetivos, e da capacidade técnica de as disponibilizar para plantação atempada. Uma silvicultura adequada na instalação e acompanhamento das plantações e uma gestão florestal responsável e sustentável, ao nível do ecossistema, são essenciais para que os ganhos genéticos se traduzam em adaptabilidade e produtividade em campo.

Ao concentrar a produção lenhosa em plantações de alta produtividade e qualidade, o melhoramento genético florestal liberta áreas naturais para a conservação da natureza. A gestão florestal sustentável é essencial tanto para assegurar a qualidade, produtividade e longevidade das florestas vocacionadas para o abastecimento de madeira e fibras, como para manter a diversidade e continuidade dos serviços ecológicos prestados pelos ecossistemas florestais, incluindo a biodiversidade. É possível conciliar estas duas vertentes numa mesma área florestal.

Adaptabilidade aos efeitos das alterações climáticas

O aumento da temperatura média global – que já atingiu 1,1 graus centígrados em 2021 – é um dos efeitos mais notórios das alterações climáticas, mas o aumento da frequência de fenómenos extremos, como secas persistentes, chuvas torrenciais, vagas de frio ou furacões, por exemplo, tem vindo a alterar as condições naturais de vida das espécies, incluindo das espécies florestais.

Vários destes fenómenos climáticos trazem riscos acrescidos à sobrevivência e desenvolvimento das árvores, propiciando condições que favorecem grandes incêndios e o incremento de pragas e doenças. Por exemplo, alguns organismos patogénicos conseguem sobreviver em locais que antes lhes eram adversos, causando novas doenças para as quais as plantas não têm defesas.

De facto, os novos cenários climáticos alteraram as condições a que as árvores estavam adaptadas. Isto significa que as áreas e limites atuais de distribuição das diferentes espécies florestais podem tornar-se adversas à sua sobrevivência. Em contraponto, novos nichos ambientais poderão abrir-se, levando à deslocação de espécies para zonas que anteriormente não lhes eram favoráveis.

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© Cristina Marques

O melhoramento genético permite desenvolver materiais florestais de reprodução (MFR) mais adaptados às condições ambientais que se antecipam para o futuro. Daí que, características adaptativas das espécies, como a resistência à falta de água, às variações de temperatura ou a pragas e doenças, ganhassem relevo e passassem a ser incluídas nos objetivos de muitos programas de melhoramento de espécies florestais.

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Em Portugal, por exemplo, tem vindo a ser feito um trabalho de fundo para o melhoramento genético do castanheiro para resistência à doença da tinta, que resultou no desenvolvimento de novas variedades. Os programas de melhoramento genético do eucalipto têm também visado a seleção de variedades menos suscetíveis a pressões bióticas (biológicas, entre seres vivos presentes no ecossistema) e abióticas (decorrentes de fatores físicos e químicos do ecossistema).

Já na Alemanha e Noruega, foram estabelecidos novos objetivos para os programas de melhoramento florestal: melhorar o crescimento sem perdas nas propriedades da madeira, mantendo uma variabilidade genética que possibilite o potencial adaptativo das florestas no futuro.

No entanto, a seleção de um maior número de características alvo (por exemplo, as relacionadas com a adaptabilidade e a produtividade) torna os programas de melhoramento mais complexos e pode limitar a progressão dos ganhos genéticos. É importante conhecer também o grau de controlo genético das características a selecionar (heritabilidade) e as eventuais correlações (positivas ou negativas) que possam resultar da seleção conjunta de várias características. Ou seja, a melhoria de uma característica (por exemplo a adaptabilidade) pode implicar algum prejuízo noutra (por exemplo a produtividade).

 

Um dos maiores desafios do melhoramento genético florestal é que os objetivos estabelecidos no presente deixem de ser relevantes na altura de recolher os ganhos genéticos. Além das incertezas relacionadas com as futuras condições ambientais, também as alterações económicas e tecnológicas colocam incógnitas e podem requerer materiais genéticos diferentes dos previstos. Sabendo que o melhoramento florestal se desenvolve num horizonte temporal muito alargado, a manutenção de uma ampla base genética é uma condição essencial para permitir a flexibilidade na evolução dos programas de melhoramento.

