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Curiosidades

A época de floração e as cores que marcam a Primavera

A Primavera é, por excelência, a estação do ano em que os campos se enchem de cor, com dezenas de flores a desabrochar e muitas árvores em plena época de floração. Descubra o despertar da natureza e o que se destaca em várias espécies que florescem nesta estação – desde a sua beleza aos usos medicinais e culinários.

A grande maioria das plantas e árvores parece acordar na Primavera. Com mais horas de luz e temperaturas mais amenas, este despertar representa a entrada num novo ciclo de desenvolvimento da natureza – a época de floração.

Neste ciclo, que se repete ano após ano, o Inverno corresponde a um período de hibernação (designado como repouso vegetativo). Com poucas horas luz e temperaturas mais baixas, o crescimento da maioria das espécies fica suspenso: o seu metabolismo reduz-se, diminuindo o ritmo a que fazem a fotossíntese, para conservarem energias destinadas às funções vitais. É por esta razão que as árvores de folha caduca (caducifólias) perdem as folhas entre o Outono e o Inverno.

Com a chegada da Primavera, o aumento das horas de luz solar é um dos fatores centrais para a entrada na fase seguinte do ciclo de desenvolvimento das plantas, em que o metabolismo volta a acelerar e o ritmo da fotossíntese se apressa, promovendo um crescimento ativo que leva ao nascimento de novos rebentos, folhas e flores.

O aumento gradual da exposição solar até ao final da Primavera é de tal forma importante na fisiologia das plantas que, por exemplo, todas as faias da Europa começam a produzir sementes em simultâneo no dia do ano com mais horas de luz, como se nesta data, em que se assinala solstício de Verão, recebessem uma mensagem a anunciar que começou a época de reprodução. Será essa a etapa do ciclo de desenvolvimento que se segue à floração.

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Uma vez iniciada a época de floração, é nas estruturas das flores masculinas que são produzidos os grãos de pólen que serão transportados para os óvulos presentes nas flores femininas. A sua união vai gerar as sementes que darão vida à próxima geração. A Primavera é, por isso, a época na qual se intensifica a polinização, e a floração representa este passo essencial para a fase que seguinte do ciclo de vida das plantas – o período reprodutivo.

Flores de todas as cores para descobrir ao longo da época de floração

Encarnados, rosas, roxos e amarelos são algumas das cores que se destacam nesta época de floração, tanto em árvores e arbustos, como em pequenas plantas silvestres que crescem em prados, áreas florestais, campos agrícolas e, muitas vezes, também nas cidades e até à beira de caminhos e estradas.

Descubra várias das espécies que contribuem para a floração na primavera, saiba onde pode admirá-las e tome nota de outras utilizações que as têm valorizado, para além da beleza das flores.

O vermelho das papoilas

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A papoila-comum (Papaver rhoaes), também conhecida como papoila-vermelha, papoila-das-searas ou papoila-brava, começa a florir em março, embora a sua época de floração possa decorrer até ao início do Verão. As suas flores são grandes, solitárias e crescem sobre um pedúnculo longo, que faz sobressair na paisagem o escarlate das suas quatro pétalas muito finas e delicadas que, apesar de vistosas, murcham rapidamente.

As papoilas podem ser admiradas em searas, pousios, prados, montados e bermas de caminhos, de norte a sul de Portugal continental (e em praticamente todas as regiões de clima temperado). Embora não existam naturalmente na Madeira e nos Açores, podem ser vistas nas Regiões Autónomas, pois foram ali introduzidas e existem em todas as ilhas.

Além da beleza das suas flores, a papoila tem aplicações medicinais e culinárias, embora se desaconselhe o seu consumo com muita frequência ou em grandes quantidades, devido à toxicidade.

As primeiras referências conhecidas que ao uso da papoila como medicamento datam de 3400 A.C., no Egito, onde era designada como “planta da alegria”, pela capacidade de reduzir a dor e acalmar, indica o Museu da Ciência da Universidade de Coimbra. A mesma fonte refere esta pequena planta é reconhecida pelas suas propriedades calmantes e sedativas, assim como antitússicas, emolientes e antiespasmódicas: “As propriedades sedativas são leves comparativamente à sua congénere Papaver somniferum”, a papoila-do-ópio, da qual se extraía a morfina, o ópio e outros opiáceos (por meio de incisões nas cápsulas das flores imaturas).

