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Espécies Florestais

Medronheiro: uma espécie multifuncional

O medronheiro é reconhecido como espécie ornamental, melífera e medicinal, mas são os seus frutos e resiliência que reforçam o seu valor económico e ecológico. Fique a conhecer melhor a espécie, neste artigo desenvolvido em colaboração com Carlos Fonseca.

Conhecido essencialmente pela aguardente que se produz com o seu fruto, o medronheiro (Arbutus unedo) é um arbusto mediterrânico que se pode encontrar por todo o país. Nos últimos anos, tem vindo a adquirir um papel de destaque no panorama (agro) florestal nacional, sendo uma das plantas privilegiadas em muitas zonas rurais onde se pretende compatibilizar o rendimento dos espaços agroflorestais com a conservação, a paisagem, o turismo e a sustentabilidade.

O medronheiro pertence à família das Ericáceas (Ericacea) que inclui espécies como as urzes (Erica spp. e Calluna vulgaris), o rododendro (Rhododendron ponticum) – considerado uma relíquia da floresta Laurissilva, ou as camarinhas (Corema album).

Normalmente, é um arbusto com uma altura média entre os dois e cinco metros, mas pode atingir porte arbóreo e crescer até aos oito a dez metros. O seu tronco é castanho-avermelhado, escamoso e a sua copa é arredondada, dominada por folhas verde-escuras, lustrosas e perenes (sempre verdes). Apesar de ter folhas perenes, a renovação da folhagem, com substituição das folhas mais velhas, que vão caindo, faz-se na primavera.

As flores surgem em cachos terminais, em forma de campânulas brancas, esverdeadas ou ligeiramente rosadas e aparecem geralmente no outono, coincidindo com a maturação e queda dos frutos do ano anterior. Isso torna possível ver na árvore, ao mesmo tempo, flores e frutos em diferentes estados de maturação.

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Os frutos, comestíveis, são bagas globosas, carnudas, com pequenas sementes (10 a 50), e são revestidos por relevos cónicos. No processo de maturação, que ocorre fundamentalmente no verão e outono de cada ano, vão passando de verdes a amarelados, laranjas e, finalmente a vermelhos, quando já estão maduros. A apanha do fruto decorre, assim, no outono.

Espécie vistosa, o medronheiro é apetecível para diferentes tipos de animais: a sua copa permanente e o facto de manter flores e frutos durante o outono e inverno destaca o medronheiro e faz com que seja procurado como fonte de pólen e alimento por insetos, aves e mamíferos.

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fotos © Carlos Fonseca

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O nome científico “Arbutus unedo” conjuga o nome do género “Arbutus”, para arbusto ou pequena árvore, e o restritivo específico “unedo”, derivado do latim “unus”- um e “edo”-comer, que se juntam na expressão “unum tantum edo” ou “comer apenas um”, atribuída ao naturalista romano Plínio, o Velho. A designação deve-se ao suposto efeito alcoólico que o consumo excessivo de frutos muito maduros pode provocar. Apesar de não estar cientificamente comprovado este efeito, o medronho deve ser consumido com moderação como, aliás, qualquer outra fruta madura.

Medronheiro: uma espécie comum pelo mediterrâneo

O medronheiro é uma espécie nativa da bacia do mediterrâneo, onde se encontra há vários milhões de anos. Pensa-se que será uma das espécies descendentes dos bosques e matagais tropicais e subtropicais que foram quase extintos em Portugal continental pelo frio e secura da Idade do Gelo, cujo auge decorreu há cerca de 25 milhões de anos.

Cresce naturalmente em quase todos os países próximos do Mar Mediterrânico, com especial destaque para Portugal, Espanha, França, Itália, Croácia, Montenegro, Albânia, Grécia, Turquia, Líbia, Tunísia, Argélia e Marrocos. Para além destas localizações, podemos encontrar alguns medronheiros silvestres na Irlanda, na Síria e no Líbano.

Distribuição natural do medronheiro

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Fonte: Chorological data for the main European woody species (Crorological maps dataset)

Em Portugal, está presente por todo o território continental, com especial incidência na cordilheira central (e seus sopés norte e sul) e nas serras algarvias.

É considerada uma espécie rústica, que pode crescer em vários tipos de solos (xistosos, calcários e graníticos) e até em zonas rochosas. Em termos de clima, tolera temperaturas negativas, mas não geadas nem ventos fortes e frios. Precisa de pelo menos 500 mm de precipitação anual, mas é resistente à secura do solo e da atmosfera, assim como às temperaturas elevadas na estação quente.

Dos medronhais espontâneos às plantações ordenadas

Em Portugal há (ainda) um predomínio de medronhais espontâneos nos maciços serranos de norte ao sul do país. Os medronheiros ocorrem em bosques e matagais de diversas tipologias, por vezes dominando as outras espécies e originando medronhais.

Todavia, são cada vez mais frequentes as plantações ordenadas de medronheiros, também designadas por pomares, que possibilitam uma gestão mais eficiente e uma colheita de fruto menos dispendiosa.

Os primeiros pomares de medronheiro terão surgido na Região Centro do país, nomeadamente nos concelhos de Oleiros, Sertã, Proença-a-Nova e Pampilhosa da Serra, no início deste século. Estima-se que, anualmente, estas plantações registem crescimentos da ordem das várias centenas de hectares.

A área de medronhais totalizava 15,6 mil hectares em Portugal na viragem do século, indica a Carta da Tipologia Florestal de Portugal Continental (2005, com dados de 1997/98, do 4.º Inventário Florestal Nacional). Depois desta data, a área da espécie não foi estimada pelos Inventários Florestais. De acordo com Carlos Fonseca e considerando as áreas que têm sido plantadas pela REN – Redes Energéticas Nacionais, que já deverão ocupar cerca de dois mil hectares em 2022, estima-se que a área de medronheiro em Portugal possa rondar os 20 mil hectares.