Conhecer, promover e utilizar a diversidade genética

O cruzamento sucessivo dos melhores indivíduos selecionados, no desenrolar dos ciclos de melhoramento genético, resulta num aumento da consanguinidade nas populações selecionadas. No entanto, uma gestão apropriada dos recursos genéticos utilizados nos programas de melhoramento pode permitir aumentar a diversidade ao longo do tempo.

Por exemplo, o sistema de melhoramento por populações múltiplas, onde a população de melhoramento é dividida em subpopulações geneticamente diversas, permite gerir e controlar as relações de parentesco dos indivíduos selecionados, minimizando riscos de consanguinidade, e ao mesmo tempo assegurar em cada subpopulação uma rápida evolução para as características alvo (características que se pretendem melhorar).

Em paralelo, as populações que integram os programas de melhoramento (sejam parques clonais ou pomares de sementes) são sujeitas a testes genéticos, como os ensaios de proveniência e de descendência, que permitem ampliar o conhecimento genético sobre a espécie e a sua variabilidade, assim como preservar os diferentes recursos genéticos estudados ex situ, isto é, fora dos locais de origem – em laboratório ou em bancos de germoplasma vegetal, por exemplo.

Ou seja, o melhoramento genético dispõe de ferramentas que podem dar um valioso contributo para o conhecimento e a conservação dos recursos genéticos florestais, controlando e contrariando os riscos associados à perda de diversidade genética.

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Os recursos genéticos, “tanto silvestres quanto domesticados, desempenham um papel fundamental e crescente em muitos sectores económicos”, lembra o Banco Português de Germoplasma Vegetal, sublinhando a importância deste património genético para diferentes sectores: indústria, horticultura, controlo biológico, cosmética, alimentação e bebidas, biotecnologia e indústria farmacêutica, que “utilizam recursos genéticos para fins de investigação e desenvolvimento e inovação”.

Ao identificar as populações mais adaptadas às condições ambientais de diferentes áreas, os ensaios de proveniência permitem obter informação sobre a variabilidade genética entre diferentes populações de uma mesma espécie. A informação sobre os padrões de variação genética adaptativa, contribui para decidir de forma sustentada sobre o número apropriado de populações relevantes a selecionar para programas de conservação ou melhoramento genético.

Estes ensaios ajudam também a delinear diferentes zonas geográficas de melhoramento e a estabelecer procedimentos e normas de transferência de sementes, para alocar corretamente os materiais florestais reprodutivos mais adaptados a uma dada região.

Limites, respostas e desafios do melhoramento genético

Apesar de muitos desafios do melhoramento genético estarem a encontrar resposta nos estudos científicos e programas desenvolvidos com base nas várias disciplinas que contribuem para esta área de conhecimento, há limites que não são suscetíveis de transpor. Não podemos esperar que o melhoramento genético torne as populações invulneráveis ou totalmente resilientes, nem que a variabilidade genética lhes dê resistência a todas as doenças e fatores de stress, nem que um único programa se possa adaptar a muitos objetivos e locais diferentes.

Por exemplo, por vezes surgem patógenos exóticos em árvores nativas que causam infeções com efeitos devastadores, como é o caso da grafiose do ulmeiro (Ophiostoma ulmi) e do cancro do castanheiro (Cryphonectria parasítica). Em alguns casos não se encontraram árvores resistentes ou tolerantes – é possível que o facto de os organismos patogénicos e as espécies em causa não terem partilhado o mesmo ambiente ao longo de muitas gerações tenha impossibilitado uma coevolução e seja uma das causas da falta de tolerância à doença.

Para que o desempenho e benefícios efetivos do melhoramento genético florestal se expressem em plantações saudáveis, produtivas e resilientes é imprescindível conciliar melhoramento genético e silvicultura adequados para cada local e objetivo:

  • Definindo objetivos realistas de melhoramento, face à variabilidade existente e grau de determinação e correlação genética das características a melhorar;
  • Praticando a alocação adequada dos materiais genéticos melhorados;
  • Aperfeiçoando as técnicas silvícolas de instalação, condução e exploração dos povoamentos (boas práticas de gestão florestal);
  • Formando os profissionais envolvidos nos programas de florestação.
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© Pedro Naves

*Artigo em colaboração

Filipe Costa e Silva

Filipe Costa e Silva é professor auxiliar no Instituto Superior de Agronomia. Leciona e desenvolve investigação nas áreas de Genética e melhoramento florestal, ecofisiologia florestal, relações hídricas das plantas e fluxos de carbono dos ecossistemas.