Por estas propriedades, extratos e infusões da planta são usados, desde tempos antigos, no tratamento de constipações, tosse, inflamações das mucosas, espasmos nervosos, e como analgésico em insónias e ansiedade.

Nos usos culinários, destacam-se as sementes de papoila, que são ingrediente em bolos e pão (além de matéria-prima para um óleo aplicado em produtos cosméticos). As suas folhas jovens (colhidas verdes, antes da floração) também podem ser consumidas cruas ou cozinhadas, em saladas e sopas, enquanto as pétalas são reconhecidas pelas suas propriedades corantes e têm sido aplicadas em bebidas (tisanas, por exemplo).

O laranja intenso da flor de romãzeira

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A romãzeira (Punica granatum) é um arbusto ou pequena árvore de folha caduca, que pode elevar-se aos sete metros de altura quando cresce espontaneamente (aos cinco quando é cultivada). As suas flores, de um tom laranja-escuro a encarnado, surgem normalmente a partir de abril e maio.

Curioso é que numa mesma romãzeira podemos observar dois tipos de flores e por vezes três, embora à primeira vista sejam parecidas:

  • Umas possuem ambos os sexos (hermafroditas) e autofertilizam-se. A parte feminina da flor (pistilo) é longa, pelo que a flor se torna maior;
  • Outras são consideradas flores masculinas e são inférteis, porque a sua parte feminina está subdesenvolvida ou mesmo ausente. Como o pistilo não se desenvolveu, a base da flor é mais curta.
  • Pode haver ainda um terceiro tipo de flores intermédias, em que a parte feminina existe pouco desenvolvida e relativamente curta.

Estas flores podem ser solitárias ou surgir em pares ou cachos, e tanto podem crescer ao longo dos ramos como nas suas extremidades.

A espécie é nativa da Ásia Central, mas foi há muito difundida por outras regiões, incluindo a mediterrânica, e em Portugal tem sido plantada principalmente a sul do Tejo, onde também se encontra em estado silvestre. A região onde é mais comum é o Algarve e é aí que é mais fácil admirá-la em época de floração.

O fruto é o principal motivo do cultivo e a romã é reconhecida por ter um elevado potencial antioxidante, sendo também fonte de fibra, vitaminas e minerais – como carotenos, vitamina C, potássio e ferro. Na medicina popular, os frutos muito maduros são inclusive usados para preparar a granadina, um xarope caseiro usado para combater as infeções da garganta.

Fruto e flores têm sido valorizados em numerosas outras aplicações tradicionais noutras regiões do mundo e existem já alguns estudos científicos que indicam que os extratos das flores da romãzeira têm efeitos positivos na cicatrização de feridas, tendo-se demonstrado promissores no tratamento de queimaduras.

Várias outras plantas com flores de tons rubros crescem na Primavera em Portugal. É o caso da leiteira-nordestina (Euphorbia oxyphylla), uma nativa presente nas regiões do Nordeste, e da exótica Hedysarum coronarium, conhecida por sula ou sanfeno-de-Espanha (na foto). Embora a sula não seja fácil de encontrar, pois só existe esporadicamente no litoral centro, vale a pena admirar a flor desta espécie nativa de Espanha, Itália, Malta e países do Norte de África, onde também é plantada para alimentação animal e produção de mel.

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O rosa das olaias

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As olaias (Cercis siliquastrum) começam a florir em março, por vezes ainda antes de começar a Primavera e antes também de surgirem as novas folhas, mas é normalmente em abril que estas pequenas árvores, que crescem até aos cerca de oito metros, estão “pintadas” de rosa, com flores abundantes que despontam de todos os ramos, inclusive do seu tronco principal.

Embora as flores sejam pequenas, com cerca de dois centímetros de comprimento, elas agrupam-se em feixes que as fazem parecer maiores e muito vistosas. É a beleza desta floração, que se mantêm durante cerca de três semanas, que torna a olaia muito apreciada como espécie ornamental. É ela também que justifica a presença desta espécie em Portugal.