Refira-se que o medronheiro surge como dominante em pequenas zonas de formações florestais de pinheiro-bravo (3%), pinheiro-manso (1%) e outras resinosas (2%), eucalipto (2%), castanheiro (4%), alfarrobeira (2%) sobreiro (2%), azinheira (1%), outros carvalhos (2%), outras folhosas (6%), assim como em matos e pastagens (3%), revela o Inventario Nacional Florestal 6.

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© Carlos Fonseca

Em Portugal, há várias experiências de gestão de medronhal no subcoberto de espécies arbóreas, nomeadamente sobreiro, pinheiro-bravo e de eucalipto. Estes medronheiros, espontâneos ou plantados, têm bons desempenhos de crescimento e de produção de fruto, por estarem mais protegidos de intempéries (trovoadas e geadas). Estas experiências constituem um exemplo de uso múltiplo em florestas de produção, com espécies que se compatibilizam para complementar o rendimento dos produtores e para reforçar o valor natural das suas terras, com ganhos em termos dos serviços do ecossistema – por exemplo, na promoção da biodiversidade.

Aplicações comerciais e valor ecológico

Apesar de se associar o medronho às bebidas alcoólicas, especialmente à aguardente, o medronheiro e o medronho têm outros interesses e aplicações:

  • Os troncos e ramos são extremamente compactos e pesados, tornando a lenha de medronheiro muito valorizada. Além de dar origem a lenha e carvão de boa qualidade, a madeira tem características que a tornam fácil de manusear e adequada para esculpir e fabricar mobiliário.
  • É há muito usado como arbusto ornamental, pela sua copa perene e a manutenção simultânea de flores e frutos.
  • As folhas e cascas têm taninos, podendo ser usadas na curtição de peles, e também têm sido valorizadas tradicionalmente em infusões e chás, como diurético e como antissético para as vias urinárias.

Todavia, é o fruto que apresenta mais aplicações e valor. Para além das bebidas alcoólicas, principal fonte de retorno do medronho, é usado na gastronomia e em várias das atividades com ela relacionadas, desde a confeitaria à panificação e consumido fresco. Atualmente, procura-se também valorizar o fruto e os subprodutos da sua destilação em “novas áreas”, como a medicina e a cosmética.

Também recentemente, o medronheiro tem sido valorizado como espécie de elevado interesse ecológico:

  • A floração abundante faz do medronheiro uma espécie melífera e os seus frutos servem de alimento a diferentes animais durante o outono e inverno;
  • As suas raízes (sistema radicular) ajudam a proteger e a fixar o solo, ao mesmo tempo que a queda e decomposição de folhagem aumentam o teor de matéria orgânica do solo;
  • O medronheiro faz parte do elenco de espécies com resiliência ao fogo e capacidade de recuperação após incêndio. Por isso, têm sido plantadas áreas de medronhal como zonas de fragmentação de paisagem: nos medronhais geridos ou espontâneos com maior densidade de plantas, criam-se oportunidades para poder reduzir a intensidade do fogo, e após as chamas, o medronheiro é das primeiras espécies a regenerar.
  • Como espécie rústica, tem sido também uma das indicadas para a criação ou restauro ativo de habitats e colonização de solos marginais.
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© Forestwise / Jorge Simões

Nestes últimos casos, como ajuda a criar condições para a fixação de outras espécies, tem sido considerado em programas de reflorestação, especialmente em países do Sul da Europa, como Portugal, Espanha, Itália e Grécia, onde os fogos florestais são comuns.

• O medronheiro é conhecido por múltiplos nomes comuns em Portugal, tais como, ervedeiro, morangueiro, ervedo, êrvodo, érvodo, ervado, meródio e medronheiro-comum. Em inglês, a designação comum para medronheiro é strawberry tree (os frutos vermelhos e redondos fazem lembrar morangos), enquanto em castelhano é madroño e em francês arbouisier.

• O primeiro medronhal certificado do mundo é português (FSC® C010103 e PEFC™ /13-22-009), da empresa Medronhalva, em São Pedro de Alva, Penacova, sob a égide da Unimadeiras. Esta empresa, é também pioneira na valorização dos produtos do medronhal, uma vez que é titular da primeira certificação internacional de cadeia de custódia de produtos derivados de medronho como a aguardente de medronho e o fruto em fresco (APCER-COC-151200/FSC® C181765).

• O Algarve possui a única “Indicação Geográfica Protegida” – IGP “Medronho do Algarve”, assumindo, assim, um compromisso com a qualidade do produto, desde a sua origem até ao seu consumo. As IGP são atribuídas pela Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural para proteger os produtos de uma determinada região da utilização abusiva ou imitação do nome registado e garantem aos seus clientes a verdadeira origem do produto.

• A REN têm fomentado, de forma expressiva, a plantação de medronheiro em Portugal, nas faixas de gestão de vegetação sob as linhas de muito alta tensão. Em 2022, esta empresa de transporte de energia já promoveu a plantação de mais de dois mil hectares de espécies autóctones, revela no seu site, incluindo medronheiro. A plantação é feita em parceria com os proprietários dos terrenos e a Cooperativa Portuguesa de Medronho.

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© Carlos Fonseca

*Artigo em colaboração

Carlos Fonseca

Carlos Fonseca é Chief Technology Officer do ForestWISE – Laboratório Colaborativo para a Gestão Integrada da Floresta e do Fogo, responsabilidade que conjuga com a de professor na Universidade de Aveiro. É também proprietário florestal e produtor de medronho, em São Pedro de Alva, Penacova.