Originária do Médio Oriente e Mediterrâneo Oriental, a olaia tem sido cultivada no nosso país pelo seu valor ornamental e é comum encontrar árvores desta espécie em jardins, parques e arruamentos por praticamente em todas as regiões. A olaia é considerada uma espécie rústica, capaz de sobreviver em diversas condições, o que lhe permite subsistir em solos e climas variados e adaptar-se às pressões dos ambientes urbanos.

Além de coloridas e belas, suas flores podem ser consumidas em saladas, tal como as folhas jovens. Os botões florais podem também ser consumidos e usados como ingrediente em vinagres, por exemplo.

Descubra mais sobre a olaia e as razões pelas quais lhe chamam árvore-de-judas e árvore-do-amor.

O rosa violáceo da malva

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Com as suas cinco pétalas rosadas – umas vezes mais violeta e outras esbranquiçada -, a malva ou malva-silvestre (Malva sylvestris) floresce normalmente a partir de abril.

A malva pode ser vista praticamente em qualquer lugar, pois ela consegue crescer mesmo em habitats muito alterados pela atividade humana – desde bosques e campos de cultivo, a beiras de estrada e terrenos abandonados. Em Portugal continental e na Madeira é autóctone, mas podemos encontrá-la também nos Açores, onde foi introduzida.

Todas as partes da planta são comestíveis, à exceção do caule fibroso. As flores têm um sabor suave (levemente adocicado no centro) e aconselha-se a sua aplicação em pratos frios, para que não percam a sua forma e beleza. Podem ser adicionadas a saladas, usadas como guarnição, para finalização e decoração. Podem ainda ser cristalizadas para uso em pastelaria, ou desidratadas.

As raízes podem ser cozinhadas e, tal como as folhas, são ricas em mucilagem, uma substância que, quando aquecida, serve de espessante em preparados alimentares. As folhas também podem consumir-se cruas (escolhendo-se as mais jovens) ou cozinhadas (mesmo que sejam menos novas). Se lhes for retirada a fina película que os envolve, também os frutos podem comer-se – apanhados verdes e tenros, o seu sabor é semelhante a ervilhas.

Várias aplicações medicinais da malva são muito conhecidas, nomeadamente pelas suas propriedades calmantes e anti-inflamatórias, que tornaram conhecida a expressão “água de malvas”, usada desde tempos antigos para lavar (e acalmar) diferentes mal-estares em várias partes do corpo.

As tonalidades rosa são das mais comuns nas flores de Primavera. Podemos encontrar toda uma palete de rosas, dos mais vibrantes aos muito suaves, quer em plantas herbáceas, como em arbustos e árvores. Por exemplo, as árvores do género botânico Prunus, que incluem espécies fruteiras como as cerejeiras, ginjeiras, pessegueiros, abrunheiro e ameixeiras, entre outras, têm flores de variados tons de rosa, do pálido (quase branco) ao fúchsia. Uma delas, o abrunheiro-de-jardim (Prunus cerasifera) floresce entre março e abril (na foto), mas várias outras espécies de Prunus iniciam a sua época de floração ainda antes de começar a Primavera. Conheça vários exemplos de espécies com floração precoce, no artigo Árvores em flor no inverno.

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A cor púrpura do sapinho-roxo

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Com minúsculas flores púrpuras, o sapinho-roxo (Spergularia purpurea) pode colorir vastas áreas de pastagens, prados e bermas. Desde que tenha sol, cresce em locais com solos pobres, arenosos e ácidos, onde outras não singram. Para admirar as suas vistosas flores, basta esperar por março – abril. É nestes meses que se inicia a época de floração do sapinho-roxo, embora se prolongue habitualmente até junho e possa prosseguir pelo Verão.

As flores não chegam a ter meio centímetro e no centro das suas cinco pétalas roxas sobressaem até 10 estames e anteras amarelas, criando um contraste de cores que sobressai por entre o verde das folhas desta planta rasteira e de outras herbáceas que a acompanham, como se de uma tapeçaria natural se tratasse.

O sapinho-roxo integra uma família botânica reconhecida por ter várias espécies com grande valor ornamental: a família Caryophyllaceae, à qual pertencem os cravos. Esta espécie ocorre em todo o território continental, sendo nativa de Portugal, Espanha e Marrocos.  Nalgumas ilhas da Madeira e Açores tem “familiares” autóctones do mesmo género botânico, com flores semelhantes: a Spergularia marina, que enfeita de roxo sapais e zonas arenosas próximas do mar, é um dos exemplos. Nos Açores, a mais comum é a Spergularia azorica, com flores de forma muito parecida, embora com pétalas brancas.

O extrato de sapinho-roxo (e da Spergularia marina) tem sido usado na medicina tradicional, especialmente em Marrocos. Novos estudos têm vindo a aprofundar o potencial deste extrato em aplicações terapêuticas e os resultados iniciais parecem promissores, pelo seu contributo para a regulação da glicose na diabetes. Da mesma forma, parecem promissores os efeitos dos extratos destas duas plantas como diuréticos e vaso relaxantes, com potencial na regulação da tensão arterial média nas doenças cardiovasculares.

Igualmente arroxeadas são as flores do jacarandá (Jacaranda mimosifolia). Natural do Brasil, Argentina e Bolívia, esta espécie foi amplamente plantada em Portugal pelo seu valor estético. De março em diante, as suas flores começam a despontar e o pico da floração acontece normalmente em abril-maio, quando os longos cachos de flores se destacam na paisagem.

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O amarelo dos castanheiros em flor

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Não é pelas suas flores que os castanheiros (Castanea sativa) são mais conhecidos, mas vale a pena admirá-los “salpicados” de amarelo durante a época de floração, que começa habitualmente entre maio – junho. É por estes meses que se inicia o despontar das flores masculinas, agrupadas em longos cachos (amentilhos) que se projetam por entre o verde das folhas nascidas no início da Primavera.

As flores masculinas são as primeiras a surgir e as mais vistosas. As femininas, mais discretas, surgem a seguir. Estas flores femininas estão geralmente agrupadas em três, dentro de uma cápsula de espinhos, dando depois origem às três castanhas que estão dentro do ouriço. Embora mais vistosas, as flores masculinas permanecem por pouco tempo: por apenas cinco a oito dias e este é o período em que o seu pólen é viável para fertilizar as flores femininas, que podem manter-se por cinco a 20 dias.

Natural da Europa mediterrânica, o castanheiro pode ser visto um pouco por todo o território continental português, mas é fácil admirá-lo em Trás-os-Montes, parte das Beiras, Portalegre e Monchique, pois é nestas regiões do país, em zonas de maior altitude, que se encontram as maiores áreas de castanheiros.

Embora sejam os frutos que tornam a espécie muito valorizada, as suas folhas e casca foram aplicadas tradicionalmente em várias terapias: os taninos nelas presentes eram reconhecidos no tratamento de hemorragias e diarreia, e a infusão da casca e folhas tinha reputação no tratamento de febre e tosse. Às folhas eram também reconhecidos benefícios no alívio de várias dores – de garganta, lombares, articulares e musculares -, enquanto a infusão das flores e folhas foi usada ancestralmente como mucolítico, antiespasmódico e no tratamento de disenteria.

Muitos destes benefícios medicinais não se encontram validados cientificamente, mas vários deles têm vindo a ser estudados, incluindo os que podem resultar da infusão das suas flores ou da extração a quente (decocção) de substâncias ativas nelas presentes.

Por exemplo, uma equipa de investigadores europeus (incluindo vários portugueses) que tem vindo a estudar os frutos, folhas e flores do castanheiro testou as flores de duas das cultivares mais conhecidas em Portugal – as variedades de cultivo Judia e Longal – e comprovou que as flores têm potencial de ser usadas como antioxidante. Da mesma forma, através de diferentes processos de extração de substâncias ativas, como a infusão e extração a quente (decocção), esta equipa demonstrou que é possível obter extratos com potencial antitumoral (células hepáticas e células do cólon) e com atividade antibacteriana e antimicrobiana. “A boa atividade antimicrobiana global observada pode justificar a inclusão das flores no processamento alimentar, atuando como um antimicrobiano natural”, destacam os autores.

Outras flores amarelas, mas de um tom mais intenso, são as do hipericão-bravo, também conhecido como erva-de-São-João (Hypericum perforatum), que cresce em todo o Portugal continental e no arquipélago dos Açores, em orlas de bosques e de plantações florestais, matos, prados, margens de caminhos e pousios. A infusão da planta seca – incluindo parte aérea, vegetativa e extremidades florais – é muito usada na medicina popular e as flores são ainda comercializadas como antidepressivo. A época de floração começa em maio.

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